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Considerações gerais sobre a Complexidade

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE (páginas 72-77)

5. COMPLEXIDADE

5.1. Considerações gerais sobre a Complexidade

Conforme explica Agostinho (2003), a palavra complexidade, em geral, traz à mente uma imagem parecida com um quebra-cabeça composto por uma infinidade de peças. Considerando que existe apenas um lugar para cada peça, podemos analisar as mesmas e agrupar os itens semelhantes, simplificando o trabalho e terminando a montagem do quebra-cabeça. Isto na verdade não seria complexo e sim bastante complicado de ser feito. A complexidade poderia ser exemplificada, conforme explicita a autora, pelos casos em que poucos tipos de peças podem interagir umas com as outras de várias maneiras diferentes, produzindo uma infinidade de resultados, como pode ser observado no caso das estruturas moleculares, que são formadas pela combinação de alguns tipos de átomos. A autora finaliza o exemplo destacando que a identidade da molécula não se daria pelos tipos e quantidades dos átomos envolvidos, mas pelas ações que se estabelecem entre eles.

A partir dessa compreensão, Agostinho (op. cit.) destaca que os físicos verificaram que o comportamento de uma parte é determinado pelo todo, ou seja, é efeito de conexões não-diretas. Segundo essas conclusões, foi necessário substituir a noção clássica de causa-efeito pela noção de causalidade estatística (termo físico quântico para o que se denomina de visão sistêmica, complexa) que seria baseada nas probabilidades dos acontecimentos ocorrerem de acordo com a dinâmica do sistema em sua totalidade.

Segundo Brecalio (2007), Edgar Morin denominou o paradigma da complexidade, porém a história da complexidade advém de inúmeros autores, de linhas investigativas diversas e com nomenclaturas também singulares, como pensamento sistêmico (Fritjof Capra), enfoque globalizador (Antoni Zabala), multirreferencialidade (Jacques Ardoino), entre outros. A autora destaca que a formulação dessa proposta surgiu nas ciências naturais, com a física quântica, que percebeu que nem sempre eventos isolados possuíam uma causa facilmente definida, porque ocorriam espontaneamente, o que, a princípio, foi denominado de comportamento atômico arbitrário, quando não se percebia qualquer relação com o evento de estudo. Compreendeu-se depois que os eventos atômicos não eram vinculados a causas locais e que possuíam uma lógica, de modo que as causas estariam ligadas com o todo maior.

Esse novo paradigma foi sendo aceito no meio científico e no meio social, o que veio a favorecer o resgate de valores submersos, de questões morais e éticas, por conter concepções mais humanitárias e planetárias. A chamada complexidade é assim definida por Morin (2011b):

O que é a complexidade? A um primeiro olhar, a complexidade é um tecido (complexus: o que é tecido junto) de constituintes heterogêneas inseparavelmente associadas: ela coloca o paradoxo do uno e do múltiplo. Num segundo momento, a complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos, que constituem nosso mundo fenomênico. (MORIN, 2011b, p. 13)

Para compreender o paradigma da complexidade é preciso saber primeiro que existe um paradigma simplificador, sendo que para entendê-lo é necessário primeiramente esclarecer o próprio conceito de paradigma. O conceito de paradigma remete-nos à ideia básica de Kuhn (2013), que o concebe como uma premissa fundamental entre os pesquisadores que o compartilham. É a visão de mundo que assegura a uma comunidade científica suas abordagens de investigação científica, sendo que, nesse sentido, pesquisadores que compartilham do mesmo paradigma foram submetidos a uma iniciação profissional e educação similares, absorvendo a mesma literatura técnica e retirando dela as mesmas lições.

As ideias de Kuhn questionam o enfoque tradicional do progresso científico, revelando que a ciência está em constante estado de evolução, sendo que essa evolução ou progresso da ciência ocorre de forma descontínua, quando um paradigma é substituído por outro. Esse processo de substituição é o que o autor denomina de “revolução”, que tem seu início quando o paradigma instaurado já não consegue dar explicações acerca dos fenômenos estudados.

Morin (2011c) contribui para o debate sobre paradigmas, ampliando o seu sentido, pois concebe o paradigma sob um ponto de vista mais amplo, para além da ciência em si, revelando-se como uma grande matriz do pensamento. No caso do Ocidente, essa matriz diz respeito ao desenvolvimento da técnica, do capitalismo, da indústria, da burocracia, da vida urabana, tendo algo de paradigmaticamente comum entre os princípios de organização da ciência, da economia, da sociedade e do estado-nação. Nessa perspectiva, a noção de paradigma é apresentada por Morin de forma bem mais ampla: uma matriz de pensamento que comanda a civilização ocidental, na qual se insere a própria ciência.

Partindo do entendimento inicial do que é um paradigma, apresenta-se agora o conceito do que é um paradigma simplificador:

Chamo paradigma de simplificação ao conjunto dos princípios de inteligibilidade próprios da ciência clássica e que, ligados uns aos outros, produzem uma concepção simplificadora do universo (físico, biológico, antropossocial). Chamo paradigma de complexidade ao conjunto de princípios de inteligibilidade que, ligados uns aos outros, poderiam determinar as condições de uma visão complexa do universo (físico, biológico, antropossocial). (MORIN, 2010, p. 330)

O paradigma simplificador é um paradigma que põe ordem no universo, expulsa dele a desordem. A ordem se reduz a um princípio, a uma lei. A simplicidade vê o uno, mas não consegue ver que o uno pode ser ao mesmo tempo múltiplo (MORIN, 2011b).

A complexidade pode ser considerada um novo paradigma, uma maneira nova de perceber o mundo que comporta uma visão que venha a religar diversas áreas do conhecimento. Segundo Almeida (2004), não há como identificar o criador do paradigma da complexidade, pois ele é hoje um paradigma em construção, constituindo-se num cenário diverso e com a contribuição de pesquisadores de diversas áreas, onde a visão clássica, que por séculos orientou o conhecimento científico, baseada principalmente nas ideias de Descartes, privilegiando a racionalidade e separando os fenômenos em partes descontextualizadas do todo, já não dá conta de solucionar os problemas que hoje vivenciamos.

Na visão clássica, quando surge uma contradição ela passa a ser entendida como um erro no raciocínio. Na visão complexa quando chegamos a uma contradição isso não significa um erro, significa que atingimos uma camada profunda da realidade que não encontra tradução na nossa lógica.

Nos escritos de Morin sobre complexidade, há muitas menções explícitas e implícitas a Pascal, a começar pelo que se refere às relações entre o todo e as partes. Pascal já afirmava que era impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, assim como conhecer o todo sem conhecer particularmente as partes. Morin (2013a, p. 60) afirma que a formulação pascaliana “todas as coisas são causadas e causantes” deveria ser “inscrita em letras douradas no frontispício de todas as universidades do mundo”. Pascal conseguiu romper com a causalidade linear e o pensamento simplificador que ainda reinam no século XXI e, como destaca Morin, sua frase ilustra brilhantemente a necessidade de ultrapassar os compartimentos disciplinares e redescobrir os problemas fundamentais da humanidade.

Em termos atuais, posso dizer que essa frase contém alguns dos conceitos fundamentais da complexidade. O que hoje chamamos de pensamento complexo tem a ver com o que Pascal denominava de “inteligência penetrante” ou “espírito penetrante”. É um modo de pensar que permite que compreendamos os paradoxos, a complexidade dos fenômenos do mundo e a nossa própria.

Na leitura de Loureiro e Viégas (2008), as denominadas ciências da complexidade começam a se constituir em meados do século XX, sendo suas repercussões teóricas e seus reflexos nas diferentes visões de mundo percebidas de forma mais contundente nas décadas subsequentes. Com essas novas ciências, as certezas inabaláveis, as leis invariáveis e as verdades

absolutas são colocadas em xeque, fazendo que novos conhecimentos e novas descobertas apontem para a necessidade de se ir além do estático e do racional-instrumental.

No dizer de Morin (2013a), devemos mobilizar a inteligência para enfrentar a complexidade da vida, o que o autor denomina de trabalhar para o “bem pensar”. Na definição do autor, “bem pensar” significa abandonar os saberes separados que não nos permitem enxergar o essencial, significa também descompartimentar os saberes e conhecer os contextos e reconhecer a complexidade das situações nas quais devemos agir.

No mundo contemporâneo, notamos a complexidade quando entendemos que o mundo não é separado em partes, ou seja, fragmentado. Estudá-la pode significar entender como sistemas complicados podem gerar um comportamento simples, além de compreender que o universo é formado por sistemas que se adaptam apesar de complexos, gerando uma situação de equilíbrio.

Para Brecalio (2007) a complexidade não é linear, não apresenta causa-efeito determinada e não utiliza o determinismo como alicerce. Pelo contrário, utiliza-se da máxima percepção sobre um evento, suas inter-relações, de maneira que o observador acaba modificando o meio de sua observação assim como a importância dos fatos, independente da distância entre os acontecimentos.

Morin (2011b) entende complexidade como um conjunto de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações e acasos, que constituem o nosso mundo. Uma realidade com traços de desordem e incertezas, que propõe três princípios que se integram e que resumem em quais fundamentos a abordagem da complexidade se sustenta.

O primeiro princípio é o dialógico, que zela por uma associação, união de lógicas diferentes ou complementares, que nos ajuda a pensar, em um mesmo espaço mental, algumas lógicas que se completam e se excluem. Ele pode ser definido como a associação complexa (complementar/concorrente/antagonista) de instâncias conjuntamente necessárias para a existência, para o funcionamento e o desenvolvimento de um fenômeno organizado.

O segundo princípio é o da recursão organizacional que é entendido como “um processo recursivo no qual os produtos e os efeitos são ao mesmo tempo causas e produtores do que o produz” (Morin, 2011b, p. 74). Esse princípio mostra-se como um processo no qual os efeitos ou produtos são simultaneamente causa produtiva do próprio processo, e no seio do qual os últimos estados são necessários para se gerarem os do início. O processo recursivo é aquele que produz e reproduz a si mesmo, na condição, obviamente, de que seja alimentado por uma fonte, uma reserva ou um fluxo exterior.

O terceiro princípio é o hologramático, em que a parte está no todo como o todo está na parte, ou seja, esse princípio indica que, como em um holograma, cada parte contém praticamente a totalidade da informação do objeto representado. Em qualquer organização complexa, não só a parte encontra-se no todo, mas o todo encontra-se igualmente na parte.

Em alguns textos de Morin (2013b, 2011b, 2004) o autor tem repetido que a descrição e explicação dos sistemas complexos não é suficiente para compreendê-los. Qualquer tentativa de descontruir um sistema complexo é redutora, pressupõe eliminar a incerteza que é a ele inerente e, por consequência, propõe eliminar a sua complexidade.

Conforme Mariotti (2013), os sistemas complexos incluem as seguintes dimensões: auto-organização (necessidade de comportamentos adaptativos em resposta a mudanças que ocorram no ambiente); identidade (característica que identifica os sistemas, mesmo quando eles se modificam ou evoluem); homeostase (maneira como os sistemas conservam sua relativa estabilidade interna) e permeabilidade (maneiras dos sistemas interagirem com o ambiente). Essas dimensões não são estáticas e por isso não podem ser capturadas por modelos, mesmo que sejam sofisticados ou computacionais.

Morin (2006) nos chama a atenção para a importância do paradigma da complexidade nas ciências, uma vez que a crise planetária que estamos enfrentando destaca à necessidade de religar as ciências físicas, biológicas e humanas. O autor enfatiza a urgência de uma reforma primordial no que se refere ao pensamento, criticando a hiperespecialização do conhecimento (que acarretou uma fragmentação tão grande que nos levou a abordar os problemas de uma maneira isolada) e destacando a dificuldade de perceber as relações existentes em um contexto mais amplo.

Alvarez, Philippi Jr. e Alvarenga (2010) destacam que Edgar Morin lançou-nos um apelo que ecoa há décadas, apelo que pode ser traduzido como um convite para pensar. Esse convite é oriundo da crítica que o autor faz ao pensamento reducionista, fragmentador e da constatação de que os fenômenos complexos são os que desafiam a própria ciência disciplinar no mundo contemporâneo, o que implica repensar e ampliar a concepção de racionalidade científica clássica que a secunda.

Considerando a grande explosão dos avanços do conhecimento e a crise dos princípios que norteiam a ciência clássica, coube a Edgar Morin assumir o desafio de religar e fazer dialogar o que se constituíam em revoluções dispersas por domínios disciplinares, segundo Almeida (2004). Embora a autora tenha reconhecido que as ciências da complexidade não possuem um início demarcado, considera que o pensamento complexo tem, em Edgar Morin, o seu maior pensador.

Na obra “Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro”, Morin trata dos saberes que não são aplicáveis somente à educação, pois podem ser aplicados a qualquer convívio social, com os quais toda cultura e toda sociedade deveriam trabalhar, respeitando as suas características individuais ou especificidades. Um desses saberes contempla o ensinamento da compreensão, que é favorecida pelo modo de pensar que permite aprender em conjunto o multidimensional. Esse saber deve ser trabalhado na educação e pode ser também abordado nas organizações, a partir do momento que nos conscientizamos que toda empresa, de forma direta ou não, produz também conhecimento e precisa aprender a pensar a realidade de forma muldimensional.

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE (páginas 72-77)