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2 DIREITO DO CONSUMIDOR

3.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A responsabilidade civil pelo fato do produto surge a partir de uma sociedade em que os produtos são dotados de alta complexidade tecnológica. Dessa forma, no caso de o produto apresentar um defeito, dada a sua complexidade, seria de extrema dificuldade ao consumidor comprovar que tal defeito surgiu em decorrência de alguma conduta culposa do fabricante. Teria a vítima que compreender o funcionamento do produto para que tivesse condições de apontar eventual culpa. É evidente que isso certamente tornaria a reparação dos danos ocasionados por produtos uma exceção.

Além disso, a mecanização da produção possibilita a ocorrência de falhas inevitáveis no sistema de produção. A impossibilidade prática de se eliminar tais falhas conduziu ao raciocínio de que certas atividades criam um risco especial para terceiros e, ao colocar o produto potencialmente danoso no mercado, o fornecedor deve responder pelos danos causados ao consumidor ou a terceiros.

Diante disso, era forçosa uma legislação que solucionasse esse problema, pois bem se sabe que um dano irressarcido é um fator de inquietação social.

E foi assim que o Código de Defesa do Consumidor previu que a indenização pelo fato do produto se daria independente de culpa do fornecedor. A redação do art. 12 do CDC impõe a responsabilidade objetiva de forma clara ao dispor que “o fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores”. É com veemência que Antônio Herman V. BENJAMIN frisa ser sem culpa a responsabilidade pelo fato do produto:

Não se trata, em absoluto, de mera presunção de culpa que o obrigado pode ilidir provando que atuou com diligência. Ressalte-se que tampouco ocorre mera inversão do ônus da prova. A partir do Código – não custa repetir – o réu será responsável mesmo que esteja apto a provar que agiu com a melhor diligencia e pericia146.

146

BENJAMIN, Antônio Herman V; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de

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Assim, para a responsabilização do fornecedor não mais interessava a investigação da conduta do fornecedor, mas “somente se deu causa (responsabilidade causal) ao produto ou serviço, sendo responsável pela sua colocação no mercado de consumo.”147

Para alguns autores, como Rui STOCO e João Batista de ALMEIDA148, o Código de Defesa do Consumidor, ao adotar a responsabilidade objetiva do consumidor, teria se baseado na teoria do risco criado.

Pela teoria do risco criado, o dever de indenizar surge quando uma determinada atividade exercida pelo agente cria algum risco a outrem. Não se é necessário que o agente aufira proveito ou vantagem, pois o dever de reparar nascerá independente de eventual benefício conferido ao ofensor. Na definição do ilustre Caio Mário da Silva PEREIRA:

o conceito de risco que melhor se adapta às condições de vida social é o que se fixa no fato de que, se alguém põe em funcionamento uma qualquer atividade, responde pelos eventos danosos que esta atividade gera para os indivíduos, independentemente de determinar se em cada caso, isoladamente, o dano é devido à imprudência,à negligência, a um erro de conduta, e assim se configura a ‘teoria do risco criado’149.

De acordo com Cláudia Lima MARQUES, no que com ela concorda José Aguiar DIAS150, por influência do sistema norte-americano e da Comunidade Econômica Européia, teria o nosso Código de Defesa do Consumidor adotado a teoria da qualidade:

da aceitação de uma teoria da qualidade nasceria, no sistema do CDC, um dever anexo para o fornecedor (uma verdadeira garantia implícita de segurança razoável, como no sistema anterior norte-americano). Este deveria ser ‘anexo’ ao produto, isto é, concentrado no bem e não só ‘anexo’ ao contrato. Por conseguinte, seria um dever legal de todos os fornecedores que ajudam a introduzir (atividade de risco) o produto no mercado. Mas no sistema do CDC, só haverá violação deste dever, nascendo a responsabilidade de reparar os danos, quando existir um defeito no produto

147

GRINOVER, Ada Pellegrini; BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e; FINK, Daniel Roberto; FILOMENO, José Geraldo Brito; WATANABE, Kazuo; NERY JÚNIOR, Nelson; DENARI, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p.159.

148

“Imbuído desse espírito, o legislador acolheu integralmente a teoria do risco criado como apta e suficiente para garantir o consumidor em relação aos danos que viesse a sofrer pelo fato da colocação no mercado de produtos e serviços.” (ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do

consumidor. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 82)

149

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1992, p. 268.

150

“Sustentam Cláudia Lima Marques, Antônio Herman Benjamin e Bruno Miragem, com razão, que há toda uma evidencia que o legislador brasileiro inspirou-se aqui na idéia de garantia implícita da

common law (implied warranty)” (DIAS, José de Aguiar. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro:

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(por influência européia). No sistema do CDC, pode haver o dano e o nexo

causal entre o dano e o produto (explosão de um botijão de gás), mas, se

não existir o defeito (art. 12, § 3º, II), não haverá obrigação de reparar para o fornecedor, arcando este, porém, com o ônus da prova da inexistência do defeito de seu produto151.

Já Sergio CAVALIERI FILHO, ao que parece, fixa o fundamento da responsabilidade objetiva do fornecedor no dever de segurança:

Tem-se afirmado que o fato gerador da responsabilidade do fornecedor é o risco, daí a teoria do risco do empreendimento ou empresarial. Mas o risco, por si só, não gera a obrigação de indenizar. Risco é perigo, é mera probabilidade de dano; e ninguém viola dever jurídico simplesmente porque fabrica um produto ou exerce uma atividade perigosa, mormente quando socialmente admitidos e necessários. Milhões fazem isso sem terem de responder por alguma coisa perante a ordem jurídica. A responsabilidade só surge quando há violação do dever jurídico correspondente152.

E, para ele, o dever jurídico que se contrapõe ao risco é o dever de segurança:

O dever jurídico que se contrapõe ao risco é o dever de segurança. E foi justamente esse dever que o Código do Consumidor estabeleceu no § 1º do seu art. 12. Criou o dever de segurança para o fornecedor, verdadeira cláusula geral – o dever de não lançar no mercado produto com defeito –, de sorte que se o lançar, e este der causa ao acidente de consumo, por ele responderá independentemente de culpa. Tudo quando é necessário para a existência da responsabilidade é ter o produto causado um dano. Trata-se, em última instancia, de uma garantia de idoneidade, um dever especial de segurança do produto legitimamente esperado. Portanto, para quem se propõe fornecer produtos e serviço no mercado de consumo a lei impõe o dever de segurança; dever de fornecer produtos seguros sob pena de responder independentemente de culpa(objetivamente) pelos danos que causar ao consumidor. Aí esta, em nosso entender, o verdadeiro fundamento da responsabilidade do fornecedor153.

Independentemente da teoria que fundamenta a responsabilidade do fornecedor pelo fato do produto, o que se deve ter em mente é o fornecedor responderá objetivamente pela colocação de produto defeituoso no mercado de consumo que venha a causar dano ao consumidor.