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2 DIREITO DO CONSUMIDOR

2.1 O SURGIMENTO DA PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR: BREVE RELATO

A economia dos países ocidentais sofreu uma grande expansão nas últimas décadas, o que provocou transformações em vários aspectos da sociedade, dentre eles a formação de uma sociedade de consumo.

O consumerismo é fruto do crescimento da oferta e da procura por bens de consumo, sendo tal fenômeno facilmente identificado tanto nas sociedades industrializadas como nas economias em desenvolvimento. Passa-se a desejar aquilo de que não se necessita devido a uma manipulação psicológica proveniente de uma produção industrial dinâmica e do oferecimento de novidades100.

Para entendermos o surgimento da proteção ao consumidor devemos iniciar o nosso estudo a partir da revolução industrial.

A revolução industrial trouxe consigo um aumento populacional nas metrópoles. As indústrias vislumbraram nesse aumento da população um conseqüente aumento de demanda, o que as permitia aumentar a produção para que se ampliasse a oferta. Então as indústrias criaram o modelo da produção em série, que as possibilitava produzir mais. Tal produção em série, também denominada de produção “standartizada”, proporcionou uma efetiva diminuição dos custos e grande aumento da oferta de produtos, capaz de atingir boa parte da população.

No modelo da produção em série o fabricante planeja unilateralmente o seu produto, de um modo que tenha um custo inicial para sua criação e depois este é produzido em série com um baixo custo. E esse é o modelo de produção industrial da sociedade capitalista.

A partir da produção em massa, os contratos deixam de ser formalizados após longas fases pré-negociais, que envolviam a tratativa entre as partes, para dar lugar a um contrato modelo, padronizado e massificado tal qual a produção, o que hoje é denominado por nós de contrato de adesão. Esse contrato padrão levou a

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ALVIM, Arruda; ALVIM, Thereza; ALVIM, Eduardo Arruda; MARTINS, James. Código de defesa do

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supressão da vontade individual do adquirente em face do poder negocial das grandes empresas, fazendo com que houvesse um descompasso entre a vontade real do adquirente e a vontade emitida no contrato.101 Se a idéia era a produção e a venda em larga escala, é evidente que um contrato particulizado e pensado para cada adquirente não era nem sequer viável. Todavia, pela notável força dos grandes empreendimentos, inexistia paridade nesses contratos padrões, o que colocava o adquirente em posição de desvantagem.

Atividade industrial de produção em massa se acentuou com a Primeira Guerra Mundial, havendo um “incremento na produção, que se solidificou e cresceu em níveis extraordinários a partir da Segunda Guerra Mundial com o surgimento da tecnologia de ponta, do fortalecimento da informática, do incremento das telecomunicações etc.”102

Deste modo, houve uma expansão de grandes empreendimentos industriais, comerciais ou de prestação de serviço pelos diversos países e continentes, aumentando a influencia dessas grandes empresas. Essa expansão do modelo de produção em serie fez com que houvesse um aumente do contingente de consumidores na população mundial, o que se convencionou chamar de sociedade de consumo.

É neste contexto que começa a surgir a preocupação com a figura do consumidor, que embora fosse uma novidade passava a exigir proteção. O indivíduo precisava satisfazer as suas necessidades de produtos e serviços e, para isso, tinha que se submeter aos contratos padronizados, que não permitiam margem a discussão. E o direito vigente não dava conta de solucionar os problemas trazidos por essa nova realidade, pois os Códigos de então tomavam por base a paridade entre as partes, não servindo para disciplinar a relação de desigualdade entre os consumidores e as grandes empresas capitalistas.

O marco representativo do início do consumerismo está identificado no discurso do presidente americano John Kennedy, denominado de “consumer bill of rights message”, datado de 15/03/1962, que definiu os quatro fundamentos que devem reger uma relação de consumo: o direito à segurança, o direito à informação, o direito de escolha e o direito de ser ouvido ou consultado. Assim, “passou a reinar

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BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do consumidor: código de defesa do consumidor. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 02.

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NUNES, Luiz Antônio Rizzato. Curso de direito do consumidor: com exercícios. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 03.

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[...] uma mentalidade de proteção global ao consumidor: física, psíquica, jurídica, econômica, etc.”103.

A ONU (Organização das Nações Unidas) voltou suas atenções para a problemática dos consumidores e, em 11/12/1969, aprovou a Declaração das Nações Unidas sobre o progresso e desenvolvimento social, que nos artigos 5º ao 10º dispunham sobre diretrizes para proteção do consumidor.

A questão da proteção do consumidor começou a despertar a atenção do constituinte a partir da promulgação da constituição portuguesa em 1976, que em seu art. 81 determinou a obrigação do estado em proteger o consumidor e apoiar a criação de cooperativa e de associação de consumidores. Todavia, foi a constituição espanhola de 1978 que tratou mais detidamente o assunto da proteção do consumidor pela primeira vez.

Em 1985, a ONU estabeleceu diretrizes para a legislação protecionista, recomendou aos governos a adoção de direitos e políticas de proteção ao consumidor, bem como consolidou a idéia de que a proteção do consumidor é um direito humano de nova geração, um direito social e econômico, um direito de igualdade material do mais fraco, do leigo, do cidadão civil nas suas relações privadas frente aos fortes fornecedores e grandes empresas104.

Na constituição da republica de 1988 apareceu matéria de proteção ao consumidor pela primeira vez em nossas constituições, aderindo o Brasil às recomendação da ONU. A Constituição Federal, em suas disposições transitórias (art. 48), previu-se a elaboração de um Código de Defesa do Consumidor num prazo de 120 dias.

Apesar da demora na edição de uma lei de proteção ao consumidor, que data de 1990, o nosso Código de Defesa do Consumidor nasceu com o que havia de mais moderno na proteção do consumidor, tendo servido de inspiração às leis de proteção ao consumidor da Argentina, Paraguaia, Uruguai e até mesmo de projetos de países da Europa.

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SÁ, Priscilla Placha. Responsabilidade pelo produto. Curitiba, 2005. Dissertação (Mestrado em Direito) Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, p.33.

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BENJAMIN, Antônio Herman V; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de

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