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CAPÍTULO III: REALISMO E PRINCÍPIO DO CONTEXTO

3. ANTIRREALISMO E O PRINCÍPIO DO CONTEXTO

3.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Uma vez admitido como essencial ao realismo que os sentidos dos termos

singulares devem ser explicados por meio do modelo nome/objeto – isto é, do

modelo termo singular/objeto do domínio –, passa a ser uma forma de

antirrealismo negar que a noção de referência tenha esse papel. O caso paradigmático de rejeição do realismo via noção de referência se dá pelo uso do princípio do contexto como uma tese sobre a referência. Nas próximas seções, apresentaremos esse tipo de rejeição ao realismo via princípio do contexto; antes, porém, faremos algumas considerações preliminares.

Uma vez mais, permita-nos supor que fomos bem-sucedidos em dar uma definição contextual de “a direção de (...)”. Suponhamos também que, a exemplo

237 Para uma crítica a esse modelo, ver Philosophical Investigations, I, §293. Cf também, Realism(1982), p. 64-65; The Logical Basis, p. 314.

do que se dá com “dir(a) = dir(b)” em relação a “a//b” , fosse possível traduzir todas as frases com termos para (e quantificação sobre) direções para frases com apenas termos para (e quantificação sobre) linhas retas. Em outras palavras, assumamos, para fins argumentativos, que estamos de posse de uma série de definições contextuais de termos para direções e que elas nos permitiram introduzir não apenas termos singulares para direções, como também todos os predicados aplicáveis às direções.

Nesse cenário, teríamos um caso de adoção de uma tese reducionista, a

tese que enuncia que existe uma tradução de certa classe de enunciados para

enunciados de alguma outra classe. Essa tese difere da tese redutiva que, mais

modestamente, diz que nenhum enunciado da classe em disputa pode ser verdadeiro a menos que pelo menos um enunciado de outra classe seja

verdadeiro. 238 À classe de enunciados à qual estamos nos remetendo aqui de

modo indefinido por meio da expressão “outra classe”, Dummett denomina “classe redutiva”. Quais enunciados compõem uma classe redutiva são definidos por dois fatores; a saber: pelos enunciados sobre os quais se disputa a correção de uma interpretação realista; e pelo que o antirrealista sobre aqueles enunciados considera ser aquilo em virtude do que os enunciados da classe em disputa são verdadeiros. Um antirrealista a respeito de enunciados sobre o mundo físico (por exemplo, um fenomenalista) sustentará que aquilo que torna um enunciado sobre o mundo físico verdadeiro é uma experiência atual ou possível e, então, sua classe redutiva seria composta por enunciados sobre experiências atuais e possíveis. Um tipo de construtivista, um antirrealista sobre os enunciados matemáticos, sustentará que aquilo em virtude do que um enunciado matemático é verdadeiro, quando verdadeiro, é uma prova; por isso, sua classe redutiva contaria com enunciados sobre a existência de provas. Um neutralista, um antirrealista a respeito do futuro, defenderá que o que torna os enunciados sobre o futuro verdadeiros são as tendências presentes; assim, a sua classe redutiva seria formada por todos os enunciados sobre tendências presentes. Etc.

Para acentuar a diferença entre as teses redutiva e reducionista, Dummett cita três razões que um defensor de uma tese redutiva poderia aduzir para não

aderir a uma tese reducionista em relação a certo tipo de enunciado da classe em disputa. A primeira consiste em dizer que, para cada enunciado da classe em disputa, poderia haver infinitos enunciados da classe redutiva cuja verdade de qualquer um deles garantiria a verdade do enunciado relevante da classe dos enunciados disputados. Se a linguagem dos enunciados da classe redutiva não possuísse mecanismos por meio dos quais fosse possível formar um enunciado que representasse a disjunção de todos os enunciados da classe em disputa, então a tradução não seria possível. Outra razão baseia-se no fato de o vocabulário da classe redutiva poder fazer uso do vocabulário da classe dos enunciados disputados; por exemplo, no caso da classe redutiva ser composta por enunciados sobre provas matemáticas, onde o vocabulário da classe redutiva é praticamente o mesmo dos enunciados disputados. Em casos como esse, a tradução não é possível porque é uma condição necessária para realizar uma tradução de certos enunciados para outros que o vocabulário dos enunciados traduzidos não seja idêntico ao vocabulário de suas traduções. Uma terceira razão poderia consistir na ausência de meios para identificar, para cada um dos enunciados da classe dada, o enunciado da classe redutiva que o torna verdadeiro. Obviamente, sem realizar essa identificação, não é possível traduzir os enunciados de uma classe para os da outra. Essa seria, por exemplo, a

situação de um defensor materialismo do estado-central (central-state

materialism). 239 Tal materialista sustenta que, para cada enunciado sobre eventos e estados psicológicos, há um enunciado sobre o estado do sistema nervoso central em virtude do qual os primeiros seriam verdadeiros.

Feita a distinção entre as teses redutiva e reducionista, podemos caracterizar a hipótese sobre as direções assim: sendo a classe em disputa constituída por enunciados sobre direções e os enunciados sobre linhas retas compondo a classe redutiva, há uma tradução dos enunciados da classe dada para os enunciados da classe redutiva, isto é, a tese reducionista é verdadeira quando aplicada aos enunciados sobre direções. Suponha-se também que apreender o esquema de tradução é parte de nossa compreensão dos enunciados sobre direções e que os enunciados sobre linhas já possuem suas

condições de verdade determinadas. 240

239 Cf. Realism (1982), p. 76. 240 Realism(1982) p. 66.