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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA - MESTRADO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: HISTÓRIA DA FILOSOFIA MODERNA E CONTEMPORÂNEA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

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SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA - MESTRADO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: HISTÓRIA DA FILOSOFIA MODERNA E

CONTEMPORÂNEA

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

ASCENSÃO SEMÂNTICA E O PRINCÍPIO DO CONTEXTO NA OBRA DE MICHAEL DUMMETT

RAFAEL RIBEIRO SILVA

CURITIBA 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FILOSOFIA

RAFAEL RIBEIRO SILVA

ASCENSÃO SEMÂNTICA E O PRINCÍPIO DO CONTEXTO NA OBRA DE MICHAEL DUMMETT

Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre do Curso de Mestrado em Filosofia do Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná.

Orientador: Prof. Dr. Alexandre Noronha Machado

CURITIBA 2014

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AGRADECIMENTOS

Meu profundo reconhecimento e gratidão ao Prof. Dr. Alexandre Noronha Machado por sua orientação vigorosa, por suas marcantes lições de como proceder em filosofia e, sobretudo, por sua amizade.

Agradeço à minha amiga Aline Da Silva Dias pela ajuda com a burocracia da vida acadêmica, pelo estímulo constante e por ter, pacientemente, escutado algumas das reflexões sobre a filosofia de Dummett que registro aqui neste trabalho.

Agradeço à CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) pelo apoio financeiro, sem o qual a realização desta pesquisa teria se tornado improvável ou impossível.

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RESUMO

O presente trabalho oferece uma apresentação da interpretação de Dummett do princípio do contexto. Além disso, neste trabalho consta uma apresentação de um caso paradigmático de ascensão semântica: o debate entre realistas e antirrealistas, tal como Dummett o concebeu. O princípio do contexto parece ter um papel na formulação do debate contemporâneo sobre o realismo, bem como parece favorecer uma interpretação antirrealista. À primeira vista, esse duplo papel que o princípio do contexto parece desempenhar na obra de Dummett é incompatível com a pretendida neutralidade da caracterização do debate entre realistas e antirrealistas. O principal propósito deste trabalho é oferecer um diagnóstico da tensão que há entre estes três elementos: o princípio do contexto como um princípio que participa da caracterização do debate entre realistas e antirrealistas; a neutralidade da caracterização do debate em relação à questão disputada entre realistas e antirrealistas; e as consequências antirrealistas do princípio do contexto. Na conclusão do trabalho, sugerimos que a tensão pode ser dirimida por meio da constatação de que o princípio do contexto admite duas interpretações nos textos de Dummett.

Palavras-chave: Dummett. Realismo. Princípio do Contexto.

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ABSTRACT

This master thesis provides a presentation of Dummett's interpretation of the context principle. Moreover, this master thesis contains a presentation of a paradigmatic case of semantic ascension: Dummett's formulation of the contemporary debate about realism. The context principle seems to have a role in characterization of the dispute between realists and anti-realists, but it also seems to favor anti-realist interpretation. At first sight, this dual role that the principle of context appears to play in the work of Dummett is incompatible with the neutrality of the characterization of the debate between realists and anti- realists. The main purpose of this work is to provide a diagnosis of the tension between these three elements: the context principle as a principle that participates in the characterization of the debate between realists and anti- realists; the neutrality of the characterization of debate; and the anti-realists consequences of the principle of context. In the conclusion, we suggest that the tension can be resolved through the realization that the context principle, in the work of Dummett, admits two interpretations.

Key-words: Dummett. Realism. Context Principle.

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Sumário

INTRODUÇÃO... 8

CAPÍTULO I: METAFÍSICA E SEMÂNTICA ... 20

1. METAFÍSICA ... 20

2. SEMÂNTICA... 23

3. SEMÂNTICA E METAFÍSICA ... 30

3.1. UMA OBSERVAÇÃO SOBRE O STATUS DA RELAÇÃO DE EQUIVALÊNCIA ENTRE SEMÂNTICA E METAFÍSICA: O PRINCÍPIO C ... 32

3.2. A PRIMAZIA DA SEMÂNTICA SOBRE A METAFÍSICA ... 35

4. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES SOBRE O USO DE DUMMETT DAS NOÇÕES DE SIGNIFICADO, SENTIDO E REFERENTE ... 41

4.1. BREVE COMENTÁRIO SOBRE O QUE É UMA TEORIA DO SIGNIFICADO ... 47

5. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES SOBRE A ANÁLISE DUMMETTIANA DO CONCEITO DE REALISMO ... 52

5.1. A CARACTERIZAÇÃO DO REALISMO... 56

CAPÍTULO II: OS PRINCÍPIOS DO CONTEXTO ... 64

1. O PRINCÍPIO DO CONTEXTO COMO UMA TESE SOBRE O SENTIDO ... 64

1.2. A PRIMAZIA NA EXPLICAÇÃO ... 71

1.3. OBSERVAÇÕES SOBRE O PRINCÍPIO DO CONTEXTO COMO UMA TESE SOBRE O SENTIDO, OUTROS PRINCÍPIOS E TESES ... 77

2. O PRINCÍPIO DO CONTEXTO COMO UMA TESE SOBRE A REFERÊNCIA ... 79

2.1. DEFINIÇÕES CONTEXTUAIS E O PRINCÍPIO DO CONTEXTO CONCEBIDO COMO UMA TESE SOBRE A REFERÊNCIA ... 86

2.2. O PRINCÍPIO DO CONTEXTO COMO UMA TESE SOBRE A REFERÊNCIA E A NOÇÃO DE VALOR SEMÂNTICO ... 89

CAPÍTULO III: REALISMO E PRINCÍPIO DO CONTEXTO... 93

1. O REALISMO E O PRINCÍPIO DO CONTEXTO ... 93

2. O PRINCÍPIO DO CONTEXTO E A CARACTERIZAÇÃO DO REALISMO ... 93

2.1 UMA BREVE INCURSÃO PELA CARACTERIZAÇÃO INICIAL DE DUMMETT DO REALISMO ... 94

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2.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE A PROPOSTA DE KAREN GREEN ... 98

2.4 O PRINCÍPIO DO CONTEXTO NA CARACTERIZAÇÃO FINAL DO REALISMO ... 105

3. ANTIRREALISMO E O PRINCÍPIO DO CONTEXTO ... 107

3.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES ... 107

3.2. ANTIRREALISMO SOBRE A REFERÊNCIA ... 110

3.3 UMA DÚVIDA SOBRE O ANTIRREALISMO SOBRE A REFERÊNCIA ... 112

3.4. TRÊS MODOS DE ENTENDER AS DEFINIÇÕES CONTEXTUAIS ... 113

3.5. DUAS NOÇÕES DE REFERÊNCIA E A INOPERÂNCIA SEMÂNTICA... 115

3.6. WEISS E UMA DIFICULDADE PARA A ESTRATÉGIA SEMANTICISTA DE DUMMETT ... 120 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 125

APÊNDICES ... 132

1. UMA INTERPRETAÇÃO COMPOSICIONAL DO PRINCÍPIO DO CONTEXTO E O MOLECURARISMO ... 132

2. GUIA PARA O ARGUMENTO DO TERCEIRO CAPÍTULO... 141 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 142

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INTRODUÇÃO

Este trabalho é o diagnóstico de uma tensão implicada pelo modo como Dummett interpretou o princípio do contexto, o princípio fregeano que enuncia que apenas no contexto de uma frase uma palavra tem significado. É, pois, centralmente um trabalho sobre a interpretação dummettiana desse princípio.

Posto de modo esquemático, a tensão é a seguinte. O princípio do contexto é constitutivo do método adotado por Dummett na investigação dos problemas filosóficos, método este exemplificado por sua célebre formulação do debate contemporâneo sobre o realismo. O debate foi o modo por meio do qual Dummett julgou ser possível realizar um frutífero estudo comparativo das disputas acerca do realismo e suas reações de modo relativamente uniforme. Além disso, julgou que sua formulação, por si só, não favoreceria nenhuma das posições contendentes. Ou seja, a formulação, a seu ver, não prejulgaria qual posição seria a correta ou a incorreta em qualquer área disputada. Paralelamente, no entanto, o princípio do contexto é interpretado por ele como sendo um princípio que, auxiliado por outros princípios e teses, tem consequências incompatíveis com o realismo. Desse modo, ora o princípio figuraria nos seus textos auxiliando a formulação dos problemas em termos semânticos, ora, ao que parece, favorecendo a posição antirrealista. Diante disso, parece que a adesão de Dummett ao princípio do contexto faria com que a questão disputada entre realistas e antirrealistas estivesse prejulgada, de tal modo que a presunção de neutralidade da formulação não poderia ser sustentada.

Esta dissertação pretende avaliar se essa tensão (entre a alegada neutralidade da formulação do debate e os supramencionados papéis do princípio do contexto) esconde algum tipo de incompatibilidade, ou se é uma tensão que pode ser dirimida por meio de uma análise do modo como Dummett entendeu o princípio do contexto e as posições realistas e antirrealistas. Nesta introdução, ocupar-nos-emos em expor essa tensão de modo mais claro, bem como em expor qual será o modo de proceder dos capítulos que a seguirão a fim de realizar o seu diagnóstico.

A ideia de que o princípio do contexto é um princípio metodológico consta já de sua primeira ocorrência, na introdução de Os Fundamentos da Aritmética, onde Frege o enuncia como um dos princípios aos quais se ateve nas

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investigações sobre o conceito de número realizadas naquele livro. 1 O modo de acordo com o qual Dummett entende o tópico evidencia-se no seguinte trecho:

“a ênfase sobre o papel central das frases na linguagem é muito evidente em Grundlagen [Os Fundamentos da Aritmética], sendo consagrada no dito, três vezes repetido, de que é apenas no contexto de uma frase que uma palavra tem significado. Frege estava muito consciente do papel metodológico fundamental desse princípio”. 2 Pouco depois, Dummett acrescenta a observação de que esse princípio pertence à “teoria do significado, e, se aceito, deve determinar o padrão de investigação em todas as áreas da filosofia”. 3 Essas citações deixam pouco espaço para dúvida em relação a se Dummett entendia o princípio como metodológico ou não.

Ora, se o princípio “deve determinar o padrão de investigação em todas as áreas da filosofia”, deve fazê-lo também no que diz respeito ao próprio programa de investigação de Dummett, sua reformulação do debate sobre o realismo. Isso se segue das citações de Dummett acima com o auxílio de algumas outras nas quais ele manifesta sua adesão ao princípio do contexto assim entendido; como, por exemplo, em The Interpretation of Frege’s Philosophy, onde ele escreveu que “o princípio do contexto (...) é completamente aceitável”. 4

A participação do princípio do contexto como um princípio metodológico nos textos de Dummett é também reconhecida por, pelo menos, dois de seus comentadores. Bob Hale, por exemplo, em um texto sobre o debate contemporâneo sobre o realismo, sustenta que a adoção do princípio do contexto na investigação filosófica implica uma mudança no tratamento das questões ontológicas, aquelas relativas à existência ou não de certo tipo de entidade. Para ele, uma vez adotado o princípio do contexto, as questões ontológicas passam a ser formuladas como questões sobre a verdade ou a forma lógica de certos enunciados. 5 Na mesma linha, Karen Green escreve na introdução de seu livro sobre Dummett: “[o princípio do contexto] acaba sendo central à caracterização

1 Os Fundamentos da Aritmética, p. xxii.

2 F: POL 630-31. Grifos meus.

3 Idem 631. Grifos meus.

4 The Interpretation of Frege’s Philosophy, p. 370. Cf. também: F:POL, p. 196 e The Logical Basis, p. 101-2.

5 The Blackwell Companion, p. 273

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inicial de Dummett da disputa entre realistas e antirrealistas”. 6 Tem-se, portanto, motivo para crer que o princípio do contexto tem participação nos termos nos quais o debate encontra-se formulado.

Segundo Dummett, realismo e antirrealismo são doutrinas metafísicas. 7 A um só tempo, elas também seriam doutrinas sobre o tipo de significado que certos enunciados possuem. Na verdade, teses metafísicas seriam teses sobre o significado de nossas expressões, isto é, o conteúdo de teses metafísicas e de certas teses sobre o significado seria o mesmo. 8 Com base nisso, Dummett apresentou uma nova caracterização das posições realistas e antirrealistas. A posição realista se caracterizaria por sustentar, grosso modo, que somos bem- sucedidos em nos referir aos objetos externos, cuja existência é independente de nosso conhecimento sobre eles, e que os enunciados de nossa linguagem têm um tipo de significado que faz com que sejam verdadeiros ou falsos em virtude de uma realidade objetiva, cuja existência e constituição também são independentes de nosso conhecimento. 9

Em especial, seria característico de uma posição realista sustentar o princípio de bivalência e a tese da indispensabilidade da noção de referência. O princípio de bivalência é o princípio segundo o qual todos os enunciados são determinadamente verdadeiros ou falsos. Assim, seria essencial a uma posição realista sustentar que, dado um enunciado A qualquer, esse enunciado é determinadamente ou verdadeiro ou falso, embora possa ser impossível para nós, mesmo em princípio, vir a saber qual dos dois é o seu valor de verdade. 10 O realismo envolveria também uma detalhada concepção de como o valor de verdade de nossos enunciados é determinado pela realidade que eles descrevem. Um elemento dessa concepção faz uso da noção de referência, quando aplicada aos termos singulares, por manter que um termo singular colabora para determinação do valor de verdade de um enunciado no qual ocorre por ter um objeto associado a ele. Desse modo, também seria constitutivo de uma posição realista sustentar que, por exemplo, o termo singular “Londres”

6 Dummett: POL, p.1

7 The Interpretation of Frege’s Philosophy, p. 428.

8 Na seção 3.2 do primeiro capítulo desta dissertação apresentaremos uma interpretação dessa tese dummettiana.

9The Interpretation, p. 446.

10 Sobre a passagem do princípio de bivalência para uma noção de verdade não-epistêmica conferir as pp- 53-54 e a nota 128 desta dissertação.

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colabora para a determinação de “Londres é barulhenta” como verdadeira ou falsa por manter uma relação de referência com certa cidade europeia.

“Antirrealismo” é o nome dado por Dummett às reações ao modelo de significado proposto pelo realista. Essas reações podem assumir muitas formas, mas Dummett dedicou-se quase que exclusivamente a considerar as formas resultantes da rejeição da bivalência e do papel da noção de referência na determinação do valor de verdade de nossos enunciados. Ou seja, dedicou-se principalmente a considerar as propostas de análise dos significados de nossos enunciados que permitiriam que um enunciado qualquer pudesse ser significativo e não ter, de forma determinada, nem o valor verdadeiro, nem o falso; bem como a considerar que forma assumiria uma crítica ao mecanismo canônico de determinação do valor de verdade de uma frase.

Tudo leva crer que Dummett entendeu que sua formulação do debate não prejulgaria a questão disputada entre realistas e antirrealistas. Na introdução de The Logical Basis of Metaphysics, referindo-se aos princípios que devemos obedecer na formulação da concepção do significado de realistas e antirrealistas, ele escreve: “não devemos prejulgar nenhuma questão”. 11 Mais adiante, ainda na introdução, ele alerta o leitor para o fato de que a adoção de uma posição realista ou antirrealista tem consequências para as formas de argumento dedutivo que devemos considerar como válidas. 12 Depois obseva que o modo de formular a disputa entre realistas e antirrealistas “deve permitir todas as possibilidades. Não deve assumir a correção de qualquer sistema lógico (...)”. 13 Esse modo de se posicionar indica que ele entendia o debate como um programa de investigação neutro em relação ao conteúdo debatido.

Em seus textos, Dummett afirma que o princípio do contexto está em tensão com o realismo. Por exemplo, lê-se em The Interpretation of Frege’s Philosophy: “o princípio do contexto parece contrariar o realismo”. 14 E em Frege:Philosophy of Language, ele escreveu: “há, indisputavelmente, uma tensão considerável entre o realismo de Frege e a doutrina do significado apenas

11 The Logical Basis, p. 16.

12 The Logical Basis, p. 16.

13 The Logical Basis,p. p. 18. Em razão disso, a neutralidade da formulação de Dummett neste trabalho será representada, sobretudo, pela escolha de formulações dos termos técnicos relativamente aos quais Dummett apresenta sua formulação – que se adéquem a todos os sistemas lógicos.

14 The Interpretation of Frege’s Philosophy, p. 457.

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no contexto [de uma frase]”. 15 O realismo de Frege, para Dummett, é o mesmo de sua formulação. 16 Assim, pode-se ler a última citação como exprimindo que há uma indisputável tensão entre o realismo, como Dummett o entende, e o princípio do contexto.

Mas, estamos autorizados pelos textos de Dummett a dizer algo mais forte, a dizer que, para Dummett, o princípio do contexto e o realismo são incompatíveis? Segundo Hans D. Sluga, sim. Quando Dummett diz que há uma tensão entre o princípio do contexto e o realismo, o que ele teria pretendido dizer é que eles são incompatíveis. Pode-se constatar essa interpretação de Sluga a partir do seguinte trecho:

Dummett mantém que o realismo de Frege, sua insistência na relação nome-portador como sendo a relação prototípica [de referência], forçou Frege a abandonar o seu princípio que palavras têm significado apenas no contexto de uma frase.17

Na passagem citada acima, Sluga apresenta a tensão (ou melhor, a incompatibilidade) do princípio do contexto em relação a apenas um elemento do realismo, a saber, a relação nome-portador como paradigma da relação de referência. Esse é o elemento ao qual nos reportamos acima quando dissemos ser essencial ao realismo dummettiano certo modo de pensar como os enunciados têm os seus valores de verdade determinados pela realidade. Esse modo de pensar tem como seu componente central um apelo à noção de referência, isto é, um apelo à tese que um termo singular colabora para a determinação do valor de verdade de um enunciado no qual ocorre por ter certo objeto a ele associado. Se Sluga interpretou Dummett corretamente ou não, não é uma questão com a qual nos ocupamos neste trabalho. Para os propósitos desta introdução, gostaríamos apenas de fazer notar que há na literatura secundária (sobre o tema da tensão entre princípio do contexto e realismo na filosofia de Dummett) registros de interpretações tais como a de Sluga.

15 F:POL, p. 499. E a mesma observação é reiterada em “Frege as Realist”, p. 83.

16 The Interpretation, p. 442.

17 Inquity (18), Frege and the Rise of analytical philosophy, p. 478.

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A razão para pensar que o princípio do contexto é incompatível com a noção de referência, como o realista a entende, pode ser vista a partir de um exemplo. Consideremos o debate sobre se é possível atribuir uma noção de referência realista aos termos para direções. 18 Temos inúmeras frases que contém nomes para direções e muitas delas estão quantificadas existencialmente, algumas das quais são verdadeiras. Em razão de certa interpretação do princípio do contexto, às vezes se considera isso suficiente para justificar a crença na existência desse tipo de objeto. Suponhamos agora que as condições de verdade de todas as frases sobre direções apenas pudessem ser estabelecidas por meio de uma tradução sistemática delas para frases que contivessem somente nomes para, e quantificação sobre, linhas – o que significaria dizer que a apreensão desse sistema de tradução seria um componente de nossa compreensão dos enunciados sobre direções. A determinação das condições de verdade dos enunciados sobre direções se daria, nesse caso, por meio da relação de equivalência entre frases sobre direções e uma, ou mais frases, sobre linhas: por exemplo, “as direções a e b são as mesmas” seria equivale a “a linha a e a linha b são paralelas”. Nesse cenário, o que se faria notar seria que, ao que parece, a noção de referência que atribuiríamos aos termos para direções não teria tido participação na determinação das condições de verdade desse tipo de frase e nem poderia ter, portanto, participação na determinação de seus valores de verdade. Mesmo assim, poderia ser o caso que o comportamento sintático dos nomes para direções e as leis de inferência dedutiva que se aplicam às frases sobre direções fossem semelhantes aos de qualquer outro termo singular genuíno. Segundo Dummett, poderíamos, por isso, atribuir uma referência aos nomes de direções, o que não poderíamos fazer de forma justificada seria atribuir-lhes uma noção de referência realista. 19 Não poderíamos, portanto, justificar nossa crença na existência de direções como objetos independentes de nossa mente pelo fato de termos alguns enunciados verdadeiros sobre direções. Desse modo, o princípio do contexto justificaria a atribuição de referência aos nomes de direções, ao

18 O sentido relevante do termo “direção” aqui e nas demais ocorrências do termo nesse trabalho é aquele no qual se pode dizer que a direção de duas retas é a mesma, ainda que seus sentidos sejam opostos.

19 A noção de referência é dita realista quando ela é semanticamente operante; conferir a seção 3.5 do terceiro capítulo.

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passo que se oporia à concepção de acordo com a qual essa noção de referência poderia ser realista.

Dummett defendeu expressamente ainda outra tese que parece ter o mesmo efeito de dizer que o princípio do contexto é um princípio antirrealista.

Ele escreveu em Wittgenstein on Necessity: Some Reflections: “[o] princípio que um termo tem significado apenas no contexto de uma frase é um fortemente internista”20, e logo depois, no mesmo artigo, ele reforça a natureza do princípio:

“Igualmente internista é o corolário derivado por Frege do princípio do contexto, que a qualquer termo deve estar associado um critério de identidade”. 21 O uso do termo “internismo” se deve ao fato de ele apresentar nesse artigo as suas reflexões sobre a viabilidade das posições internista e externista radicais. Essas reflexões fazem parte de sua controvérsia com Hilary Putnam, então, é natural recorrer aos trabalhos deste último a fim de tentar entender o par de termos externismo/internismo.

Hilary Putnam qualificou de externismo a perspectiva filosófica que assume o ponto de vista de Deus como o seu. Essa perspectiva foi também denominada por ele “realismo metafísico”. Como propôs Hartry Field, 22 o realismo metafísico segundo Putnam pode ser caracterizado por meio das seguintes teses: o mundo consiste de uma totalidade fixa de objetos independentes da mente; existe apenas uma descrição verdadeira e completa de como o mundo é; verdade envolve algum tipo de correspondência. Cada uma dessas teses, observou Putnam, “não têm conteúdo por si próprias, uma por uma; cada uma apoia-se na outra e em uma variedade de outras suposições e noções”. 23 A perspectiva oposta ao externismo é, por Putnam, denominada

“internismo”. Esse rótulo teria o propósito de enfatizar que as perguntas metafísicas, como, por exemplo, “de quais objetos o mundo é composto?”, só fazem sentido no interior de uma teoria ou descrição. A visão internista caracterizar-se-ia fundamentalmente por sua concepção da noção de verdade;

como escreve Putnam, “‘verdade’, em uma visão internista, é algum tipo de aceitabilidade racional (idealizada) – algum tipo de coerência ideal de nossas

20 The Seas, p.457.

21 The Seas, p. 458.

22 Realism and Relativism, p 553-554.

23 Realism with a human face, p. 31

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crenças umas com as outras e com nossas experiências tal como são representadas em nosso sistema de crenças”. 24

Sem um escrutínio adicional, é tentador igualar a posição internista com um tipo de antirrealismo. Mas, será essa tentação motivada unicamente pela superficialidade com a qual estamos, nesta introdução, apresentando os pares realismo/antirrealismo e internismo/externismo? Sem dúvida, identificar prontamente os pares seria precipitado, visto que não apresentamos por completo nem o que Dummett entendeu por realismo e antirrealismo, nem o que ele entendeu por internismo e externismo. Em todo o caso, é possível detectar semelhanças entre as posições. Uma delas encontra-se na noção de verdade característica da posição externista que, assim como a realista, também está comprometida com a adoção irrestrita da bivalência. Por exemplo, para um externista do tipo apresentado acima, o enunciado “todo número ordinal tem um sucessor” seria verdadeiro – ou falso – em razão do domínio de quantificação já estar determinado, isto é, já estaria determinado, para além do qualquer conta ou cálculo humanamente possível, todos os números da série dos números ordinais e, em virtude disso, o enunciado acima teria o seu valor de verdade também determinado. Em outras palavras, dado que os números ordinais constituiriam uma totalidade fixa de objetos, os enunciados que falam sobre essa totalidade seriam verdadeiros ou falsos em virtude unicamente da correspondência ou não com essa totalidade. Dessa forma, teríamos razão para dizer que todas as instâncias do enunciado “todo número ordinal tem um sucessor” – isto é, “sétimo tem um sucessor”, “octogésimo tem um sucessor”, etc. – deveriam possuir um valor de verdade determinado e, por isso, o enunciado quantificado universalmente também deveria ter seu valor de verdade determinado. Em contrapartida, para o internista, o domínio dos números ordinais não está de antemão determinado e, por isso, o internista não precisa se comprometer com a ideia de que todos os enunciados que envolvem números ordinais já estão determinados em seu valor de verdade. Nesse caso, portanto, o externista manteria, como é típico do realista dummettiano, o princípio de bivalência; já o internista, por rejeitar a bivalência, seria acuradamente descrito como um antirrealista.

24 Reason, Truth and History, p. 49-50

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A propósito desse mesmo exemplo sobre os números ordinais, Dummett escreveu: “Aqui chegamos a uma ligação entre o externismo [...] e o realismo, no sentido no qual frequentemente o tenho discutido e no qual ele crucialmente envolve o princípio de bivalência”. 25 E em um comentário a um texto de Dummett, Putnam escreveu: “O tema central nos escritos de Dummett sobre o realismo, nos primeiros e nos mais recentes, é que a verdade nunca pode ser totalmente transcendente em relação ao seu reconhecimento. Minha própria imagem de verdade [...] foi uma tentativa de mostrar a compatibilidade dessa ideia com o realismo do senso comum”.26 Por tudo isso, a seguinte hipótese ganha força: ao afirmar que o princípio do contexto é internista, pode ser que Dummett esteja se comprometendo com a incompatibilidade do princípio com a bivalência e, em razão disso, o princípio do contexto seria um princípio com consequências antirrealistas.

Tendo em vista o que foi dito até o presente momento, estamos diante do seguinte cenário. O princípio do contexto é aceito por Dummett e, segundo ele mesmo, é um princípio que deve determinar o padrão de investigação em todas as áreas da filosofia. Dummett formulou um programa de investigação em filosofia, o debate contemporâneo sobre o realismo. Então, o princípio do contexto deve ter determinado o padrão de investigação de seu próprio programa de investigação filosófica. Um programa de investigação, diga-se, que se pretende neutro em relação à questão disputada entre realistas e antirrealistas.

Ao mesmo tempo, Dummett sustenta que o princípio do contexto está em tensão com a posição realista. Também afirma que o princípio é um princípio internista, o que sugere que o princípio do contexto é incompatível com o realismo. Diante de tudo isso, surge a questão: o princípio do contexto prejulga a controvérsia entre realistas e antirrealistas? Essa foi a questão que motivou a redação deste trabalho. No que resta desta introdução, comentaremos algumas escolhas que foram feitas na investigação dessa questão e como o texto encontra-se dividido.

Para responder à questão mote desta dissertação, era preciso dizer que papel o princípio do contexto desempenha na caracterização de Dummett do debate entre realistas e antirrealistas. Por sua vez, isso envolvia apresentar a caracterização de Dummett e a sua interpretação do princípio do contexto. A

25 The Seas of Language, p. 455.

26 Reading Putnam, p. 256-257.

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primeira dessas duas tarefas é realizada no primeiro capítulo. Esse capítulo é dividido em duas grandes partes. Na primeira parte, que vai da seção 1 até à 4.1, apresentamos uma interpretação que visa conciliar as afirmações de Dummett de que realismo e antirrealismo são doutrinas metafísicas, bem como doutrinas sobre o tipo de significado que nossas expressões possuem. Ainda nessa primeira parte, explicamos alguns dos termos técnicos usados por Dummett, tais como “valor semântico”, “significado” e “referência”. Por fim, na segunda parte do capítulo, apresentamos sua caracterização do debate entre antirrealistas e realistas.

O segundo capítulo é uma exposição do princípio do contexto. Ou melhor, dos princípios do contexto; pois, segundo Dummett, o princípio pode ser interpretado ou como uma tese sobre o sentido, ou como uma tese sobre a referência. Na primeira parte do capítulo, expomos o princípio como uma tese sobre o sentido; na segunda, o princípio como uma tese sobre a referência.

No terceiro e último capítulo, apresentamos e avaliamos a proposta de Karen Green sobre o papel que o princípio do contexto teria na formulação do debate. Na segunda parte do capítulo, exploramos uma sugestão de que o princípio do contexto como uma tese sobre a referência implicaria antirrealismo.

Manifestamos aqui a convicção de que essa parte do texto ganharia muito em clareza caso as posições dos neo-fregeanos Bob Hale e Crispin Wright tivessem sido explicitamente consideradas. Um número considerável de posições que Dummett sustentou sobre o princípio do contexto como uma tese sobre a referência foi uma resposta à interpretação dos neo-fregeanos desse princípio.

Infelizmente, devido à política adotada por Dummett de nem sempre citar os filósofos aos quais suas críticas são dirigidas e de raramente indicar referências bibliográficas, seu diálogo com os neo-fregeanos passou despercebido em boa parte da composição do presente trabalho. Se isso não justifica as deficiências da argumentação da segunda parte do terceiro capítulo, esperamos que, ao menos em parte, a explique.

Desde logo, devemos informar ao leitor que apenas um caso de antirrealismo derivado do princípio do contexto é analisado neste trabalho. Sem dúvida, isso representa uma omissão, dado que as sugestões de que o princípio do contexto é um princípio incompatível com o realismo não se limitam apenas ao caso que neste trabalho considaremos. Dentre essas omissões, além da

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supramencionada interpretação do princípio do contexto como um princípio internista, merece menção uma tese proposta por Davidson que, segundo Dummett, é consequência do princípio do contexto e implicaria um antirrealismo global, isto é, em todas as áreas disputadas. 27 Esperamos que, no futuro, essas posições possam vir a ser consideradas. Em razão de tais omissões, o presente trabalho nem mesmo pretende oferecer um diagnóstico completo da tensão entre os papéis do princípio do contexto na obra de Dummett, mas apenas um diagnóstico parcial.

Gostaríamos de dizer uma palavra sobre o título desta dissertação, e outra sobre a inclusão de dois apêndices. A expressão “ascensão semântica” foi extraída do livro Introdução à Filosofia da Linguagem, de Carlo Penco. Nesse livro, a expressão é usada para sintetizar o projeto filosófico de Dummett; o que este teria feito ao formular o debate contemporâneo sobre o realismo teria sido uma ascensão semântica. O próprio Dummett qualifica a estratégia que favorece no tratamento de questões metafísicas de “bottom-up”, uma estratégia que aconselha resolver os desacordos metafísicos por resolvermos os desacordos sobre os significados de nossas expressões. A estratégia preterida, a estratégia

“top-down”, seria a de tentar resolver as questões metafísicas primeiro e então derivar das respostas a essas questões um modelo de significado para as nossas expressões. 28 Nessa dissertação, o uso de “ascensão semântica” faz alusão àquilo que Dummett chamou de estratégia bottom-up.

Originalmente, o primeiro apêndice compunha parte do segundo capítulo.

Mas, uma vez que os assuntos ali tratados não estavam diretamente conectados à questão mote deste trabalho, este material foi retirado do corpo do texto. No entanto, os assuntos ali tratados são mencionados em duas ocasiões nesta dissertação, motivo pelo qual tal texto migrou para o apêndice, a fim de servir de material de consulta para essas duas menções. 29 O segundo apêndice contém um esquema que visa auxiliar a leitura do terceiro capítulo, nesse esquema é

27 The Interpretation, p. 457-461.

28 The Logical Basis of Metaphysics, p. 12-13. Segundo o dicionário Oxford, as expressões adjetivas “bottom-up” e “top-down” significam, respectivamente: “começar com os detalhes e então depois alcançar princípios mais gerais”, “começar com uma ideia geral aos quais detalhes serão acrescentados depois”. A expressão “bottom-up”, portanto, não se aproxima tanto da palavra portuguesa “ascensão” quanto pode parecer à primeira vista. Ainda assim, acredito que a expressão “ascensão semântica” é adequada para exprimir, de modo lacônico, o que Dummett pretendeu com a sua estratégia bottom-up, por isso ela foi mantida no título desta dissertação.

29 Cf. p. 64, 112.

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possível encontrar boa parte das relações asseridas entre algumas teses discutidas nesse capítulo.

Por fim, concluímos esta introdução observando que este trabalho tem como objetivo secundário servir como uma exposição das interpretações de Dummett do princípio do contexto. O princípio que ele julgou ser “a ideia mais difícil em toda a filosofia de Frege” 30 e cuja aceitação irrestrita ou não se lhe afigurou como “uma questão cuja resolução é de importância primordial para a filosofia”. 31

30 Context principle: Centre of Frege’s Philosophy, p 245.

31Context principle: Centre of Frege’s Philosophy, p 249.

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CAPÍTULO I: METAFÍSICA E SEMÂNTICA 1. METAFÍSICA

É um ponto crucial da filosofia de Dummett a alegação de que decisões sobre a forma da teoria semântica que devemos adotar afetam a metafísica que devemos aceitar. Mas, o que exatamente devemos entender por “metafísica” e pela expressão “teoria semântica”? 32 E “o que depende do que – a metafísica da semântica ou semântica da metafísica?”. 33 Responder a essas questões, da perspectiva de Dummett, é o objetivo desta e das próximas seções. 34

Em The Interpretation of Frege’s Philosophy, Dummett nos diz que a definição óbvia de metafísica é: “o ramo da filosofia que diz respeito às características mais gerais da realidade, isto é, do mundo como é em si mesmo, em vez de que com nosso conhecimento ou relação com o mundo”. 35 Dummett observou sobre essa definição que, de acordo com ela, a metafísica teria a peculiaridade de, ao que parece, não ter nenhuma questão que lhe pertencesse exclusivamente; isto é, de não circunscrever um domínio de questões que caberia apenas ao metafísico responder. Sobre isso, Dummett escreveu:

Não é [...] que a metafísica seja uma parte da filosofia na qual questões sem sentido são propostas e respostas sem sentido são dadas; é, em vez disso, que não parece haver qualquer questão que esteja especialmente dentro de sua província.36

De acordo com a definição proposta (e avalizada) por Dummett, os seguintes problemas seriam tipicamente metafísicos: os objetos que compõe o mundo físico existem independentemente de nós? O discurso matemático versa sobre uma realidade que existe independentemente de nós? O passado pode mudar?

Existem objetos abstratos? As entidades teóricas da ciência – quarks, elétrons, supercordas, etc. – existem de fato ou são apenas úteis ficções que auxiliam os cientistas a prever eventos observáveis? A partir desses exemplos é possível ver o que Dummett pretendeu ao dizer que a metafísica não teria questões que cairiam “especialmente dentro de sua província”: questões metafísicas sobre o

32 Doravante, usaremos as expressões “teoria semântica” e “semântica” como sinônimos perfeitos.

33 Thought and Reality, p. 14.

34 Mais precisamente, é o objetivo das seções 1, 2, 3 do presente capítulo.

35 The interpretation, p.429.

36 The Interpretation, p. 428.

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universo físico seriam também questões da filosofia da percepção e da ciência;

questões metafísicas relativas ao mental pertenceriam igualmente à filosofia da mente; questões sobre a natureza do tempo seriam comuns à metafísica e à filosofia do tempo; e assim por diante.

Dentre todas as questões com as quais o metafísico se ocupa, Dummett considera como uma das principais a questão sobre o que há, ou, em outras palavras, “de que tipo ou tipos de coisas a realidade consiste?”. 37 Essa questão, assim como as outras questões metafísicas, seria uma questão que a metafísica compartilharia com outro ramo da filosofia; nesse caso, com a ontologia – entendida como o ramo da filosofia que tem por objetivo enumerar e caracterizar as categorias mais gerais das coisas que existem. Dado que a “ontologia [...] é a parte da metafísica que é propriamente o território da lógica, como outras partes da metafísica são propriamente o território de outros ramos da filosofia”

38, poder-se-ia dizer que a metafísica compartilharia com a lógica a questão sobre o que há.

Ainda tendo em vista a elucidação da definição de metafísica apresentada acima, outra observação útil é uma sobre como devemos interpretar a expressão

“características mais gerais da realidade”. Parte do que Dummett pretende por essa expressão diz respeito à natureza daquilo sobre o que falamos, isto é, às características necessárias das coisas que compõe a realidade. As categorias de necessidade e possibilidade ônticas se opõem às categorias epistêmicas. 39 As últimas dizem respeito ao nosso conhecimento sobre a realidade e as primeiras, as categorias ônticas, se referem à natureza daquilo sobre o que falamos.

Além disso, cumpre notar que, para Dummett, a fim caracterizar a realidade de forma generalíssima não é suficiente dizer quais tipos de objetos existem e descrever suas naturezas. E isso se deve ao fato dele ter aderido a

37 Thought and Reality, p.1.

38 The Interpretation, p. 431. Nessa passagem, Dummett usa a palavra “lógica” em dois sentidos:

em um primeiro, como a ciência que estuda a inferência; em um segundo sentido, como sinônimo de teoria do significado. A razão dele assim usar o termo “lógica” é exegética, ele pretende mostrar que Frege usava o termo nos dois sentidos. No trecho, o sentido relevante é apenas o segundo. Cf. The Interpretation, p. 37-38.

39 A raiz histórica dessa distinção é a distinção de Tomás de Aquino entre enunciados que são per se nota e nota quoad nos. Dummett entende a distinção como uma entre o modo como conhecemos o valor de verdade de um enunciado e em virtude do que um enunciado sobre aquilo seria verdadeiro. Cf. F:POL, p. 118, F:POM, 307, The Philosophy of Michael Dummett, p.

789.

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uma concepção de realidade segundo a qual a realidade é determinada pela totalidade de fatos que são o caso, e não pela totalidade de objetos que existem.

40 Assim, as “características mais gerais da realidade” devem incluir também uma descrição de quais fatos são, em geral, o caso.

Definir metafísica como Dummett faz parece ter o defeito de não fornecer um critério para separá-la da ciência mais geral dentre as ciências, a física. Em certo sentido, a física trata também dos aspectos mais gerais da realidade; é possível dizer até que algumas das teorias físicas são teorias sobre a natureza da realidade da qual elas tratam. Por exemplo, a teoria da relatividade tem como um de seus resultados a relatividade da simultaneidade, que, por sua vez, implica que uma resposta à questão de se dois eventos aconteceram ao mesmo tempo depende da estrutura de referência que estamos usando. Ou seja, a simultaneidade ou não de dois eventos seria relativa a um ponto de vista particular, àquilo a que os físicos costumam chamar de um sistema de referência.

41 Se adotarmos a concepção de Dummett de metafísica, como poderíamos separar teses como a tese da relatividade da simultaneidade, por exemplo, de teses metafísicas? Essa é uma pergunta complexa que pressupõe que uma resposta afirmativa foi dada à questão sobre se deveríamos sempre separar as questões metafísicas das questões da física teórica. Dummett nem sempre separa essas questões. Para ele, a tese da relatividade da simultaneidade é também uma tese metafísica; em particular, uma tese sobre a realidade do espaço e do tempo. 42 No entanto, isso não significa que metafísica e física teórica sejam coextensivas, no sentido em que todo enunciado da física teórica seria um enunciado metafísico e vice-versa. A metafísica diferenciar-se-ia da física teórica por ser mais abrangente; enquanto a física teórica proporia algumas teses metafísicas sobre a realidade física, a metafísica coligiria teses sobre a realidade moral, sobre a realidade matemática, etc.

Voltaremos a comentar a concepção de metafísica de Dummett no transcorrer deste capítulo, depois de expormos o que ele entendeu por teoria semântica.

40 Cf. Tractatus 1.1. Cf também: Truth and The Past, p. 35; Thought and Reality, p. 2-3.

41 A palavra “referência” nesse período não está em sua acepção semântica.

42 Thought and Reality, p. 2

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2. SEMÂNTICA

O modo padrão de entender o que é uma teoria semântica 43 (ou, simplesmente, uma semântica44) é concebê-la como uma teoria que explica como as frases são determinadas como verdadeiras ou não-verdadeiras com relação às suas expressões componentes. 45 Essa concepção, contudo, não é acurada. Para uma semântica intuicionista, por exemplo – como veremos mais adiante neste capítulo –, a expressão “determinadas como verdadeiras ou não-verdadeiras”

não se adéqua bem, visto que em uma semântica desse tipo nem toda frase está determinada como verdadeira ou não-verdadeira. Em vista disso, Dummett propôs uma formulação segundo a qual uma teoria semântica é uma teoria que:

Exibe o modo no qual o valor semântico de uma frase é determinado pelos valores semânticos de suas [expressões] componentes, e dá a condição geral para uma frase ser verdadeira, relativamente aos seus valores semânticos. 46

Por “valor semântico” deve-se entender a característica de uma expressão da qual depende a verdade (ou a não-verdade) de qualquer frase na qual ocorra.47 Naturalmente, essas definições de semântica e de valor semântico não são autoexplicativas. E o mesmo pode ser dito da distinção que pretendemos fazer notar aqui entre ser a característica da qual depende a verdade ou não-verdade de uma frase e ser a característica que determina a verdade ou não-verdade de uma frase. Em razão disso, comentários são úteis para esclarecer tanto as definições como a distinção proposta. Esses comentários serão feitos no que imediatamente se segue.

Para construir uma semântica, é preciso estar de posse de uma explicação da estrutura sintática de nossas frases, de como elas são formadas pelos diversos tipos de expressões. A explicação padrão, a sintaxe clássica, é a que nos foi legada por Frege. Tal sintaxe é baseada na ideia de que a construção

43Uma teoria semântica não é em si mesma uma teoria do significado: “uma vez que não se ocupa com o que é conhecido por um falante e constitui a sua compreensão do uso de uma expressão: um conhecimento do significado de um predicado não consiste em saber de que objetos que ele é verdadeiro e de que ela é falsa, e o conhecimento do significado de uma frase não consiste em conhecer seu valor de verdade.” C.f. The Seas, p. 233. Comentaremos isso numa das próximas seções deste capítulo.

44 Truth and other Enigmas, p.118.

45 Thought and Reality, p. 14.

46 The Logical Basis, p. 61.

47 Cf. The Logical Basis, p. 61.

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da frase se dá em dois estágios. Em um primeiro momento, construímos as formas mais elementares de frase – as frases atômicas – que são as frases nas quais não ocorrem operadores sentenciais; em um segundo momento, por meio operadores lógicos e quantificadores, construímos as frases complexas – que são justamente aquelas frases nas quais ocorrem operadores sentenciais. As frases atômicas seriam aquelas formadas por um predicado com um número fixo de lugares de argumento e por um número equivalente de termos singulares – ter-se-ia, por exemplo, algo como Fa, para um frase atômica com apenas um lugar de argumento, ou aRb, para uma com dois lugares de argumento. As frases complexas seriam construídas, a partir das atômicas, por meio de operadores sentenciais – disjunção, conjunção, condicionalização, etc. – ou por meio dos quantificadores, que são os dispositivos por meio dos quais é possível, nas linguagens formalizadas, exprimir generalidade. 48 Tipicamente, os quantificadores são dois: o universal, que pode assumir a forma “para todo x,...”;

e o existencial, que pode ser informalmente grafado como “para algum x,...”.

Quando removemos de uma frase atômica uma ou mais ocorrências de um termo singular, obtemos um predicado (“Fx”, “xRy”...), se ligarmos esse predicado a um quantificador teremos como resultado uma frase quantificada – por exemplo, “para todo x, Fx”. A frase a partir da qual, pela supressão da ocorrência de um ou mais termos singulares, pode-se obter um predicado, ao qual um quantificador pode ser associado dando origem a uma frase complexa, pode ser então considerada como uma das instâncias da frase quantificada.

A sintaxe apresentada acima é um esboço de uma sintaxe fregeana para uma quantificação de primeira ordem. Embora pudesse ser ampliada para quantificação de segunda ordem, não o faremos, pois, o exposto já é suficiente para continuar a responder o que é uma semântica para Dummett.

Dada a sintaxe clássica, a fim de formular uma teoria semântica, ainda é preciso estabelecer qual o valor semântico das expressões dessa sintaxe. Numa primeira aproximação, podemos dizer que o valor semântico de um termo singular é um objeto; o valor semântico de um predicado, uma função de um ou mais objetos para valores de enunciados. Por ora, não diremos o que poderia ser o valor semântico de uma frase, mas vamos seguir Dummett e denominar de

48 Note-se que diferença essencial entre frases atômicas e complexas é que nas primeiras não ocorrem explicitamente operadores lógicos. Cf. Thought and Reality, p.7-8.

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“valor de enunciado” (statement-value) o nome do que quer que seja o valor semântico de frases. 49

Segundo Dummett, essas estipulações dos valores semânticos dos termos singulares e dos predicados podem integrar qualquer teoria semântica.

A estipulação de que os valores semânticos de termos singulares são objetos é uma estipulação formal que nos diz como a palavra “objeto” deve ser usada.50 Em relação ao valor semântico dos predicados, a situação é a mesma: “dado que saibamos o que o valor semântico de uma frase deve ser, em geral, [...] e dado que os valores semânticos dos termos [singulares] são objetos, então não há escolha quanto ao que, em geral, o valor semântico de um predicado de n- lugares deve ser”; deve ser uma função de objetos para valores de enunciado.

51 Desse modo, essas estipulações constituiriam o núcleo duro de qualquer teoria semântica.

A noção de valor semântico não é a noção fregeana de referência. Da perspectiva de Dummett, a noção fregeana de referência têm quatro componentes: a identificação do referente de um termo singular com o seu portador (por exemplo, o de “Aristóteles” com Aristóteles, o de “Maceió” com a atual capital alagoana, etc.); a inter-substituibilidade de qualquer expressão “t”

com a expressão “ao que ‘t’ se refere”; a tese que os referentes de nossas palavras são aquilo sobre o que falamos; e a tese que os referentes de nossas expressões são seus valores semânticos, isto é, são aquilo do qual depende a verdade ou não-verdade de quaisquer frases nas quais ocorram tais expressões.

A noção de valor semântico seria, pois, apenas um dos componentes da noção fregeana de referência. Alguns comentários sobre os motivos para evitar a pronta identificação do valor semântico de um termo singular com seu portador são úteis

49 Cf. The Logical Basis, p. 30. E aqui cabe uma observação sobre como estamos, neste trabalho, usando os termos “frase” e “enunciado”. Tradicionalmente, frase é um item linguístico complexo e um enunciado é a elocução, em uma ocasião particular por um indivíduo particular, de uma frase. Respeitar a distinção entre frases e enunciados é importante, sobretudo, quando o assunto em pauta é o fenômeno da indexicalidade e suas consequências filosóficas. Nesse trabalho, não nos ocuparemos com tal fenômeno e tampouco com suas consequências filosóficas. Por conveniência e por acreditarmos que a diferença entre frase e enunciado não são importantes para os assuntos tratados neste trabalho, usaremos os pares de termos frase/enunciado como sinônimos.

50 Do mesmo modo, também uma é estipulação formal dizer que o domínio deve consistir de objetos. Cf. The Interpratation, p. 158: “A noção de objeto é, em si mesma, vazia”.

51 The Logical Basis, p. 31

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para elucidar a própria noção de valor semântico. Faremos alguns comentários sobre isso no que imediatamente se segue.

É tentador identificar o valor semântico de um termo singular com o seu portador. Se analisarmos “João tem dois braços” com a sintaxe clássica teríamos algo como “F(a)”, onde “a” é termo singular e “F(...)” é a expressão conceitual. O valor semântico de “a” é aquilo com que “a” colabora para a determinação do valor de enunciado de “F(a)”. Ao que tudo indica, “a” colabora para a determinação do valor semântico de “F(a)” por manter, com João, uma relação de referência; isto é, por ter João como seu referente, por tê-lo como portador do nome. Assim, “F(a)” será determinada como verdadeira se, primeiro, João existir e, segundo, se ele tiver dois braços. É, pois, natural dizer que o valor semântico de um termo singular é o seu portador.

Todavia, essa identificação é apressada. A noção de valor semântico envolve que a substituição de uma expressão com o mesmo valor semântico de outra não altere o seu valor de verdade (de modo mais preciso, seu valor de enunciado 52 ). Se uma expressão “n” é substituída por uma expressão “v” em todas as frases nas quais ocorre, e, apesar disso, os valores de verdade dessas frases permanecem inalterados, então “n” e “v” têm o mesmo valor semântico.

Essa é uma condição suficiente para duas expressões terem o mesmo valor semântico. 53

Entretanto, deve-se levar em conta que existem os chamados contextos intensionais; aqueles nos quais importa, para a determinação do valor de verdade de certas frases nas quais ocorrem expressões intensionais (“querer”,

“saber”, “temer”, etc.), o que os sujeitos querem, esperam, temem, creem, conhecem, etc. Por exemplo, deixe-nos supor que Maria conheça João da empresa onde ambos trabalham e que ela o odeie, mas que ame um sujeito que ela conhece apenas pela internet, de codinome “J”. Ocorre que sem que Maria saiba, ou mesmo desconfie, J é João. Nesse caso, a frase “Maria acredita amar João” seria falsa ao mesmo tempo em que a frase “Maria acredita amar J” seria verdadeira. Nesse caso, “João” e “J”, apesar de terem o mesmo portador,

52 Sobre a razão devido à qual evitamos identificar valores de verdade com valores de enunciado, ver os últimos quatro parágrafos da presente seção.

53 Se é, além disso, também uma condição necessária irá depender de como os contextos intencionais são acomodados na teoria.

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colaboram para a determinação do valor de verdade de modo distinto nas duas frases. Ora, visto que a única diferença entre essas frases é a presença de

“João”, na primeira, e de “J”, na segunda, a diferença de valor de verdade entre a primeira e a segunda deve, ao que parece, ser explicada por uma diferença de valor semântico dessas duas expressões. Assim, uma vez que essa diferença de valor semântico não corresponde a uma diferença de portador, a existência de contextos intesionais forneceria, ao menos em primeira análise, uma evidência em favor da tese de que o valor semântico dos termos singulares não pode ser identificado com o seu portador.

Como se sabe desde Frege, parece ser possível contornar essa dificuldade e continuar a manter a identificação do valor semântico de um termo singular com o seu referente. Um dos modos de fazer isso é reservar os contextos intensionais a um tratamento não padrão e alegar que, em tais contextos, o valor semântico de um termo singular seria o seu sentido. 54 Em todo o caso, os contextos intensionais servem para ilustrar que o portador do nome nem sempre poderá ser considerado seu valor semântico e que identificar valor semântico de um termo singular com seu referente exige uma justificativa.

Outra razão para evitar a pronta identificação do valor semântico de um termo singular com o seu referente é a existência de termos singulares sem portador, ou, no mínimo, sem portador evidente. Consideremos o exemplo de Russell, “o atual rei da frança”, mas não sua análise, isto é, deixe-nos supor que, na frase “o atual rei da frança é calvo”, a descrição definida “o atual rei da frança”

é um termo singular genuíno – como, aliás, pensou Frege. Ao menos de maneira óbvia, “o atual rei da França” não tem portador. Entretanto, não é evidente que a frase “o atual rei da frança é calvo” não tenha valor de verdade (um valor de enunciado). Afinal, parece que alguém que asserisse essa frase diria algo incorreto, o que poderia ser entendido como uma asserção falsa. Por isso, à primeira vista, a existência de frases com termos singulares vazios, isto é, sem portador, mas que ainda parecem ter valor de verdade, fornece mais uma razão para não identificarmos valor semântico de uma expressão com aquilo que consideramos ser o seu portador.

54 Sobre o uso do termo “sentido” conferir a seção 4 deste capítulo.

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Antes de terminar essa seção, vamos dizer algo sobre a variedade de teorias semânticas. Como é sabido, não há apenas uma teoria semântica, isto é, não há apenas uma análise de como os valores de enunciado das frases dependem dos valores semânticos das expressões que compõem sua estrutura interna. Temos a semântica clássica, a semântica bivalente; a semântica dos mundos possíveis; a semântica intuicionista; etc. Além disso, semânticas diferentes podem ser aplicadas a diferentes regiões de nosso discurso, por exemplo, podemos aplicar a semântica clássica à região de nosso discurso que corresponde à física ao mesmo tempo em que aplicamos a semântica intuicionista ao nosso discurso matemático.

Um dos princípios de classificação das semânticas se dá por meio da noção de valor de enunciado.55 A semântica clássica, a semântica bivalente, tem como tese fundamental que o valor semântico de uma frase consiste em seu ser ou não ser verdadeiro. Assim, tendo em vista a definição de valor semântico, isso implica que na semântica clássica o valor semântico de uma frase complexa dependerá tão somente da frase ou das frases atômicas que a compõe serem verdadeiras ou não-verdadeiras. Por exemplo, dado duas frases atômicas, A e B, e o conectivo lógico da conjunção como entendido na lógica clássica56, ambas as frases atômicas irão colaborar com o valor semântico da frase complexa (A e B), apenas em serem verdadeiras ou não-verdadeiras.

Do outro lado, de acordo com o princípio de classificação via valores de enunciados, temos todas as outras teorias semânticas, que são as semânticas que exigem outra noção, além da noção de verdade, para caracterizar a noção de valor de enunciado. São exemplos de tais semânticas: as semânticas para lógicas modais nas quais os valores semânticos de enunciados são dados relativamente a mundos possíveis (verdade em um mundo possível w, @,etc.);

as semânticas das lógicas temporais, nas quais os valores de enunciado são dados com relação a um tempo particular (verdade em t, verdade em s); algumas semânticas para a lógica intuicionista, nas quais a noção de verdade é considerada como relativa a estados de informação ou de provas; etc.

Na verdade, nem toda semântica intuicionista assume como valor de enunciado um valor de verdade relativizado, isto é, assume que o valor de

55 Cf. The Logical Basis, p. 33-5.

56 Isto é, como tornando a fórmula verdadeira apenas se ambos os disjuntos também o forem.

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enunciado consiste em ser verdadeiro ou falso relativamente a um estado de informação, a uma evidência, ou a uma prova. A semântica intuicionista de Heyting, por exemplo, estipula que o valor semântico de uma frase é um princípio de classificação das construções naquelas que provam e nas que não provam a frase. 57 Em tal semântica, o verdadeiro e o falso não são os valores de enunciado; nem de modo absoluto, como na semântica clássica, nem de modo relativo, como nas semânticas que listamos no parágrafo anterior. Para marcar a diferença entre uma semântica desse tipo e uma semântica clássica, podemos dizer que enquanto em uma semântica clássica conhecer o valor de enunciado de uma frase é conhecer o seu valor de verdade, na semântica intuicionista de Heyting é conhecer uma classificação efetiva de provas, uma classificação entre aquelas que provam a frase e aquelas que não a provam. Apesar disso, os valores de verdade, o verdadeiro e o falso, ainda serão relevantes em tal semântica intuicionista, mas eles serão obtidos por meio de quantificação existencial – a frase será verdadeira caso exista uma construção que a prove e será falsa caso tenhamos uma prova da impossibilidade de realizarmos tal construção. Em uma semântica desse tipo, então, é possível saber qual é o valor de enunciado de uma frase e, ao menos tempo, não saber se a frase em questão é verdadeira ou falsa; porque saber o valor de enunciado da frase não implica – nem tampouco equivale a – saber que existe uma construção matemática que prova a frase ou a sua negação.

Agora estamos em uma melhor situação para considerar a diferença entre ser uma característica da qual depende a verdade ou não-verdade de uma frase e ser a característica que determina a verdade ou não-verdade de uma frase.

Caso Dummett definisse valor semântico do segundo modo, uma frase que tivesse um valor de enunciado deveria ser ou verdadeira ou falsa, pois, seu valor de verdade já estaria determinado pelos valores semânticos de suas expressões componentes. É característico da semântica clássica assumir que a contribuição da realidade extralinguística já é levada em conta pelos valores semânticos de suas expressões. 58 Por isso, em tal semântica, a condição de verdade de todas as frases está, de modo determinado, satisfeita ou não. Em uma semântica como a de Heyting, os valores semânticos dos componentes de uma frase não a

57 Cf. Truth and Other Enigmas, p. 121. The Logical, p. 29, 125.

58 Truth and Other Enigmas, p. 121.

(30)

determinam como verdadeira ou não-verdadeira, o que eles determinam é a condição para a frase ser verdadeira. Assim, em tal semântica, nem todo enunciado com condições de verdade é determinado como verdadeiro ou não.

Na presença de tais semântica, não podemos definir valor semântico como aquela característica de uma expressão que a determina como verdadeira ou não-verdadeira. Por isso, a fim de não prejulgar a questão sobre qual é a teoria semântica correta, Dummett define valor semântico como a característica da expressão da qual depende a verdade ou não-verdade de qualquer frase na qual ocorra. Afinal, também para o sematicista clássico valor semântico é a característica de uma expressão da qual depende a verdade ou não-verdade das frases nas quais ela ocorre.

Essas poucas considerações sobre semântica servirão como uma base para prosseguirmos. Alguns de seus aspectos receberão um tratamento mais adequado nas próximas seções.

3. SEMÂNTICA E METAFÍSICA

É digno de nota como, para Dummett 59, há uma relação de equivalência entre semântica e metafísica, de tal modo que uma decisão de uma questão em qualquer uma das duas implicaria uma decisão na outra. O seguinte exemplo ilustra essa relação. Está pressuposto na tese fundamental da semântica clássica que a condição para a verdade de todas as frases atômicas sempre está satisfeita ou não. Isso significa que toda frase com sentido tem um valor de verdade determinado, afinal, os valores de enunciado da semântica clássica não são relativos a um tempo, a um mundo possível, a um estado de informação, etc.

Adotar esse pressuposto equivale a dizer que fomos bem-sucedidos em conferir certo tipo de sentido às nossas frases; um tipo de sentido que faria de nossas frases sempre verdadeiras ou falsas. A essa assunção corresponde uma tese metafísica, a saber: existe uma realidade objetiva independente de nosso conhecimento, isto é, as coisas são como são independentemente de as conhecermos ou mesmo de as podermos conhecer ou não. 60

59 Cf. Thought and Reality, p. 14.

60 Cf. Truth and Other Enigmas, p. 121. Aqui já está prefigurado como o debate entre realistas e antirrealista irá proceder, vide as próximas seções.

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