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Considerações Preliminares sobre a Avaliação Política da Política Pública Judiciária de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses

3 O PODER JUDICIÁRIO NA DEMOCRACIA CONTEMPORÂNEA

4 A POLÍTICA PÚBLICA JUDICIÁRIA DE TRATAMENTO ADEQUADO DOS CONFLITOS DE INTERESSES

4.1 Considerações Preliminares sobre a Avaliação Política da Política Pública Judiciária de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses

Para promover uma adequada análise da política pública de tratamento adequado dos conflitos de interesses torna-se essencial percorrer o caminho da sua estruturação, iniciando-se pela análise de seus antecedentes originários para compreender como ocorreu a sua inserção na pauta pública. A averiguação de seus objetivos, o modo como ocorreu a sua formulação, os seus fundamentos e os sujeitos que contribuíram para o arcabouço da política são questões que se conjugam na integração do sistema estrutural da política.

A investigação da formulação enseja uma avaliação dos campos sociais que, na concepção de Bourdieu (2007, p.135), consistem em um “espaço multidimensional de posições tal que qualquer posição actual pode ser definida em função de um sistema multidimensional de coordenadas cujos valores correspondem aos valores das diferentes variáveis pertinentes [...]”.

Cabe destacar que esse campo social de atuação delimita a percepção mais apurada da construção estrutural – “capitais simbólicos” (BOURDIEU, 2007, p. 145) apesar desse movimento perceptivo de reprodução das relações de forças simbólicas não se constituir em objeto de análise no presente trabalho.

Outro fator importante consiste no exame das condutas dos sujeitos inseridos no processo estrutural da política, dentre os quais se inserem os seus

destinatários e os sujeitos institucionais, cujas atuações são integradas em particulares “habitus sociais” (BOURDIEU, 2007, p. 150), decisivos para a eficácia das estratégias delimitadas pela política.

Uma vez delineadas as composições metodológicas que garantem a adequada condução na análise da política, essa investigação enseja uma definição conceitual de política pública.

No entendimento de Bucci (2002), a construção conceitual de política pública implica no reconhecimento de que esta é uma construção social e, portanto, o propósito de seu objeto se constitui de modo heterogêneo, posto que envolve diversos sujeitos sociais que atuam em diversificados níveis de sua estrutura. Outro componente a causar impacto na base conceitual da política pública se refere ao seu caráter contraditório, já que a constituição de uma política pública é objetivada pela atuação comissiva ou omissiva do Estado.

Considerando esses elementos, adota-se, no presente trabalho, a definição de política pública concebida por Silva (2001, p. 38):

Toda política pública é uma forma de regulação ou intervenção na sociedade. Articula diferentes sujeitos, que apresentam interesses e expectativas diversas. Constitui um conjunto de ações e omissões do Estado decorrente de decisões e não decisões, constituída por jogo de interesses, tendo como limites e condicionamentos os processos econômicos, políticos e sociais. Isso significa que uma política pública se estrutura, se organiza e se concretiza a partir de interesses sociais organizados em torno de recursos que também são produzidos socialmente. Seu desenvolvimento se expressa por momentos articulados e, muitas vezes, concomitantes e interdependentes, que comportam sequências de ações em forma de respostas, mais ou menos institucionalizadas, a situações consideradas problemáticas, materializadas mediante programas, projetos e serviços. Ainda, toda política pública é um mecanismo de mudança social, orientada para promover o bem-estar de segmentos sociais, principalmente os mais destituídos, devendo ser um mecanismo de distribuição de renda e de equidade social.

Nesse sentido, pretende-se proceder a uma análise desafiadora da política pública de tratamento adequado dos conflitos de interesses, considerando os seus propósitos, antecedentes originários e determinações no espaço social. Para isso, busca-se promover uma avaliação política da política pública de tratamento adequado dos conflitos de interesses.

A avaliação política da política compreende, na visão de Figueiredo e Figueiredo (1986, p. 108), “a análise e elucidação do critério ou critérios que

fundamentam determinada política: as razões que a tornam preferível a qualquer outra”.114

No mesmo sentido, Silva (2008, p. 150) entende que a avaliação política:

se centra no valor do programa em si, a atenção, nessa abordagem, se volta para avaliar a adequação dos mecanismos institucionais e dos recursos de todas as ordens para o tratamento do problema em questão; para o julgamento da pertinência formal e potencial de um programa, considerando-se a coerência interna dos seus componentes.

Sendo assim, para a avaliação política da política pública de tratamento adequado dos conflitos de interesses devem ser analisados os fundamentos da política e os mecanismos em que se assenta a engrenagem estrutural da política. Será considerada ainda a participação e contribuição dos sujeitos propulsores da política, entre os quais se enquadram os beneficiários/destinatários e instituições públicas envolvidas no processo. Enfim, busca-se examinar as bases de sustentação, os alicerces que garantirão a viabilidade e execução do programa estabelecido na política.

Portanto, quando se promove a avaliação política da política pública, o que se busca é justamente verificar se estão presentes os pressupostos e os requisitos essenciais para identificar a política enquanto política pública estatal.

É importante salientar que o presente trabalho não busca promover uma avaliação da política, que possibilita a análise dos resultados obtidos e o exame dos impactos da política sobre os seus destinatários. Ao contrário, o que se pretende é o exame da estrutura da política pública de tratamento adequado dos conflitos de interesses, ou seja, busca-se analisar os seus antecedentes e identificar como ocorreu a evolução dos meios consensuais de solução dos conflitos de interesses, com maior ênfase na mediação e na conciliação, que se caracterizam como alternativas à solução de controvérsias, além da já existente solução adjudicada mediante sentença judicial.

Destarte, neste capítulo propõe-se uma análise da configuração fundamental da política a partir das seguintes perspectivas: a evolução e os antecedentes legislativos dos meios consensuais de solução de conflitos de interesses; a concepção estrutural e as noções conceituais da política pública de tratamento adequado dos conflitos de interesses, engendradas a partir das

114 Ressalta-se o trabalho desenvolvido por Arretche (1998), que, igualmente se posiciona distinguindo a avaliação política da avaliação de políticas.

orientações e diretrizes definidas pelo Conselho Nacional de Justiça; a influência que a Semana Nacional da Conciliação (SNC) exerceu sobre a implementação da política; os sujeitos que compõem e participam da política, como operadores e destinatários; os Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos e os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania.

4.2 A Evolução e os Antecedentes Legislativos dos Meios Consensuais de Solução dos Conflitos de Interesses

Pensar em uma política pública de tratamento adequado dos conflitos de interesses reporta à ideia de uma solução que busque a pacificação social, evitando e/ou elidindo o conflito existente na sociedade.

Nos capítulos anteriores, foi colocado que o Estado tem a função de exercer o poder estatal para solucionar os conflitos interindividuais. Nesse aspecto, o poder estatal, exercido nos limites das atividades conferidas ao Poder Judiciário, compreende a capacidade de solucionar e dirimir conflitos entre as pessoas, promovendo a análise das questões conflituosas e decidindo sobre as pretensões deduzidas em juízo pelas partes.

Assim, o que distingue a função primordial do Poder Judiciário, exercida por meio da jurisdição, das demais funções do Estado é, justamente, o fato de que a jurisdição tem como finalidade a pacificação dos conflitos existentes na sociedade. Portanto, quando o Estado é provocado a se manifestar por meio da jurisdição ele busca promover um equilíbrio entre os diversos interesses divergentes dentro da sociedade. Para Cintra, Grinover e Dinamarco (2006, p. 131):

[...] [a jurisdição] é uma das funções do Estado mediante a qual este substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça. Essa pacificação é feita mediante a atuação da vontade do direito objetivo que rege o caso apresentando em concreto para ser solucionado e o Estado desempenha essa função sempre mediante o processo, seja expressando imperativamente o preceito (através de uma sentença de mérito), seja realizando no mundo das coisas o que o preceito estabelece (através da execução forçada).

O desígnio da jurisdição é a pacificação do conflito. Logicamente, o sistema processual passa a ser desenvolvido e estruturado para viabilizar o exercício jurisdicional dentro de certos parâmetros normativos, os quais determinam

a criação e organização dos órgãos jurisdicionais, definem e delimitam os atos a serem praticados pelos envolvidos na engrenagem processual e, também, demarcam o gerenciamento administrativo-funcional da justiça.

Quando expande e protagoniza a sua atividade jurisdicional, o Estado confirma e ratifica a sua função pacificadora de transformar a realidade social mediante a construção e reconstrução de um projeto de realização dos valores humanos.

Há que se destacar que a política pública de tratamento adequado dos conflitos de interesses instituída pelo Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução CNJ n° 125/2010 (BRASIL, 2010f), tem como premissa o incentivo à utilização de mecanismos consensuais de solução de conflitos, como a mediação e a conciliação, visando, justamente, à pacificação social.

Assim, observa-se que o Poder Judiciário, através do Conselho Nacional de Justiça passa a exercer um protagonismo na política pública de tratamento adequado dos conflitos de interesses tendente à desjudicialização dos conflitos de interesse, a qual deve ser buscada através da utilização dos meios consensuais de solução de conflitos. Entretanto, a utilização desses mecanismos consensuais, como a mediação e a conciliação, exige, por sua vez, uma reestruturação da composição orgânica do Poder Judiciário (SILVEIRA, 2007).

Quando instituiu a Resolução CNJ n° 125/2010, o Conselho Nacional de Justiça adotou dois termos: ‘política pública’ e ‘política judiciária’ para tratar dos meios e da forma como os problemas jurídicos e os conflitos de interesses devem ser solucionados pelo Judiciário brasileiro (BRASIL, 2010f).

Há um grave erro semântico no texto da Resolução CNJ n° 125/2010 ao adotar os dois termos referenciados que enseja uma interpretação equivocada dos propósitos almejados pelo Conselho Nacional de Justiça.

Indaga-se: A Resolução CNJ n° 125/2010 trata de uma política pública ou de uma política judiciária?

A Resolução CNJ n° 125/2010 não trata de uma política pública propriamente dita, mas de uma política judiciária.

A política pública pressupõe a observância de etapas que lhe são inerentes. O processo das políticas públicas conjuga várias etapas que se interligam e são interdependentes, as quais compreendem: a identificação do problema; o

estabelecimento da agenda governamental; a formulação de alternativas de política; a adoção da política; a implementação e a avaliação da política (SILVA, 2001).

Assim, a adoção do termo ‘política pública’ não é tecnicamente adequada para justificar como o Conselho Nacional de Justiça busca tratar os conflitos de interesses na sociedade brasileira. Isso porque, o processo da política pública está para além da mera implementação; visa, sobretudo, a avaliação sistemática da política,115 que envolve o relato dos resultados obtidos dos programas governamentais e, ainda, a avaliação dos impactos sobre os atores a que se direciona; etapas que não ocorrem nas políticas implementadas pelo Conselho Nacional de Justiça.

A política de desjudicialização dos conflitos de interesses, instituída através da Resolução CNJ n° 125/2010, compreende outro processo, o qual está contido no conceito de política judiciária que, por sua vez, pode ser definido como sendo:

[a] ciência e arte que trata da constituição da justiça e procura ordenar, corrigir, e simplificar o funcionamento de seus órgãos, adotando e executando medidas necessárias que atinjam a eficiência que a sua finalidade social exige (NUNES, 1990, p. 661 apud SILVEIRA, 2007, p. 185).

De acordo com Silveira (2007, p. 185-186), entender a política judiciária:

[...] é essencial para a definição de como o Poder Judiciário vai funcionar, qual será a sua organização, onde é necessário rever e corrigir práticas que se revelam inócuas, como é possível simplificar procedimentos demasiado burocráticos, tudo para que a finalidade social, para a qual existe o Poder Judiciário, possa ser alcançada. Trata-se, pois, a política, dos meios eleitos e também da execução desses meios para que se chegue ao objetivo da pacificação social preconizado pelo Estado-juiz.

Contudo, é importante ressaltar a distinção existente entre política judiciária e administração da justiça. No entendimento da autora supracitada, a administração da justiça corresponde “a burocracia inerente à organização do Poder Judiciário e que reflete diretamente sobre a prestação jurisdicional” (SILVEIRA, 2007, p. 187).

Isso significa dizer que a administração da justiça se sobrepõe à política judiciária, uma vez que abrange técnicas de administração pública, as quais

115 Segundo Silva (2008, p. 115), “[...] a avaliação [da política] pode ocorrer antes, durante e depois da implementação de um programa, permitindo a identificação de vários tipos de avaliação e fazendo variar as questões e objetivos conforme o momento de sua realização”.

compreendem a gestão do Judiciário. Ainda, de acordo com Silveira (2007, p. 188), a administração da justiça consiste:

[no] conjunto de órgãos envolvidos na atividade jurisdicional. A administração da justiça é o conjunto de posturas e procedimentos gerenciais, paralelos à atividade jurisdicional em si, que determinam uma maior ou menor qualidade na prestação jurisdicional, ela é uma forma de administração pública. Administrar a justiça é diferente de ministrar justiça, de dizer a justiça (direito) em caso concreto. A sentença é o produto final da atividade do julgador, mas até que se chegue nesse produto final uma série de etapas, que vão além das regras de processo e procedimento, depende de uma boa administração.

Nesse sentido, a administração da justiça exerce um papel complementar para a adequada implementação e funcionamento da política judiciária, pois viabiliza a aplicação prática dos objetivos da política judiciária dentro da estrutura organizacional do Poder Judiciário.

No que concerne à política judiciária de tratamento adequado dos conflitos de interesses, depreende-se que o protagonismo endógeno exercido pelo Judiciário acarretou uma mudança na estrutura gerencial do sistema judicial brasileiro, primordialmente, para incentivar a pacificação dos conflitos na sociedade, como veremos adiante.

No Estado contemporâneo, o Poder Judiciário, no exercício político da atividade jurisdicional, enfrenta uma dicotomia: de um lado tenta realizar o bem- comum, consagrando a pacificação social pela justiça, o que significa dizer que o sistema deve servir como meio de efetivação da justiça. Por outro lado, busca exercer a jurisdição como forma de eliminação dos conflitos, realizando plenamente os valores humanos.

O instrumento que serve a esse propósito é o processo que, dentro do sistema processual, é considerado um instrumento de excessiva formalidade. É no processo que as partes imprimem e praticam seus atos, demonstram seus anseios e materializam as suas pretensões. A formalidade advém da própria base principiológica constitucional, pois o sistema deve conferir a segurança jurídica necessária para permitir o desenvolvimento efetivo e válido desse processo.

A garantia do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa salvaguardam às partes o direito de manifestar suas pretensões e estabelecer um verdadeiro diálogo processual, com vistas a formar o livre convencimento do magistrado que, por sua vez, deve fundamentar juridicamente a sua decisão.

O excesso de formalização, os custos operacionais dos trâmites, a duração prolongada são alguns dos problemas que calcificam o desenvolvimento regular e adequado do processo, exigindo o repensar de novas modalidades que busquem interagir com o atual sistema jurídico.

Assim, os olhares se direcionam aos meios alternativos de solução dos conflitos de interesse que promovam a efetiva pacificação social com a utilização de métodos consensuais. Ganham projeção, no presente trabalho, os meios consensuais de solução de conflitos, representados pela conciliação e a mediação.

Segundo Cintra, Grinover e Dinamarco (2006, p. 131), os meios consensuais de solução de conflitos apresentam características comuns, as quais possibilitam o enfrentamento dos principais problemas vivenciados pelo Judiciário:

A primeira característica dessas vertentes alternativas é a ruptura com o

formalismo processual. A desformalização é uma tendência, quando se trata

de dar pronta solução de litígios, constituindo fator de celeridade. Depois, dada a preocupação social de levar a justiça a todos, também a gratuidade constitui característica marcante dessa tendência. Os meios informais gratuitos (ou pelo menos baratos) são obviamente mais acessíveis a todos e mais céleres, cumprindo melhor a função pacificadora. Por outro lado, como nem sempre o cumprimento estrito das normas contidas na lei é capaz de fazer justiça em todos os casos concretos, constitui característica dos meios alternativos de pacificação social também a delegalização, caracterizada por amplas margens de liberdade nas soluções não- jurisdicionais (juízos de equidade e não juízos de direito, como no processo jurisdicional).

Dotados de características como a desformalização processual, a gratuidade, a delegação de poderes e, ainda, primando pela extensão de promover a pacificação social, os meios consensuais de solução dos conflitos de interesse, como a conciliação e a mediação se firmam dentro do sistema e, sobretudo, passam a ser uma alternativa na busca da solução pacificada dos litígios.

Historicamente, no Brasil colônia já se observa uma inquietação pela busca por uma solução amigável dos conflitos existentes na sociedade de então.116

116 Durante a colonização do Brasil, houve a implementação de algumas normas que continham previsão no ordenamento jurídico português. No que pertine à solução consensual de conflitos, o Brasil herdou do sistema português a figura dos Avindores ou Concertadores, que eram responsáveis por essa resolução. Conforme Vieira (2002, p. 26-27): “Em Portugal, já no século XV (ano de 1446), surgem os avindores ou concertadores, com a missão específica de restabelecer a paz e a harmonia entre os desavindos. No ano de 1555, Portugal implementou o cargo de juiz de Vintena, o qual exercia suas funções nas aldeias, com poderes para decidir todas as pequenas questões verbalmente, valendo-se para tanto dos usos e costumes”.

Desde 1603, com a impressão do Código Filipino, também conhecido como Ordenações Filipinas117, constata-se a existência de disposições legais que

demonstram a busca por soluções apaziguadoras de conflitos.

O terceiro livro das Ordenações Filipinas, que teve vigência e aplicação no Brasil por meio de decreto datado de 20 de outubro de 1823, contemplava no parágrafo primeiro do Título XX um ritual em que o juiz deveria alertar as partes sobre a necessidade de concordância mútua com o fito de evitar a instauração de um processo que envolvesse um custo vultoso:

E no começo da demanda dirá o Juiz à ambas as partes, que antes que façam despezas, e se sigam entre elles os ódios e dissensões, se devem concordar, e não gastar suas fazendas por seguirem suas vontades, porque o vencimento da causa sempre he duvidoso. E isto, que dissemos de reduzirem as partes à concordia, não he de necessidade, mas somente de honestidade nos casos, em que o bem poderem fazer. Porém, isto não haverá lugar nos feitos crimes, quando os casos forem taes, que segundo as Ordenações a Justiça haja lugar.

A partir do século XIX, durante o período em que se estabeleceu a monarquia brasileira, foi outorgada a Constituição Política do Império do Brasil, em 25 de março de 1824 (BRASIL, 1824), na qual se encontravam inseridas normas que exigiam a submissão dos conflitos de interesse a um método de reconciliação, com vistas a evitar o ajuizamento e a instauração de processos judiciais.

Especificamente, a Constituição de 1824 materializou como norma procedimental a intenção manifesta do governo imperial brasileiro de realizar a tentativa de conciliação. O procedimento prévio de conciliação era de natureza cogente e autoritária, portanto tratava-se de uma norma de observância e aplicação obrigatória pelos juízes.

O procedimento priorizava a prática da reconciliação e a sua ausência impedia o ajuizamento da demanda, o que demonstra a importância da conciliação como requisito preliminar para a instauração do processo. Os arts. 160 e 161, contidos no único capítulo do título 6° da Constituição Imperial de 1824, assim estabeleciam:

117 As Ordenações Filipinas foram resultado da reforma realizada por Felipe I, Rei de Portugal, no Código Manuelino, ao longo do período que compreendeu a União Ibérica. O inteiro teor da reforma pode ser obtido no endereço eletrônico: <http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/ ordenacoes.htm>. Acesso em: 2 nov. 2015.

Art. 160. Nas cíveis e nas penais civilmente intentadas, poderão as partes nomear juízes árbitros. Suas sentenças serão executadas sem recurso, se assim o convencionarem as mesmas partes.

Art. 161. Sem se fazer constar que se tem intentado o meio de reconciliação, não se começará processo algum (BRASIL, 1824).

Por sua vez, o art. 162 da Constituição Imperial de 1824 atribuía aos juízes de paz a competência para o cumprimento do procedimento conciliatório. Desse modo, os juízes de direito ficavam responsáveis, exclusivamente, pela condução e julgamento dos processos judiciais instaurados.118