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3 O PODER JUDICIÁRIO NA DEMOCRACIA CONTEMPORÂNEA

3.5 A Crise do Poder Judiciário Brasileiro

No decorrer da década de 90, iniciou-se um fenômeno de questionamento da representatividade de poder do Estado Democrático Brasileiro. Esse

95 Mancuso (2011, p. 22) ressalta: “A jurisdição, tradicionalmente conectada à prestação outorgada pelo braço judiciário do Estado (tratando-se, pois, de palavra definida pela sua fonte básica) vem hoje exigindo profunda atualização e contextualização em seu significado, dado que sua acepção tradicional, atrelada à singela aplicação da lei aos fatos da lide, hoje está defasada e é insuficiente [...]”.

96 No presente trabalho, optou-se por utilizar como parâmetro de pesquisa os dados reunidos nos Relatórios Justiça em Números dos anos de 2009 (dados obtidos do ano de 2008), 2010 (dados obtidos do ano de 2009) e 2011 (dados obtidos do ano de 2010), pois esses anos correspondem ao intervalo entre a formulação e a implementação efetiva da política pública judiciária de tratamento adequado dos conflitos de interesses, datada de 29 de novembro de 2010.

97 Levou-se em consideração a última atualização disponível do censo, antes da implementação da Resolução CNJ n° 125/2010.

98 O Relatório Justiça em Números do ano de 2011 especifica os dados gerais de movimentação no que pertine à litigiosidade processual. Ao longo do ano de 2010, foram distribuídos, especificamente, 17,7 milhões de processos na Justiça Estadual, 3,2 milhões na Justiça Federal e 3,3 milhões na Justiça Trabalhista.

questionamento permitiu um olhar mais atento da sociedade em torno das funções desempenhadas pelo Estado, dentre as quais destacamos a função jurisdicional. A percepção concreta desse fenômeno configura-se atual, pois, tradicionalmente, o Poder Judiciário desempenhava um papel conservador que acarretava um distanciamento em relação à sociedade, aos meios de comunicação e à própria opinião pública talvez motivada pela intenção de autopreservação do próprio poder, o que, em contrapartida, ensejou uma incompreensão acerca do real papel e da importância das instituições judiciárias. No entendimento de Bicudo (2003, p. 19):

As distâncias que sempre foram muito grandes entre juízes e jurisdicionados, hoje, com a multiplicação das instâncias e a reserva de competências especiais, são ainda maiores. E com isso a Justiça se torna cada vez mais lenta e, de consequência, mais cara e de difícil acesso. Na verdade, se formos buscar na história as raízes do sistema atual, iremos verificar que o Poder Judiciário brasileiro foi organizado tendo como tarefa principal a estabilidade de uma sociedade desigual.

O afastamento em relação ao cidadão e à sociedade possibilitou que o Poder Judiciário desenvolvesse um modelo de administração de conflitos de interesses que sobrepujou a todo e qualquer tipo de insatisfação e crítica da opinião pública.

Por sua vez, a configuração orgânica da estrutura judicial aliada a um comportamento distante fez com que os cidadãos temessem o Poder Judiciário ao invés de tê-lo como um verdadeiro aliado para a resolução de conflitos existentes na sociedade. De acordo com Tasse (2004, p. 51): “A presente estrutura judiciária foi sendo delineada, com objetivos muito claros: o afastamento do cidadão comum do poder e o controle das autoridades executivas sobre a interpretação das leis no país”.

Entretanto, como mencionado anteriormente, esse contexto sofreu alterações, e novas inquietações margearam a estrutura do Poder Judiciário brasileiro, decorrente de um novo momento - a de formação da cidadania na sociedade brasileira.

Desse modo, novos direitos são garantidos: o direito à saúde, ao lazer, à educação, ao trabalho digno, à igualdade de tratamento, à segurança, o direito do consumidor, etc. E é justamente o Poder Judiciário que assume a incumbência de garantir à sociedade os direitos vinculados à cidadania.

A grande mudança dessa concepção pode ser sintetizada na frase do ex- presidente Fernando Collor de Mello, pronunciada no ano de 1989, durante a sua campanha eleitoral, quando o então candidato comparou a indústria automobilística estrangeira à nacional, afirmando: “Os carros nacionais são verdadeiras carroças”.

Essa frase impactou a sociedade brasileira de tal forma que, pouco tempo depois, o Congresso Nacional aprovou projeto de lei permitindo a importação de produtos estrangeiros.99 A medida possibilitou o acesso dos brasileiros a diversos bens de consumo e a produtos produzidos em países estrangeiros e essa mudança trouxe à tona a concepção figurativa de um cidadão consumidor.

Juntamente com os direitos elencados como garantia ao cidadão, encontra-se o do acesso à justiça. A conscientização da sociedade em torno dos novos direitos conquistados ocasionou uma explosão de demandas junto ao Judiciário, acarretada pela inoperância do Estado em promover condições saudáveis e igualitárias a todos os cidadãos na sociedade e, também, trouxe à tona uma questão macro estatal que se refere ao processo de abertura da economia brasileira, que se orientava dentro de uma concepção neoliberal.

A demanda excessiva de processos acompanhada de um Poder Judiciário acessível, porém desaparelhado, ensejou um déficit na estrutura orgânica judiciária, o que motivou uma crise institucional no Poder Judiciário – visto que as instituições judiciais não estavam preparadas para atender toda a demanda por justiça que se desenvolveu no país e, tampouco, contavam com o aporte funcional e o aparelhamento sistêmico adequado a permitir o fluxo transitório das excessivas demandas.

Por sua vez, a ausência de suporte estrutural acabou por incutir no imaginário popular uma descrença no trabalho então desempenhado pelo Poder Judiciário.100 No entendimento de Santos101 (2005, p. 40):

99 Lei n° 8.032, de 12 de abril de 1990, conhecida como a Lei de Redução de Impostos de Importação.

100 Segundo dados do Índice de Confiança da Justiça no Brasil (ICJ Brasil) de 2010, que analisa as relações da sociedade brasileira com o Poder Judiciário, observa-se que esse poder foi considerado uma das instituições estatais menos confiáveis, ficando na frente apenas do Congresso Nacional e de partidos políticos (CUNHA, 2010a, 2010b).

101 Segundo Santos (2005, p. 16) “a revolução democrática do direito e da justiça só faz verdadeiramente sentido no âmbito de uma revolução mais ampla que inclua a democratização do Estado e da sociedade”.

O sistema judicial está, hoje, colocado perante um dilema. Se não assumir sua quota-parte de responsabilidade, continuará a ser independente de um ponto de vista corporativo, mas será cada vez mais irrelevante tanto social como politicamente. Deixará de ter aliados na sociedade e isolar-se-á cada vez mais.

Verifica-se, nesse aspecto, que a incredulidade da sociedade brasileira se dá, principalmente, em razão da morosidade no trâmite processual. Sem dúvida, essa morosidade é um dos fatores de grande insatisfação na sociedade brasileira no que se refere ao papel desempenhado pelo Poder Judiciário e constitui-se como fenômeno de análise nos debates e discussões sobre a Justiça brasileira.