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3 O PODER JUDICIÁRIO NA DEMOCRACIA CONTEMPORÂNEA

3.2 Os Fundamentos Teóricos da Expansão do Poder Judiciário

Nas últimas décadas, foram empreendidos relevantes esforços no sentido de elaborar uma teoria que conceituasse e explicasse o movimento de expansão global do Poder Judiciário nas diversas sociedades ocidentais contemporâneas. Contudo, em razão dos processos de redemocratização e (re)constitucionalização terem ocorrido em cenários complexos e momentos históricos distintos, e diante da diversidade de experiências político-jurídicas institucionais, tornou-se difícil a elaboração de uma teoria exclusiva que identifique e aborde todos os fatores extrínsecos e intrínsecos que influenciaram o movimento de expansão judicial e, ao mesmo passo, que tenham-se ajustado aos padrões experimentais adotados reciprocamente em diversos países ocidentais.

Com o propósito de evitar qualquer negligência em razão da escolha opcional de uma única teoria que justifique o movimento expansivo e global da atividade judicial, impõe destacar as perspectivas em que as correntes teóricas se alicerçam e acabam por interagir no amplo debate doutrinário que se enraizou sobre o assunto. Na esteira desse mesmo entendimento, sobrepõe-se a afirmação de Tom Ginsburg (2008, p. 88), no célebre trabalho acadêmico, “The Global Spread of

constitutional review”, em que defende a ideia de que as teorias sobre a expansão

global do Poder Judiciário dificilmente se excluem mutuamente, ao contrário, podem coexistir em um contexto institucional diversificado, desde que apresentem unidade sistêmica comum:

Nós podemos caracterizar as teorias tradicionais para a propaganda de revisão constitucional como instituto funcional ou ideologia em caráter. Certamente, as várias teorias são dificilmente exclusivas. Em alguns casos, eles claramente reforçam um ao outro, tal como o caso icônico alemão que envolveu o federalismo e os direitos racionais. Provavelmente, a conta política final esclarece que a revisão constitucional tem tanto ideologia quanto elementos institucionais.70 [tradução nossa].

Seguindo essa linha de raciocínio e considerando a generalidade de motivações que acarretaram a intensificação da atividade judicial, apontaremos as

70 Na versão original: “We can characterize the traditional theories for the spread of constitutional

review as institutional-functional or ideational in character. Of course, the various theories are hardly mutually exclusive. In some cases, they clearly reinforce one another, such as the iconic German case that involved both federalism and rights rationales. It is likely that the ultimate political account explaining constitutional review has both ideational and institutional elements”

matrizes que mobilizaram os cientistas e estudiosos sobre o tema no trilhar das trajetórias teóricas.

A grande transformação que ensejou uma mudança de paradigma na

perspectiva histórica foi evidenciada na Europa ocidental, no período de pós-guerra,

com o surgimento de uma nova teoria constitucional. Essa nova teoria constitucional, ao final da década de 40, ensejou o redimensionamento institucional de diversos Estados contemporâneos europeus, sobretudo ocasionado pela redefinição do novo patamar em que foi alçada a Constituição nos ordenamentos jurídicos europeus, qual seja, o de norma fundamental.

A nova dimensão assumida pela Constituição rompeu com a tradição jurídica liberal predominante desde o século XVIII, na Europa e trouxe a lume um novo debate doutrinário sobre a democracia e o constitucionalismo. Nesse sentido, enfatiza Streck (2003, p. 112):

[...] no moderno constitucionalismo, uma das conquistas reside exatamente na nova configuração da relação entre os poderes do Estado. A renovada supremacia da Constituição vai além do controle de constitucionalidade e da tutela mais eficaz da esfera individual de liberdade. Com as Constituições democráticas do século XX, outro aspecto assume lugar cimeiro: trata-se da circunstância de as Constituições serem erigidas à condição de norma diretiva fundamental, que se dirige aos poderes públicos e condiciona os particulares de tal maneira que assegura a realização de valores constitucionais (direitos sociais, direito à educação, à subsistência, à segurança, ao trabalho, etc.). A nova concepção de constitucionalidade une precisamente a ideia de Constituição como norma fundamental de garantia, com a noção de Constituição enquanto norma diretiva fundamental.

Na experiência brasileira, esse debate emergiu a partir do processo de transição estatal vivenciado ao longo da década de 80. Especificamente, por ocasião da convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, em 1° de janeiro de 1987, para a elaboração de uma Constituição Federal de referência democrática.

Os trabalhos desenvolvidos pela Assembleia motivaram o florescimento de um novo direito constitucional, de matizes integralmente democráticos, que resultaram na promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988, documento que representou a transição de um regime político estatal ditatorial para um regime estatal democrático.

A Constituição de 1988 redefiniu o papel do Poder Judiciário mediante a transformação deste em poder político estatal, com independência em relação aos

poderes Executivo e Legislativo.71 A transformação do papel funcional garantiu ao

Poder Judiciário decidir com base em parâmetros constitucionais e legais, além de conferir-lhe maior autonomia em relação aos outros poderes estatais.

Contudo, há de se ressaltar que a Constituição de 1988 estabeleceu também um mecanismo de contenção ao próprio Poder Judiciário, uma vez que, para que ele possa agir, é necessária a provocação do jurisdicionado. A jurisdição depende de provocação para ser exercida pelo Poder Judiciário.72

Por outro lado, a estrutura do Poder Judiciário foi se remodelando e as composições dos Tribunais Superiores foram, tempo a tempo, sendo modificadas, reavivando uma conscientização democrática dentro das cortes. Desse modo, a ambiência libertária e democrática motivou os cidadãos a uma maior conscientização dos seus direitos, que passaram a ser tutelados pela justiça brasileira, dada a ampliação do acesso à prestação jurisdicional (BARROSO, 2015).

Correlatamente, outros sujeitos se tornaram imprescindíveis à atuação do Poder Judiciário, dadas as funções de essencialidade à justiça que eles exercem. São eles: o Ministério Público73; os advogados, públicos e/ou privados74, e a Defensoria Pública75.

Por sua vez, o debate da expansão global do Poder Judiciário no viés

sociológico inseriu a ideia de transformação da função judiciária a partir da

perspectiva do próprio magistrado.

De fato, o magistrado deixa de ser mero declarante do direito existente e passa a se tornar um criador do direito (CAPPELLETTI, 1999). Nesse sentido, os magistrados se tornam genuínos protagonistas do Judiciário na medida em que

71 CRFB/88, art. 2°: “São Poderes da União, independentes e harmônicos ente si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário” (BRASIL, 2014d).

72 CPC/1973, art. 2°: “Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e formas legais” (BRASIL, 1973).

73 CRFB/88, art. 127, caput: “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (BRASIL, 2014d).

74 CRFB/88, art. 131, caput: “A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo”. E, ainda, CRFB/88, art. 133: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei” (BRASIL, 2014d).

75 CRFB/88, art. 134, caput: “A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5° desta Constituição Federal” (BRASIL, 2014d).

funcionam como porta-vozes da salvaguarda e da segurança jurídica do ordenamento. Defende-se, teoricamente, uma participação mais efetiva dos tribunais na representação democrática, em contraponto ao modelo de inspiração liberal então vigente, em que preponderava a participação e atuação do Poder Legislativo nos sistemas políticos. Mais que isso, objetiva-se o reforço das expectativas sociais em torno da atuação funcional do Poder Judiciário na busca pela superação do modelo jurídico técnico-burocrático.76

Destaca-se que o paradigma de superação da tecno-burocracia pelo Poder Judiciário está longe de suscitar consenso, isso porque o modelo jurídico técnico-burocrático também se constitui como pressuposto ao modelo jurídico democrático. De acordo com Zaffaroni (1995, p. 166):

Das ruínas da Europa foram surgindo as tentativas de superação das magistraturas tecno-burocráticas. Foram os países derrotados que reconstruíram seus poderes judiciários sobre outras bases, ou pelo menos, tentaram. [...]

O sinal impulsionador da democratização dos judiciários, a partir do pós- guerra, não é seu fracasso técnico, mas seu formidável fracasso político.

Assim, a expansão do papel exercido pelo Poder Judiciário nas democracias contemporâneas não ocorreu de forma homogênea nem dissociada da estrutura multifacetada do Estado, muito pelo contrário, foi diretamente transformada pelas mudanças ocorridas nas estruturas do sistema jurídico e político.

Zaffaroni (1995, p. 35-36), ao discorrer sobre os argumentos teóricos que

põem em dúvida as funções manifestas do Poder Judiciário nas democracias

contemporâneas, assevera que, sob uma perspectiva sociológica, o Poder Judiciário não pode ser analisado a partir de uma única função que, em espécie, seria a jurisdição, mas, ao contrário, deve ser analisado através de um espectro de pluralidade funcional:

É possível afirmar que a função judiciária é a “jurisdição”, ou seja, “dizer o direito”, como um terceiro que esteja situado “supra partes” diante de um conflito, mas, na realidade, isto não passa de um simples sinal da essência da função judicial, sem constituir uma descrição de sua complexidade e menos ainda de sua dimensão política.

[...]

76 O modelo jurídico técnico-burocrático é caracterizado pelo que Zaffaroni (1995, p. 141) denominou seleção técnica forte, que implica na submissão dos operadores jurídicos a uma seleção técnica séria.

Da regra geral deduzida da anterior, ou do indispensável caráter de independência, como pressuposto para a realização eficaz da função decisória de conflitos, reconhece-se ao judiciário uma função de “autogoverno”, que quase nunca lhe é negada, pelo menos na declaração de funções manifestas, embora se ponham em dúvida seus limites e se discuta sua forma (ZAFFARONI, 1995, p. 35-36).

No Brasil, essa discussão também veio à tona, pois a Constituição Federal de 1988 ampliou o controle normativo do Poder Judiciário, na medida em que disponibilizou mecanismos de interpretação do direito por meio dos princípios que regulam o Estado. Com efeito, Cittadino (2004, p. 106) afirma:

[...] é importante considerar que a independência institucional do Poder Judiciário tem como contrapartida a sua passividade – o juiz só se manifesta mediante provocação -, os tribunais estão mais abertos ao cidadão que as demais instituições políticas e não podem deixar de dar alguma resposta às demandas que lhe são apresentadas.

Numa sociedade marcada pelo pluralismo, como a sociedade brasileira, o Judiciário, como Poder do Estado, deve promover no âmbito de suas atribuições as reformulações do equilíbrio social, o que equivale dizer que o magistrado, ao realizar a interpretação e a aplicação da lei, deve promover, com sua decisão, uma mudança social. Essa dimensão impõe um repensar sobre o conceito da atividade judicial – a jurisdição, porque se pretende que o magistrado seja agente hábil e capaz de cumprir com as funções na sociedade.

A dimensão filosófica que acarretou a intensificação da atuação judicial é o pós-positivismo. A celeuma sobre a caracterização da expressão reside na convergência de duas correntes de pensamento filosófico sobre o Direito, quais sejam: o jusnaturalismo e o positivismo.

Segundo Barroso (2009), o debate teórico mira a superação dos modelos genuínos para um modelo difuso, que abrange características e ideias desses modelos puros.

A teoria jusnaturalista vigente durante os séculos XVI e XVIII, que teve como expoentes Hobbes, Spinoza, Rosseau e Kant, apresenta como corolário a aproximação da lei com a razão prática. Cabe ressaltar que o fundamento norteador do jusnaturalismo é a constante aspiração por justiça, inerente ao comportamento humano. Desse modo, a aspiração pela justiça foi uma das grandes contribuições herdadas pelo jusnaturalismo e se revelou no mote das revoluções liberais à época.

Apresentando como características a eternidade, a imutabilidade e a universalidade e, portanto, tendo na natureza humana a fonte do Direito, existente em qualquer tempo e lugar, o jusnaturalismo, equivocadamente, foi considerado como uma ideia metafísica ou de ideologia religiosa, razão pela qual foi simplesmente relegado na história com a ascensão do positivismo jurídico.

Por sua vez, o positivismo jurídico exerceu relevante influência durante o século XIX, sobretudo por sua objetividade científica. O grande legado do positivismo jurídico consistiu em aproximar Direito e Lei. Segundo Nader (1995, p. 449): “Para o positivismo jurídico só existe uma ordem jurídica: a comandada pelo Estado e que é soberana”. Nesse aspecto, o positivismo jurídico promoveu o distanciamento do Direito com a justiça. No dizer do autor: “Em relação à justiça, a atitude positivista é a de um ceticismo absoluto” (NADER, 1995, p. 450).

Além disso, complementa o autor: “Por considerá-la um ideal irracional, acessível apenas pelas vias da emoção, o positivismo se omite em relação aos valores. Sua atenção se converge apenas para o ser do Direito, para a lei, independentemente de seu conteúdo” (NADER, 1995, p. 450).

A derrocada do positivismo jurídico está associada ao fim da Segunda Guerra Mundial, com as derrotas do nazismo alemão e do fascismo italiano, pois promoveu a maculação de inúmeras atrocidades contra a dignidade da pessoa humana, sob a primazia do princípio da legalidade. Por não satisfazer as exigências da justiça social, a doutrina positivista foi-se se esvaziando.

Dado o enorme fracasso do positivismo jurídico, novos debates foram se desenvolvendo, motivando várias reflexões sobre a função social do Direito e a interpretação jurídica. Com isso, nesse novo contexto filosófico, estrutura-se o pós- positivismo.

Pretendendo ampliar o entendimento sobre a legalidade, o pós- positivismo não nega o império da lei. Contudo, agrega o princípio da teoria jusnaturalista, fundada na moral. Nesse sentido, ganham força as novas teorias sobre a justiça que buscam construir o Direito a partir da interpretação dada aos princípios e analisar a correlação existente entre estes e as normas legais.

3.3 O Protagonismo Judiciário e a Judicialização da Política

Para Santos (2011, p. 19), o protagonismo judiciário é decorrente da expansão global do Poder Judiciário, que impulsionou os “fatores decisivos da vida coletiva democrática, do desenvolvimento de uma política forte e densa de acesso ao direito e à justiça” ao sistema judicial e à ideia do direito.

Para uma adequada contextualização, no Brasil, a partir da redemocratização do país, o protagonismo judiciário foi sentido de modo mais enfático em decorrência das conquistas sociais e das transformações constitucionais preconizadas na Constituição de 1988. O cidadão, antes alijado das estruturas estatais e privado de seus direitos individuais e sociais, passou a ser sujeito de direitos e detentor do direito à tutela jurisdicional.

A Constituição de 1988 contemplou diversos instrumentos constitucionais, de modo a viabilizar ao cidadão o acesso ao Judiciário, no caso de existência de lesão ou ameaça a direito77. Esses instrumentos de proteção judicial passaram a ser largamente utilizados pelos cidadãos e, também, por segmentos minoritários da sociedade que, esperançosos de reconhecimento e defesa de seus direitos, recorreram ao Judiciário, pretendendo prestação jurisdicional.

O protagonismo judiciário surge exatamente no momento em que o Judiciário se depara com a incumbência de se manifestar sobre assuntos antes restritos às esferas de competência de outros poderes estatais, no caso, o Legislativo e o Executivo, que foram incapazes de absorver a demanda social desencadeada pelo estabelecimento do Estado de Bem-Estar. No dizer de Cittadino e Colodetti (2013, p. 7):

É precisamente esse fortalecimento do discurso dos direitos implementados através dos procedimentos de acesso à justiça que pode explicar a ampliação da esfera de ação do Poder Judiciário nesse novo rearranjo republicano, o que termina por revelar porque o Legislativo perde a exclusividade nas vocalizações dos anseios da sociedade. Mais do que isso, há um cenário de descrença na capacidade do Parlamento de gerar virtudes cívicas, atrelado à descoberta pelas forças sociais de que novos canais de ação política podem passar ao largo do Legislativo ou do Executivo. A criação desse novo “espaço público judicial” revela um movimento que vem de baixo, da sociedade para o Estado.

77 CRFB/88, art. 5°, inciso XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ao ameaça a direito” (BRASIL, 2014d).

Esse fenômeno que transfere o embate político para as arenas do Judiciário acarreta uma “descaracterização do modelo político do Estado moderno”, como bem assevera Aguiar (2007, p. 144):

Por certo, é necessário registrar que o legislativo cedeu lugar ao judiciário ou ao executivo, em grande medida, devido ao crescimento da legislação social promovida pelo estabelecimento do Estado de Bem-Estar (Welfare

State). Com ele, houve um substancial aumento das atividades de

intervenção legislativa, o qual o legislativo não foi capaz de absorver porquanto os parlamentares tendem a se empenhar mais em questões partidárias e de política geral (Cappelleti, 1993). O resultado é a perda de agilidade exigida pelas demandas sociais e a espontânea transferência das funções legislativas para outras esferas, a saber, a executiva e a judiciária.

Trata-se, portanto, de uma crise de legitimidade entre os Poderes do Estado78, em que sobressai a incapacidade manifesta dos Poderes Executivo e Legislativo neste último, advinda da percepção da imobilização das instituições legislativas, causada por um método político majoritário que provoca um dissenso entre os políticos; e dos inúmeros casos de corrupção que provocam um sentimento de total descrédito da sociedade perante a instituição estatal.

Diante dessa conjuntura de fatores, o Poder Judiciário surge, assumindo o papel de um “terceiro gigante” (AGUIAR, 2007, p. 145), encarregando-se de funções que transpassam a essencialidade de guardião da Constituição e de regulador de contrapesos dos outros poderes (ROMANELLI, 2011).

Contudo, insta esclarecer que o protagonismo exercido pelo Poder Judiciário não se limita às esferas de competência dos Poderes Legislativo e Executivo, mas atinge o seu próprio espaço de atuação funcional.

Por isso, defendemos neste trabalho o entendimento de que o protagonismo judicial se evidencia de duas formas: a forma exógena e a forma

endógena.

78 Não se pode desconsiderar a grande contribuição do pensamento de Garapon (1999, p. 55-56) quando compreende que o poder dos juízes acarreta, de certo modo, a fragilização do ideal democrático quando tenta diminuir e erradicar as imprecisões e omissões dos outros poderes. Nesse sentido: “Governo de juízes, ativismo jurídico, protagonismo judiciário, tentação de uma justiça redentora... palavras não faltam para designar os novos perigos que a justiça pode fazer a democracia correr. Como progredir nesse debate passional, por vezes despropositado, entre justiça e democracia? [...] O juiz pode intervir na vida política de duas maneiras: diretamente, com uma decisão, e indiretamente, por intermédio de sua corporação. [...] O ativismo assume então duas formas: a de uma nova ordem de juristas, se o corpo de juízes é poderoso, ou, ao contrário, de personalidades forjadas pela mídia, caso a magistratura não tenha grande tradição de independência”.

O protagonismo exógeno ocorre quando o Poder Judiciário se manifesta sobre questões e assuntos restritos às esferas de competência dos Poderes Executivo e Legislativo. Nesta modalidade, o Poder Judiciário participa da arena política, por meio de uma atuação proeminente e ativa, decidindo conflitos de essencial importância para a sociedade. Melhor dizendo, o Judiciário desempenha um papel de protagonista, exercendo a atividade jurisdicional sobre questões econômicas, políticas e sociais, cuja atuação política confere visibilidade extrínseca tanto a instituição quanto aos membros do Poder Judiciário.

Todavia, o protagonismo exógeno influencia o desempenho do Poder Judiciário no âmbito interno, exigindo um maior conhecimento sobre a estrutura organizacional, técnica e funcional da instituição, com o escopo de garantir a atuação eficiente no exercício da função política que lhe é inerente.

Neste sentido, quando o Poder Judiciário identifica a necessidade de uma atuação mais enfática sobre a organização estrutural, a gestão e o planejamento institucional, promovendo mudanças internas, opera-se o protagonismo endógeno. Assim sendo, a endogenia judicial se concretiza na medida em que o Judiciário passa a atuar em várias frentes de atribuições administrativas, estabelecendo metas de produtividade, simplificando procedimentos excessivamente burocráticos,