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Como se viu, o fim da disputa com a União Soviética estabeleceu um novo ambiente estratégico para a organização da defesa nacional. O término da GF trouxe à tona a perspectiva de desmantelamento do setor produtor de armamentos, a partir da gradual erosão

da Grande Estratégia construída durante os mais de 40 anos da bipolaridade.

O desaparecimento da ameaça estratégica representada pela URSS, e da ameaça tática clara que representava a linha divisória da Europa, obrigou os EUA a abandonarem as estratégias de contenção e dissuasão, deixando em aberto quais diretrizes político-econômico- securitárias balizariam a produção de defesa a partir de então. Tal desafio provou ser uma tarefa difícil e complexa, cujo resultado continuou em aberto no governo Clinton.

Assim que a URSS se dissolveu, houve uma desconexão entre oferta e demanda da

BID estadunidense. Por um lado, a demanda que era definida pela PES, pelas percepções de

ameaça, e pelas políticas industrial e de fomento macroeconômico, estava em processo de reformulação, a partir da identificação de novas ameaças (como proliferação de armamentos avançados e distúrbios regionais), da ideia de Segurança Econômica, dos novos conceitos operacionais advindos da RAM e das lições do Golfo.

Por outro, a oferta das empresas seguia guiada pelos programas da Segunda Guerra Fria, pressionando pela manutenção de seus contratos, investimentos e programas. Essa desconexão gerou uma grande capacidade ociosa no setor, que utilizava apenas 35% do capital instalado em 1990.

O começo do governo Bush também foi caracterizado pela pressão orçamentária das demais pastas governamentais dentro do debate da distribuição dos dividendos da paz, sendo acometido pela redução mais importante da rubrica de defesa desde o fim da SGM. Os cortes afetaram notavelmente o investimento produtivo a partir da significativa depressão da demanda por grandes sistemas e das reduções reais de procurement e PDT&A.

Como primeira resposta, houve uma onda de demissões em massa de trabalhadores industriais nas fábricas de defesa e de funcionários públicos ligados à gestão de defesa. Em poucos anos, cerca de três milhões de postos de trabalho relacionados direta ou indiretamente com a defesa desapareceram. Tal sintoma foi mais pronunciado nas pequenas e médias empresas.

Uma segunda resposta à restrição orçamentária foi a retração produtiva, por meio do abandono de plantas inteiras (ou de sua migração para regiões com menores custos produtivos), e da saída, principalmente de empresas de menor porte e menos especializadas, da BID. Essas duas iniciativas de adaptação – demissões e deslocamentos produtivos – impactaram a economia estadunidense como um todo e, especialmente, afetaram o desenvolvimento de várias regiões produtivas, muitas das quais tinham na BID a principal fonte de produto, emprego industrial, receita fiscal e progresso científico-tecnológico.

Uma terceira resposta, bastante apoiada pelo governo Bush, foi a ampliação das

VME a partir de um viés mais comercial e internacionalizado da BID, angariando

mercados não-tradicionais e substituindo a Rússia como fornecedora de meios de defesa para ex-Estados membros da URSS e países de Oriente Médio e Ásia. Essa orientação era bastante pragmática e ia contra a própria diretriz da PES de combater a proliferação de armamentos no SI. Também era uma maneira de eleger campeãs nacionais dentro da defesa, que competissem em um ambiente internacional cada vez mais acirrado – o que, novamente, favoreceu os grandes conglomerados da defesa, e pouco mudou na situação da maior parte das fábricas menores da BID.

Sem uma diretriz clara para a produção da defesa, o novo paradigma assumido pela BID no período foi bastante delineado pelas proposições teóricas encomendadas e formuladas por Marshall, Cheney e Krepinevich acerca do novo cenário estratégico que se construía nos anos 1990. Este estaria caracterizado, segundo o establishment de defesa, pela unipolaridade

dos EUA, que deveriam liderar um mundo cujas ameaças securitárias seriam difusas e circunscritas geograficamente. Tais fontes de ameaça exigiriam um Engajamento Seletivo

do país, a partir de intervenções rápidas, de baixa intensidade, com objetivos limitados e cujo sucesso dependeria, basicamente, da capacidade tecnológica estadunidense.

Segundo os teóricos da Revolução dos Assuntos Militares, essa atuação eficaz e eficiente dos EUA seria viabilizada pelos novos sistemas (e plataformas) digitalizados, que haviam alterado a própria essência da guerra (agora definida pelas capacidades de informação), prescindindo de grandes contingentes (o que chamavam de humanização da guerra). Isso levou a alterações no Perfil de Forças e na combinação de sistemas e serviços

exigidos pelos militares estadunidenses. A teoria da RAM deu suporte à redução dos contingentes militares apresentadas pelo governo Bush e acentuada na gestão Clinton, e levou a um novo paradigma produtivo da indústria de defesa, inspirado no modelo japonês

toyotista just in time.

Nesse sentido, o fim da GF levou à retração do planejamento de longo prazo da produção bélica nacional, que deveria se adaptar de acordo com cada nova intervenção estadunidense, apresentando um portfólio de sistemas avançados tecnologicamente que poderiam ou não ser empregados de acordo com o tipo de conflagração. Essa era uma política industrial bastante frouxa, que colocava os meios na frente dos fins, e deixava nas mãos dos desenvolvimentos científico-tecnológicos dos institutos e dos centros de pesquisa das empresas o futuro da produção de defesa.

Em vez de uma Grande Estratégia ampla e geral que guiasse a produção nacional, a própria evolução tecnológico-design-produtiva nortearia os desenvolvimentos das linhas da BID, sendo adaptadas e produzidas de acordo com cada nova investida das FA para além das fronteiras nacionais.

De modo que a reestruturação da BID, que começou nos cinco anos do governo Bush e tomará grandes proporções na gestão Clinton, deixou importantes desafios para as firmas de defesa. A indústria deveria responder às novas necessidades da segurança nacional:

a) com menos dólares em um cenário de transição tecnológica;

b) configurando-se em um setor eficiente, inovador, flexível e robusto; c) gerando competitividade industrial internacional; e

d) convertendo e diversificando as plantas às demandas advindas da nova defesa. Preocupada com tais questões, a gestão de George H. W. Bush lançou em seu último ano de governo um programa de conversão da defesa que totalizava 1.7 bilhão de dólares. Ele se tornou a base para o projeto de Clinton em 1993. Tal programa continha ações em quatro frente (Quadro 14).

Quadro 14 - Quatro Frentes de Ação para a Reestruturação da BID, 1992

 Realocar funcionários públicos (militares e civis) e industriais que haviam perdido seus postos de trabalho com o fim da GF;

 Auxiliar as comunidades afetadas;

 Promover a realização de investimentos em tecnologias de uso dual que possibilitassem a diversificação industrial das firmas da BID; e

 Realizar investimentos em tecnologias de uso civil para estimular a economia e prover oportunidades de inversão em P&D para firmas de defesa.

Durante sua campanha presidencial, Clinton havia prometido seguir essas diretrizes a fim de estimular a economia estadunidense, bem como mudar o foco da defesa para a economia civil e promover um viés mais comercial à BID. No entanto, seu amplo projeto, conhecido como BUR, seria o responsável pela maior concentração, pelo maior isolamento e pela ampliação do grau de especialização do setor desde seu advento.

Isso se deveu, especialmente, à política de promoção às fusões e aquisições. Tal medida fazia parte de um grande programa de reformas que impactaram profundamente a estrutura do CMI, levando a relações político econômicas mais estreitas entre o Pentágono e a BID e dificultando a própria gestão de defesa nas próximas décadas.

O próximo capítulo visa a descrever e avaliar, portanto, como se deu e quais as consequências da gestão de Bill Clinton para a organização da produção de defesa nos Estados Unidos no pós-Guerra Fria.

5 A REESTRUTURAÇÃO DA BID NO PÓS-GUERRA FRIA: A POLÍTICA DE FUSÕES E AQUISIÇÕES DE BILL CLINTON (1993-2001)

William (Bill) Jefferson Clinton foi o 42° presidente estadunidense, chegando ao poder sessenta anos após a posse de Franklin Delano Roosevelt, governo que dera início à modernização militar que culminou no advento da BID. Entre Roosevelt e Clinton, haviam passado oito diferentes governos pela Casa Branca, os quais guiaram os rumos da BID enquanto setor produtivo essencial para o desenvolvimento econômico-tecnológico do país e para a criação de capacidade estatais, projeção de força e dissuasão. Bill Clinton assumiu a presidência em um contexto totalmente novo para a indústria bélica.

Os cortes no orçamento do DoD – especialmente em termos de procurement e PDT&A – e as mudanças na formulação da GE estadunidense, já iniciada no governo Bush, demandavam de Clinton um amplo esforço de formulação de políticas que guiassem os

ajustes estruturais em curso, realocassem recursos, reorientassem a mão de obra, dessem

um novo norte para a produção de ciência e tecnologia e promovessem investimento e conversão produtiva. Em outras palavras, a gestão de Clinton enfrentava uma missão complexa, semelhante àquela enfrentada por Roosevelt nos anos 1930: era necessário solucionar os problemas fiscais do Estado, coordenar a capacidade industrial, organizar as FA do país e estabelecer a estratégia de projeção internacional (DUNNE, 1995, p. 427; GANSLER, 2011, p. 31).

Diante dos novos desafios estratégicos surgidos com o fim da GF, o governo Clinton pretendia remodelar a BID estadunidense. Sua gestão pretendia tornar a indústria de defesa um setor mais flexível, diversificado, voltado ao mercado civil e ao desenvolvimento de tecnologias duais. No entanto, a solução apresentada e implementada pelos oito anos da gestão de Clinton para a defesa nacional, conhecida por Bottom-up Review (BUR), representaria uma das mais significativas transformações industriais da História

contemporânea, processo que trouxe resultados bastante opostos ao desejado (DOWDY,

1997).

Suas políticas para a indústria bélica impactaram profundamente a estrutura do mercado, levando à alta concentração industrial – em que, do processo de fusão e aquisição de cinquenta empresas, nasceriam apenas cinco grandes conglomerados produtivos – a relações político-econômicas mais estreitas entre o Pentágono e a BID, e à maior rigidez do setor, dificultando a própria gestão de defesa nas próximas décadas (CUSTERS, 2008; GASNLER

2011; KORB, 1996; MARKUSEN, 2000; MARKUSEN; COSTIGAN, 1999; RAPPY, 2000; WEIDENBAUM, 2003).

A reformulação da BID durante os anos 1990, a despeito das pretensões declaradas pelo governo, resultou em um setor com grande resistência política e institucional a mudanças, impondo, muitas vezes, seus interesses privados por sobre os interesses nacionais e as necessidades da PES do país. De modo que, o período de 1993-2001 encerrou um processo de grande evolução da BID, deixando importantes legados para economia de defesa atual dos EUA.

O presente capítulo visa a entender, portanto, como se deu a reestruturação da BID

durante a gestão de defesa de Clinton, e quais suas consequências estratégicas para a organização da produção bélica nacional. Para tal, o capítulo divide-se em quatro

subseções:

a) a primeira avalia qual debate balizou a nova abordagem para a gestão da defesa nacional do governo Clinton, que fundamentou a decisão pelo plano de ação colocado em prática a partir de meados de 1993, sob o nome de BUR;

b) a segunda parte apesenta e analisa o programa BUR, e suas diversas frentes de atuação, que vão desde a promoção de tecnologias duais, passando por ajuste nas comunidades locais, reciclagem de trabalhadores e estímulo às Vendas Militares Estrangeiras, chegando à famosa política de promoção as fusões e aquisições; c) a terceira subseção analisa de maneira mais detalhada esta última área de atuação

do BUR, a política de Clinton de apoio à consolidação industrial, que provocou uma onda de megafusões entre 1994 e 1997; e

d) por fim, a última subseção busca compilar os principais impactos da gestão de defesa de Clinton na BID.

5.1 REINVENTANDO O GOVERNO: REFORMA DO PROCESSO AQUISITIVO E O