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3.3 DINAMIZAÇÃO PARADOXAL DA BID: DA DOUTRINA NIXON AO REAGAN’S

3.3.2 A Guerra do Vietnã e as Duas Reformas Administrativas

A Guerra do Vietnã foi possivelmente um dos episódios mais controversos na história norte-americana42, envolvendo operações polêmicas amplamente televisionadas nos Estados Unidos. Os custo da guerra em termos de vidas, recursos financeiros (que exigiu pelo menos três reformas tributarias43) e legitimidade política repercutiu internamente com questões que envolveram, inclusive, a recusa ao serviço militar, o desrespeito à hierarquia dentro do Exército e protestos contra à indústria de defesa. Tais problemas abririam caminho para algumas reformas importantes. A primeira reforma do período tratava de regulamentar o

procurement de sistemas de defesa.

Levada a cabo pelo Secretário de Defesa Robert McNamara (1961-1968), ex-diretor da Ford Motors nomeado para reduzir e racionalizar os custos do Pentágono, foi um marco para a BID atual, tratando-se de um primeiro rol de exigências e protocolos ao processo de aquisição. Para além do avanço administrativo, implicando uma série de novos critérios técnicos e organizacionais como precondição para a participação nos contratos de defesa, a reforma acelerou o processo de concentração setorial: muitas empresas de pequeno e médio

42A prolongada participação dos Estados Unidos na Indochina desdobrou-se desde o envio de cerca de 17.000 assessores, em 1963, até o acentuado engajamento de tropas e recursos que se estenderia à assinatura dos Acordos de Paris, em 1973, e à posterior retirada total das tropas do país. Os dados demonstram que cerca de 58.000 norte-americanos morreram no Vietnã (ROCKOFF, 2012, p. 295).

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Houve três importantes reformas tributarias nesse sentido. A primeira, Tax Ajustment Act of 1966, foi assinada por Johnson e criava impostos indiretos para financiar a Guerra do Vietnã. A segunda, de 1968 chamou-se Custo Adicional, e também foi instituída por Johnson. A reforma ampliava em 10% os impostos sobre os rendimentos pessoais e corporativos. A despeito do nome, foi o maior aumento tributário de uma só vez desde a Segunda Guerra. A terceira reforma, Tax Reform Act of 1969, assinada por Nixon, instituía uma nova sobretaxa tributária para financiar a guerra (BANK; STARK; THORNDIKE, 2008, p. 136; ROCKOFF, 2012, p. 287).

porte não lograram adaptar-se às novas regras. Essa tendência seria agravada, ao final dos anos 1980, pela nova reforma no processo aquisitivo (FOX, 2011, p. 35-40).

A segunda reforma importante ocorreu no mandato de Richard Nixon (1969-1974). Os gastos militares seguiram ampliando-se nos anos 1970 devido à campanha no Vietnã e, dado contexto internacional (de crise de combustíveis e de piora do Balanço de Pagamentos dos EUA) o país implementou um novo conjunto de reformas para conter o gastos de governo relacionados à defesa nacional44 (ROCKOFF, 2012, p. 289; SELLERS; MAY; McMILLEN, 1990, p. 426-433).

A nova política de Nixon focava no serviço militar, aproveitando-se da queda de popularidade do Exército com a campanha na Indochina. O presidente estabeleceu uma Comissão para tratar da possibilidade de abolir o recrutamento obrigatório no país, a Comissão Gates, incluindo uma série de economistas conservadores (como Milton Friedman, Alan Greenspan e Walter Y. Oi). O grupo Gates desenvolveu estudos que recomendavam uma força somente de voluntários, o que culminou, em janeiro de 1973, com o anúncio do fim do alistamento nos Estados Unidos pelo Secretário de Defesa Melvin Laird (ROCKOFF, 2012, 302-303).

A ideia de redução das FA e do contingente militar em batalha diminuiu, inicialmente, a escala das compras governamentais em materiais de consumo militar e em sistemas de armas e munições. Isso relacionava-se diretamente com o outro fator paradoxal: o menor volume de produção se dava em um momento de encarecimento e maior complexidade dos sistemas de armas. As experiências da Guerra do Vietnã, e as lições dos Estados Unidos das Guerras Árabes-Israelenses do período ampliaram as demandas em termos de armamentos de precisão, especialmente do tipo ar-superfície – que evitariam que alvos civis fossem alvejados – e de sistemas antirradiação, a fim de permitir que os Estados Unidos combatessem em regiões controladas por radares inimigos45.

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Assim que, em agosto de 1971, Nixon apresentou sua Nova Política Econômica. Essa se constituía em um plano econômico-financeiro que incluía o fim da conversão em ouro dos dólares detidos por bancos centrais estrangeiros; maior restrição do mercado nacional a importações e aumento das taxas de juros aos empréstimos concedidos pelo país a outras nações. Os EUA abandonavam de vez o padrão dólar-ouro estabelecido em Bretton Woods (SERRANO, 2002; WALTON e ROCKOFF, 2014, p. 524-525).

45Esse período testemunhou o declínio da tolerância da sociedade às baixas civis, especialmente após a Guerra do Vietnã, amplamente televisionada. Isso tornou-se um dos motores do crescimento da demanda por armamentos de precisão, o que levou ao desenvolvimento de uma nova família de sistemas de armas ar-terra cada vez mais precisos. As Unidades de Bombas Guiadas (GBU, do acrônimo em inglês) foram produzidas nos Estados Unidos nesse contexto. Os sistemas de orientação a laser acoplados a bombas convencionais durante a Guerra do Vietnã deram lugar a sistemas de orientação especificamente concebidos para incorporar o Sistema de Posicionamento Global que permitia que uma aeronave entregasse munições em locais precisos. Nesse sentido, também foram produzidos mísseis guiados como o AGM-65 Maverick, AGM-84 Harpoon, e AGM- 114 Hellfire. Todos eles foram desenvolvidos durante os anos 1970 (SCHUSTER, 2010, 349-350).

Esse tipo de sistema exigia que as empresas dedicassem mais pesquisas, testes e recursos financeiros e humanos a sua produção, o que levou a que grandes conglomerados já bem estabelecidos (como Grumman, Northrop, Martin Marietta e General Dynamics) passassem a dedicar, já no começo dos anos 1990, quase 100% de seus esforços produtivos às demandas militares e ao desenvolvimento de sistemas aeroespaciais. E dada a nova configuração das FA estadunidenses, com um Exército totalmente de voluntários46, a BID necessitava de uma nova estratégia produtiva baseada em Vendas Militares Estrangeiras (VME), fundamentada em uma nova PES.