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Nesse momento em que chegamos às considerações finais deste trabalho de pesquisa, tenho a sensação não de término, mas de cumprimento de mais uma etapa que clareia o que foi a implantação dos Ginásios Polivalentes no Brasil. Comecei a me debruçar sobre essa rede de escolas em 2006 e sinto que ainda há muito o que se pesquisar.

Para elaboração desta tese, foram analisados vários trabalhos acadêmicos que abordam o tema direta ou indiretamente, entre livros, teses e dissertações, sendo que dois livros tiveram capítulos traduzidos da língua inglesa para a portuguesa. Em minha pesquisa de campo no Programa de Estudos e Documentação Educação e Sociedade (PROEDES), da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foram verificados 6 relatórios, 10 convênios, 8 projetos, 1 parecer, 3 manuais, 5 inventários, 16 estudos, 6 decretos, 1 correspondência, 26 publicações, 1 catálogo, 6 atas, 6 acordos111. Muito deste material não foi utilizado diretamente na tese. Selecionamos apenas alguns, pelo critério de abordagem piramidal: de ações amplas que derivam para um específico. Ou seja, apresentamos documentos que continham discursos sobre as ações do Escritório do Ponto IV; do Programa Aliança Para o Progresso e, por fim, na construção do projeto dos Ginásios Polivalentes. Muitos documentos poderiam ser utilizados, mas, por questões metodológicas, optamos por realizar uma abordagem diretiva na comprovação da hipótese de como aspectos culturais norte-americano foram penetrando a cultura brasileira, na construção do projeto dos Ginásios Polivalentes.

Essas três etapas representam momentos da inserção de aspectos culturais Americanistas, mudando a relação dos brasileiros quanto à criação do meio de atuação dos EUA no triângulo soberania, disciplina e gestão governamental, partes do termo “governamentalidade”, de Foucault, para a governança da população, por meio de mecanismos essenciais e/ou dispositivos de segurança. A educação é o apanágio do Americanismo, agindo como seu dispositivo essencial para moldar pessoas, eliminando riscos. Isto é, há uma intencionalidade em moldar comportamentos individuais em comportamentos funcionais, organizados para uma função de convivência múltipla e coordenada, de modo que a autodisciplina é a objetivação dessa formação.

Um dos princípios da Carta de Punta del Este era a autoajuda. Aqui ressignificado para ser melhor entendido como prova da internalização da autodisciplina como aspecto

171 cultural do Americanismo, na ação dos empresarialistas, pois não observei, na prática, a co-responsabilidade nas ações e nas decisões a serem tomadas para o desenvolvimento da nação que recebe ajuda, na forma apresentada pelo Embaixador Gordon. Entendo que, quando se referem a autoajuda, seria mais sincero dizer autodisciplina administrativa: “A disciplina só existe na medida em que há uma multiplicidade e um fim, ou um objetivo, ou um resultado a obter a partir dessa multiplicidade.” (FOUCAULT, 2008, p. 16). Com isso, a escolarização produz formação para essas relações de poder e autodisciplinamento.

A governamentalidade instituída é a garantia de hegemonia. Como vimos no pensamento de Antônio Gramsci, “hegemonia é o conjunto das funções de domínio e direção exercido por uma classe social dominante, no decurso de um período histórico, sobre outra classe social e até sobre o conjunto da sociedade.” (MOCHCOVITSCH, 1992, p. 20). Ela é composta por duas funções: de domínio — uso da força — e processo coercitivo — e de direção intelectual e moral —, promovendo adesão por meios ideológicos de persuasão. No mundo moderno, a escolarização está fortemente vinculada à construção e à manutenção de hegemonias. Os empresarialistas abandonam questões relativas à luta de classes e passam a questionar, em suas pesquisas, quem se tornaria hegemônico na construção de sociedades industriais nos países periféricos. No mundo industrializado, a pacificação deve ceder lugar às revoluções. Esse lema é largamente propagandeado nas ações da Operação Aliança112, referindo-se às revoluções violentas

dos comunistas e às ações pacificadoras dos capitalistas. Os EUA provocaram revoluções passivas, antes das revoluções violentas, e formaram governamentalidades em toda a América Latina, garantindo a hegemonia no continente, mesmo que, ainda hoje, Venezuela e Cuba representem problemas.

No aspecto geral, podemos ver, nos discursos do Embaixador Gordon, a hipótese de que os empresarialistas estavam um nível acima das dicussões geopolíticas mundiais. Em todo o livro, há a evocação do bem contra o mal; o reforço do sim-bólico, na luta contra o dia-bólico; os humanitários contra os ateus, representantes do diabo. Isso, até hoje, pode ser constatado quando se referem aos países que não aderiram à revolução passiva burguesa, oferecida pela Operação Aliança. Mas os modelos e os valores eram para resignificar e revolucionar a produção, de forma controlada e segura, sem riscos.

112 Termo cunhado por Gordon, que faz referência à ideia original da Aliança para o Progresso, proferida pelo Ex-

presidente Juscelino Kubistchek em uma das reuniões da Operação Pan-Americana — OPA. Ele se refere, em alguns pontos dos discursos, à Aliança para o Progresso como Operação Aliança, deixando evidência de sua visão de conjunto sobre estes dois programas.

172 Isso acontece em um movimento permanente, no qual há uma permissiva liberdade para observar as ações incorformistas e planejar a re-ação antes da ação; revoluções passivas antes das revoluções orgânicas.

No aspecto específico, os Ginásios Polivalentes representam o fim da educação dualística, típica das sociedades aristocráticas, conforme a visão de Gramsci (1982). Mas o que houve foi o nivelamento em um só modelo, com extinção do ensino propedêutico desinteressado — Humanismo clássico — e implantação do ensino técnico vocacional, como humanismo moderno, numa interpretação equivocada da visão de Gramsci, devido ao seu contexto de formação. Na versão empresarialista, conforme apresentado nas críticas de Carnnoy a este modelo, podemos ver que os aspectos administrativos coloniais foram incorporados por setores produtivos no Brasil. Por que, então, levar estes aspectos para um cultura popular? No meu entender, uma das funções é o controle de riscos, não do risco comunista, mas como na formação cosmopolita, preocupação do século XIX, conforme relatado por Popkewitz (2008). O ensino desinteressado deixa brechas para formação intelectual, fora da caixa administrativa, gerando riscos de um pensamento livre. Outra função, também ligada ao controle comportamental, vem do autodisciplinamento como incremento da produção. Já vimos este aspecto acima e o discutiremos mais à frente.

Os Ginásios Polivalentes representam a consolidação do modelo de escola técnico vocacional, que tem experiencias registradas no Brasil desde a década de 1920, por intermédio de ações realizadas por Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo. Na segunda metade do século XX, intensificam-se as experiências de implantação deste modelo como, por exemplo: o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, em Salvador, e a criação dos Ginásios Orientados para o Trabalho (GOT), os dois idealizados sob direção de Anísio Teixeira. Além dos Ginásios Pluricurriculares, surgiram também os Ginásios Modernos e os Ginásios Vocacionais — modelos de ensino técnico vocacional implantados em São Paulo nas décadas de 1950-1960. Como vimos na tese, apesar de serem modelos análogos, eram pontuais e não possuíam o status para a universalização do ensino técnico vocacional, que só ocorreu com a implantação do Ginásio Polivalente.

Com a Operação Aliança, todo o contexto político social brasileiro foi alvo de ações, que culminaram na reforma da educação brasileira, em todos os níveis, para se adequar ao sistema de produção industrial. Na reforma da educação básica, ocorrida com a promulgação da lei 5.692, de 1971, o modelo técnico vocacional foi universalizado. Ora, se a lei reformava todo o sistema educacional básico, por que tanto esforço e tantos

173 gastos financeiros para criar uma rede de escolas? Aponto algumas respostas que seguem o eixo da concretização do novo: i) a imponência e eficiência Americanista na realização humanitária de educar todos sob os princípio da liberdade e da democracia. Ressaltando que quem conheceu ou passou pela experiência de fazer parte dos Ginásios Polivalentes ainda se entusiasma ao falar dessas escolas. ii) os desdobramento práticos, típico do Pragmatismo norte-americano. A reforma teria mais eficiência se houvesse um modelo a ser observado, por isso se controlou todos os aspectos. Por exemplo, foram treinados, nos EUA, profissionais ligados diretamente à área educacional, como professores, supervisores, etc; como também engenheiros e arquitetos que iriam projetar os prédios. Após curto período de instituído, os GPEs se descaracterizaram, em muitos aspectos que lhe conferiam, como escola diferenciada.

O modelo serve a um propósito — ser modelo. Ele foi decisivo na reversão das expectativas de escolarização da população brasileira, sendo que o maior desafio era converter a Elite Dinástica brasileira: fato que influenciou nas alterações da lei 5.692/1971, já no primeiro ano após sua promulgação, com o parecer 45/72 e, posteriormente, com o parecer 76/75 do Conselho Federal de Educação. Mas a estrutura técnico vocacional permaneceu para toda a população, mesmo permitindo a manutenção da “capa de chumbo” aristocrática da educação dualística em manobras e subterfúgios velados na interpretação da lei. Na prática, havia outras manobras. Lembro-me que, nesta época, o aluno que tinha intenção de cursar medicina nas Universidades Federais matriculava-se no 2º grau, no curso técnico em química. Esse curso, devido a sua estrutura curricular, possuía aspectos da formação básica para as provas específicas, por área científica, dos vestibulares de acesso à área de ciências médicas. Até aí, era um curso profissionalizante igual aos outros. O que velava o dualismo era que cursos como esses eram caros e oferecidos apenas em escolas privadas. Nas escolas públicas, em sua maioria, o ensino profissionalizante de 2º grau oferecia as opções de técnico em contabilidade ou magistério. Ou seja, apesar de técnico universal na lei, na prática era dualista, devido à condição financeira do aluno.

Como afirma Gramsci, a escola clássica era oligárquica pela sua clientela e não pelo seu modo de ensino. Universalizar a educação, mas manter redes de ensino paralelas, definindo a clientela pela classe social ou poder de compra, é manter seu caráter dualista. A escolarização tecnicista manteve o dualismo por meio de uma rede privada de ensino, funcionando paralela à rede pública, acompanhando a tendência histórica no Brasil. Após a reforma do ensino médio, o que alterou foi a aparência de uma rede de escolarização

174 nacional democrática. A rede particular foi modernizada, não no conteúdo técnico vocacional, mas por princípios de administração do Americanismo, tornando-se grandes conglomerados educacionais. A antiga rede particular vinculada às ordens religiosas católicas se mantiveram, mas perderam a predominância e o domínio do mercado educacional. No geral, essa rede particular forma administradores e a rede pública forma administrados. A reforma da educação média representou a forma reducionista e simplista, conforme alertou Gramsci, pois garantiu os interesses maiores da elite, em detrimento de um direito de formação para a vida — para a sociedade —, como sujeito incluso no processo social em direitos iguais. Universalizou-se a educação básica de forma controlada, para não alterar as relações de classe, mas dar a elas legitimidade por competência meritocrática.

Nas palavras de Vianna, ao comprometer mudança com a conservação, “a revolução passiva, antes um processo referido a formações nacionais com precisa contextualização histórica, ter-se-ia convertido no único processo a ter vigência universal.” (VIANNA, 1997, p. 29). Nessa revolução passiva da atualidade, os atores inexistem, restando o protagonismo dos “fatos” em um processo de história de “dialética sem síntese”. A institucionalização dos GPEs foi a revolução antes da revolução.

Enfim, sabemos hoje que foi também um objetivo da escolarização em massa, no modelo técnico vocacional, a criação de um exército de reserva de trabalhadores. Isso facilita a negociação salarial, além de aumentar o engajamento dos administrados na ampliação de formas de produção. Outro aspecto a ser considerado está na obra de Carnnoy, quando afirma que muitas crianças no mundo ocidentalizado são levadas à escola para fracassarem — e, mesmo que aprendam a ler e a escrever, um fracasso inicial não supera os efeitos positivos da alfabetização. Isso reforça a legitimação meritocrática de classe social a que se pertence: a classe que não tem como capitalizar sua formação com investimentos pecuniários estão conformadas com a posição social que têm. Mesmo com ampliação das escolas públicas, a objetividade como régua equalizadora na medição do desempenho escolar ignora uma série de fatores fora da escola, que influenciam o sucesso escolar, como nutrição e cuidados de saúde em casa; reforço dos pais no trabalho escolar; expectativas dos pais para a criança e a capacidade da família de se sustentar para manter as crianças na escola, em vez de gerar renda. As famílias devem contribuir com uniformes, livros e transporte, que vão além de “só comprar” o ensino privado propriamente dito; o que pode influenciar no desempenho do aluno e até em sua exclusão (CARNNOY, 1972).

175 Por fim, pude verificar que o projeto dos Ginásios Polivalentes foi o instrumento para formar uma senso comum adepto do empresarialismo, aspecto fundamental na ampliação da hegemonia norte-americana sobre o Brasil. Além de seu impacto psicológico de solução dos conflitos de classes sobre o modelo de educação média, sua filosofia refletida na estrutura curricular e organizacional inaugurou uma nova etapa educacional no país. Como vimos, a formação de uma mentalidade empresarial —

empreendedora na versão ressignificada da atualidade —, chegou aos rincões brasileiros como modernização cultural em oposição ao atraso. A eficiência dessa influência americanista está em aspectos, que tem reflexos até os nossos dias. A meu ver o aspecto fundamental foi o forma administrativa americanista, originária na teoria de organização do trabalho de Taylor e Ford, ressignificada na versão da visão empresarialista.

Atualmente (2018), aspectos de bem-estar social e cidadania são considerados no senso comum como ultrapassados e devem ser revistos. É possível encontra trabalhadores que acreditam na redução de direitos trabalhistas conquistados, para preservação da harmonia e bem comum de todos, como forma de manutenção harmônica dos sistema administradores e administrados. É quase uma unanimidade que o empresário privado é mais eficiente que o público, quando se trata de administrar. Qualquer forma de ver o mundo questionando esse modelo é considerada revolucionária e deve ser de origem dia- bólica; intelectuais são vistos como criadores de tensões desagradáveis e devem se converter ao modelo pacífico e harmônico da livre concorrência, da liberdade e da democracia.

A cultura organizacional taylorista/fordista, forjada essencialmente nos Estados Unidos da América e ressignificada e ampliada na versão dos empresarialistas, na estruturação de uma sociedade industrial produtiva e harmônica, formada apenas por administradores e administrados, foi, certamente, o aspecto cultural Americanista essencial que compunha a construção do projeto dos Ginásios Polivalentes.

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5 - Referências:

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