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1.3 – CONSIDERAÇÕES SOBRE IDENTIDADE NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

CAPÍTULO I – DESVELANDO ASPECTOS TEÓRICOS

1.3 – CONSIDERAÇÕES SOBRE IDENTIDADE NAS CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

A afirmação da identidade profissional implica na compreensão dela mesma. Porém, temos de ressaltar que, conceituar identidade, envolve uma grande complexidade pelo fato de ser um termo polissêmico, o que permite ser usado de maneira variada nas ciências sociais e áreas afim.

Sociologia, Psicologia Social, História, Antropologia, entre outras mais, vislumbraram compreender os fatos sociais que envolviam a modernidade, destacando,

entre eles, a interação entre o indivíduo e a sociedade. Nesse momento, os estudos acerca da identidade receberam uma atenção particular.

Diante disso, apresentei como alguns teóricos vêm fundamentando seus pensares sobre identidade, considerando que eles trazem grandes contribuições à temática a qual nos propomos investigar. Stuart Hall e Dubar, dentre outros, nos permitem perceber as interações entre o indivíduo e a sociedade, assim como destacam as contribuições daquelas noções de identidade à modernidade e à pós-modernidade.

Segundo Stuart Hall (2000, p.10), as identidades estão sendo desarticuladas ou fragmentadas, estão se descentrando. Isso ocorre pelo fato de o sujeito estar perdendo o “sentido de si”, o qual era considerado pronto em relação ao espaço que esse ocupava no mundo social e cultural. Dessa forma, Hall caracteriza a identidade do sujeito a partir de três concepções: sujeito do iluminismo, sujeito sociológico e sujeito pós-moderno.

• Sujeito do iluminismo – o indivíduo era percebido sendo totalmente centrado, unificado, dotado da capacidade da razão, da consciência e da ação. Era uma visão bastante individualista do sujeito na qual ele possuía um núcleo interior que Hall identifica como sendo o “centro”, o eu, que se apresenta no nascimento do indivíduo e, ao longo da vida, desenvolve-se sem desprezar a sua essência. Logo, permanecia contínuo ou “idêntico”, um perfil imutável durante toda sua existência. Assim, “o centro essencial do eu era a identidade de uma pessoa”;

• Sujeito sociológico – é necessário compreendê-lo como decorrente da grande complexidade do mundo moderno, considerando que esse sujeito não é autônomo e nem auto-suficiente, mas, sim, formado na relação com “outras pessoas importantes para ele”, em que o núcleo interior é formado na interação entre o eu e

a sociedade, sendo o sujeito possuidor de um núcleo ou essência interior que forma e modifica essa identidade através de um diálogo constante com os mundos culturais “exteriores” e as identidades que permeiam esses mundos;

• Sujeito pós-moderno – aqui a identidade é percebida como constituída a partir de várias identidades temporárias, modificáveis, podendo ser contraditórias ou não resolvidas. O sujeito social desarticula consecutivamente sua identidade pelo fato de admitir distintas identidades em variadas ocasiões. O sujeito é atraído, fascinado por múltiplos estilos de sujeitos. Nessa perspectiva, a identidade, em momento de mudança, deixa de ser percebida como única, estável e acabada.

Na primeira concepção apresentada, o autor deixa claro que o interior do sujeito era visto como inalterável, o que contribuía para que este não se percebesse com potencial de construir sua própria essência, visto que nada poderia modificar sua identidade.

A segunda concepção de sujeito é apontada com um pouco mais de progresso em relação ao sujeito iluminista. Isso se deu em função deste sujeito estar engajado a uma nova corrente que defendia o ponto de vista do interacionismo simbólico.

Quanto ao sujeito pós-moderno, é determinado histórica e não biologicamente. Ele integra identidades distintas em momentos distintos, identidades que deixam de ser congregadas por um “eu” coerente. Tal identidade passa por um processo de deslocamento, isso porque, existem em nosso interior identidades incoerentes, contraditórias, nos levando em diferentes direções. Por isso, o discurso da identidade unificada é superado. Porém, há quem queira pensar ser uno, sem mudança de identidade do nascimento à morte. Hall afirma que isso se dá pelo fato de construirmos uma cômoda história sobre nós mesmos ou

uma confortadora “narrativa do eu”. Ele considera que essa é uma maneira fantasiosa de nos vermos (Hall, 2000, p.13).

Hall nos leva a pensar que houve mudanças nas identidades culturais a partir da modernidade. Um dos grandes fatores o qual contribuiu significativamente para essas mudanças foi, em especial, o processo de globalização. Hall, ao enfatizar o processo de globalização, assegura a necessidade de não perdermos de vista que, é inerente a esse processo, a descontinuidade, a fragmentação e a ruptura. Portanto, as sociedades modernas são, por definição, sociedades de mudanças constantes, rápidas e permanentes.

Dubar (1997, p.79) esclarece que as abordagens culturais e funcionais da socialização enfatizam uma característica essencial da formação dos indivíduos: esta forma um agrupamento da maneira de ser (de sentir, de pensar e de agir) de um determinado grupo, da maneira como este vê o mundo e como percebe o futuro, suas posturas corporais, sua religiosidade. Isso ocorre em seu grupo de origem, em que o sujeito veio desenvolvendo-se enquanto criança e a esse pertence objetivamente, ou esteja integrado a um grupo exterior no qual quer inserir-se e/ou com o qual se relaciona subjetivamente. O indivíduo socializa-se, internaliza valores, normas e preceitos que o caracterizam como pertencente a um determinado grupo, ou seja, ele passa a ser socialmente identificável.

Essa é uma abordagem ligada à redução da socialização e ao pressuposto da unidade do mundo social. Naquela, permeia a volta de uma cultura tradicional e com pouco desenvolvimento da sociedade; neste, teorias aparecem contrariando esse pressuposto de unidade social. São abordagens que colocam a interação e a incerteza no seio da realidade social, na qual os sujeitos se chocam e procuram seu reconhecimento em detrimento do outro, gerando uma dualidade irredutível.

Mead e Cooley8, citados por Hall (2000, p.11), são alguns dos fundamentadores do interacionismo simbólico. Eles trabalhavam a relação entre pessoa, sociedade e interação. Para tal, desenvolveram uma análise minuciosa da socialização, enquanto estruturação progressiva da comunicação, em que, o Eu, se apresente como membro de uma comunidade que age energicamente na sua existência e conseqüentemente trazendo transformações.

Dubar (1997), com base em Mead9 (1933), esclarece a socialização como construção de uma identidade. Esta acontece na/pela interação ou comunicação com os outros, sendo que, a primeira etapa dela, se dá quando a criança começa a entender os papéis desenvolvidos por aqueles que lhe são próximos, o que Mead chama de "tomada em conta". Uma segunda etapa acontece quando a criança sai dos jogos simples e começa a compreender os jogos com regras. Ascendendo a uma nova compreensão do outro, o grupo permite ao indivíduo perceber que a atitude de um interfere na atitude do outro, ou seja, o outro deixa de ser singular e suas ações passam a representar atitudes que foram deferidas no coletivo, numa determinada organização social, no grupo, na comunidade ou na equipe, o que dá ao mesmo indivíduo a unidade do Eu, o que Mead identifica como "o outro generalizado"10, e faz dessa identificação a estrutura central da socialização, definida como construção do Eu. Para Mead, o Eu (self), quando em construção, sempre corre o riscos.

A última etapa da socialização constitui-se quando eu me reconheço como parte de uma determinada comunidade. Para acontecer esse reconhecimento do eu é preciso que o

8 Mead e Cooley permitem ao interacionismo uma distinção quando esta concepção é comparada ao

interacionismo acrítico proveniente das décadas de 1920 e 1930 em Chicago, o qual naturalizava os fenômenos sociais e os assinalava de maneira determinista.

9 Mead, na sua obra intitulada Self, Mind and Society, é quem descreve pela primeira vez a socialização como

construção de uma identidade social (um self no termo utilizado por Mead) na e pela interação ou a comunicação com os outros. O self é entendido como “consciência de si”, “consciência auto-reflexiva”.

indivíduo se perceba como parte integrante do grupo, suas atitudes não podem ser passivas, que não simplesmente compreenda e aceite os valores do grupo o qual convive, mas lhe é necessário estar inserido ativamente nele, desempenhar um papel de serventia o qual seja reconhecido pelo grupo.

Dubar (1997, p.93) afirma que, para Mead, a socialização amplia-se ao mesmo tempo em que a individualização, pois, quanto mais eu sou “eu mesmo”, melhor sou integrado no grupo. Sendo importante percebermos o duplo movimento pelo qual os indivíduos se apropriam subjetivamente de um mundo social. Nas palavras do próprio Dubar:

é neste processo que intervém uma dialética mesmo um

desdobramento entre o "eu" identificado pelo outro e reconhecido

por ele como membro do grupo (faço parte da equipe de futebol) e o "eu" que se apropria de um papel ativo e específico no seio da equipe e "que reconstrói ativamente a comunidade a partir de valores particulares ligados ao papel que assume" (eu guardo a rede, faço ganhar a equipe não deixando entrar gol por desleixo) (1997, p.93) (grifo do autor).

Quando me reconheço como parte integrante do grupo, percebo meu papel em determinada equipe, me afirmo positivamente enquanto integrante, passa existir um equilíbrio entre as faces do eu, e é desse equilíbrio que depende a tomada de consciência da identidade social, assim como o êxito do processo de socialização, ou seja, se consigo afirmar meu eu, de modo mais perfeita, incorporo-me ao grupo.

Berger e Luckman, citados por Dubar (1997, p.94 a 100), apresentam a socialização primária e a secundária e conduzem a uma articulação entre elas. Percebem que primária inicia no mundo vivenciado, a partir dos saberes que seus atores constroem, configurando uma percepção dialético-idealista, em que homem e mulher fazem parte da gênese da

sociedade e, assim, também são produtos dela. Afirmam que existem papéis sociais firmados, condutas pré-definidas, nas quais se passa pela absorção do saber de base. Portanto, o ser humano está em sociedade quando participa da dialética dela, tendo em vista que a sociedade é objetiva e subjetiva. Através do aprendizado, permitem-nos absorver normas, códigos, regras do “eu” e do mundo, as quais possibilite o desenvolvimento dos papéis sociais.

Os autores, em sua análise, buscam propor a dupla hipótese: "a socialização nunca é completamente conseguida", e "a socialização nunca é total e nem acabada". Definem esta de forma provisória, como interiorização de submundos institucionais especializados, "é aquisição de saberes específicos e de papéis direta ou indiretamente enraizados na divisão de trabalho” (1985, p.96), fazem uso da incorporação de saberes específicos os quais chamaram de saberes profissionais que integram novos saberes.

No tocante à socialização secundária, os autores a definem da seguinte maneira: “interiorização de submundos institucionais especializados” e “aquisição de saberes específicos de papéis direta e indiretamente enraizados na divisão de trabalho” (apud Dubar, 1997, p.96). Na compreensão de Dubar, a socialização secundária corresponde a “saberes especializados – que chamaremos de saberes profissionais” (1997, p.96) (grifo do autor).

Dubar afirma que, "na problemática que envolve a articulação da socialização primária com a secundária, a reprodução social das identidades aparece como resultado entre muitos outros" (1997, p.96). Destaca que, quando ocorrem transformações na identidade vindas da socialização primária (saberes de bases) e que tais mudanças foram provocadas pela socialização secundária (saberes profissionais), há um abalo nas relações

entre "mundos gerais” e "mundos especializados". Se a socialização secundária não reproduz a primária, envolve a necessidade de uma mudança (ruptura), dupla-mudança de mundo e mudança de identidade. Para que isso ocorra, é necessário uma separação de "identidade real" e "identidade virtual", técnicas especiais que assegurem uma forte identificação e que tenham forte compromisso pessoal, um processo de iniciação, com o envolvimento dos socializados, que permita a mudança de casa, a ação contínua de um “aparelho de conversação" visando manter, modificar e reconstruir a realidade subjetiva, "transformar o mundo vivido pela modificação da linguagem". A existência de uma estrutura de plausibilidade ou de uma instituição mediadora, "o laboratório de transformação", permitindo a conservação de uma parte da identidade antiga, acompanhando a outros significativos novos, percebidos como legítimos (Dubar, 1997, p. 96-97).

Dubar aponta que a divisão inerente à identidade precisa ser esclarecida a partir da dualidade da sua própria definição: identidade para si e identidade para o outro. Estas são inseparáveis e estão unidas de forma problemática. Inseparáveis porque a identidade para si está permeada pelo outro e por seu reconhecimento. Eu só me reconheço a partir da percepção do outro. Problemática porque

a experiência do outro nunca é diretamente vivida por si... de tal forma que nos apoiamos nas nossas comunicações para nos informarmos sobre a identidade que o outro nos atribuiu... e, portanto, para tecermos uma identidade para nós próprios (Dubar, 1997, p.104).

Entendo que esse conflito identitário é bem presente em cada um de nós. Podemos até fazer idéia de como o outro nos vê ou de como vemos o outro, mas não podemos ter

certeza de que a identidade a qual imaginamos ser vista pelo outro coincida com a identidade que o outro realmente faz de nós.

Ainda segundo o autor, a identidade nunca é dada, está sempre em um processo de construção e reconstrução, passando por incertezas de maior ou menor duração. Afirma, ainda, que apesar de a identidade ser construída a partir do outro, eu posso não aceitar o que o outro me faz pensar de mim mesmo e definir-me de uma outra forma.

Para esclarecer, o autor aponta que existem categorias socialmente disponíveis, que são quase sempre legitimadas (nomeações, oficiais de Estado, profissionais, denominações étnicas, regionais, religiosas...). Dubar (1997, p.106) chama de “atos de atribuição” aqueles que, de alguma maneira, definem qual tipo de homem ou mulher você é, na identidade para o outro; e de “atos de pertença”, aqueles que definem que tipo de homem ou mulher você quer ser, na identidade para si mesmo.

Pode-se salientar que, a partir dessas definições de identidades, existem possibilidades de o indivíduo se definir, assim como pode ser definido pelo outro, podendo ser reconhecido de forma positiva ou negativa, bem como pode lutar para ser reconhecido de uma forma que mais lhe pareça justo.

Compreendo que a interação social do ser humano se dá mediante um caminho de construção individual e coletiva, tendo também como foco a defesa de posições políticas e éticas, as quais estão permeadas de valores, interesses e poderes; que de alguma maneira são provocadores ou não, nos permitindo inventar e reinventar a situação, o que nos permite, também, sermos atores e autores da sociedade, visto que somos, enquanto seres sociais, considerados o centro básico da mudança, o que me faz considerar relevante querer

compreender melhor a construção da identidade dos educadores, nas dimensões pessoal e profissional.

Diante disso, há que se destacar, primeiramente, aspectos concernentes à identidade pessoal e à social, que nos conduzem a uma leitura mais consistente da identidade profissional, tendo em mente que elas estão articuladas entre si.

A identidade pessoal remete para a percepção subjetiva que um sujeito tem da sua individualidade, abarca elementos como consciência de si e definição de si, enfim, é como a pessoa se vê. É um preceito de múltiplas identidades e localiza a sua opulência na disposição enérgica dessa variedade.

Quanto à identidade social, revela a preocupação objetiva e indica o conjunto de peculiaridades relacionadas, definindo o sujeito e permitindo identificá-lo do “exterior”. A identidade social está atrelada a valores que foram adquiridos socialmente e configura a maneira de se situar na vida social.

De uma maneira geral, o que se constata é que há uma constante associação entre identidades diversas, de modo que, mesmo havendo a fragmentação das identidades, conforme nos ensina Hall, elas não se encontram estanques, e prova disso é a permanente articulação entre as identidades pessoal e social, as quais também estão associadas, por sua vez, à identidade profissional, conforme é visto no item seguinte.