• Nenhum resultado encontrado

Capítulo II – A configuração da imagem poética

2.1 Considerações sobre a imagem poética

Na definição do que é a imagem literária e de como podemos perceber esses recursos na poesia, Tavares (1966, p.379) nos diz que: “A imagem é um tropo de linguagem, por similaridade, que se apresenta por meio de palavras ou expressões em sentido figurado e não-próprio”. Relata-nos ainda que

As imagens ordinariamente se assentam numa componente visual. Não que isso queria dizer, porém, que toda imagem seja visual. É interessante relembrar a classificação imagética feita por Charles Bally que, reconhecendo ser inexeqüível uma catalogação rigorosa e exata dentro dos fatos da linguagem, resumiu-as em três grupos principais:

a) Imagens concretas: Exemplo: O mar lança com suas ondas beijos à praia. Os elementos personificados tornam-se facilmente perceptíveis à imaginação.

b) Imagens abstratas ou mortas exemplo: O dólar baixou. Aqui dá-se apenas uma operação mental, não havendo imagem evocadora nem substrato de afetividade.

c) Imagens afetivas. Exemplo: “Ela há de me pagar”, isto é hei de vingar-me – construção essencialmente calcada no elemento afetivo. Tavares (1966, p.380)

Podemos evidenciar a presença de imagens concretas e em também afetivas em seus sonetos, como segue neste exemplo, em que são personificadas noite e pedras:

[...]A noite os olhos brandos lhes fechou... [...] O coração das pedras a bater.

Tavares (1966, p.379) ainda considera a imagem sob dois aspectos na arte literária:

o Sentido amplo, em que há a representação da realidade, sendo portanto toda ficção uma imagem.

o Sentido restrito, em que há uma representação verbal e estética de uma realidade que se faz por analogia clara ( a comparação) ou subtendida ( a metáfora). (Tavares 1966, p.379)

Quando considerada em aspecto amplo, a imagem pode conter em si as mais diversas figuras e tropos de linguagem. Enquanto que, em sentido restrito, para se representar estética e verbalmente uma realidade, serão usados como recursos as analogias, mais precisamente a metáfora e a comparação. É por isso que, em sentido restrito, muitos autores não diferenciam a imagem da metáfora.

Para se ter a imagem estética e literária, devemos tirar dela um valor expressivo, é o que nos afirma Tavares (1966, p.380):

As imagens, no sentido mais amplo e geral, consubstanciam os fatos da linguagem humana. E tão impregnadas estão uma da outra, que nem mais sentimos como imagens as contrações verbais de que nos utilizamos no nosso falar ou escrever diários. Assim quando dizemos: você é um amor, uma anjo; - isto é uma droga; - minha boa estrela [...]; já não percebemos no automatismo desses modos expressionais a essência imagética que os originou, a não ser quando somos tomados do propósito de uma análise intencional e reflexa. Daí também muitas imagens evoluírem para a frase feita ou lugar comum, despojando-se de qualquer valor estético ou literário, pois em relação à arte (rigorosamente falando) só haverá imagem quando dela se tira um valor expressivo.

Florbela produz imagens com os mais diferentes tipos de tropos e figuras tanto em sentido amplo, quanto restrito. As imagens produzidas em seus sonetos nos manifestam um valor expressivo. Vejamos fragmentos isolados de alguns sonetos:

[...] Sob urzes queimadas nascem rosas... (paradoxo)

(Charneca em flor – Florbela Espanca)

[...] erguer ao sol o coração dos montes (hipérbole)

(Não Ser – Florbela Espanca)

[...] ouve-se mais o gargalhar das fontes (sinestesia)

(Alvorecer – Florbela Espanca)

[...] Tenho o perfil moreno, lusitano,

E os olhos verdes, cor do Oceano (comparação)

(Lembrança – Florbela Espanca)

[...] Os meus gestos são ondas de Sorrento (metáfora)

(Contos de fadas – Florbela Espanca)

A imagem pode, portanto, ser definida como vulto, representação, figura real ou irreal produzida pela imaginação. Essa virá carregada de significações dentro da poesia. As palavras e/ou expressões, utilizadas para a produção de imagens, manifestam também valor psicológico. Paz (2003, p.37) alerta:

Convém advertir, pois, que designamos com a palavra imagem toda forma verbal, frase ou conjunto de frases, que o poeta diz e que unidas compõem um poema. Estas expressões verbais foram classificadas pela retórica e se chamam comparações, símiles, metáforas, jogos de palavras, paranomásias, símbolos, alegorias, mitos, fábulas, etc. Quaisquer que sejam as diferenças que as separam, todas têm em comum a preservação da pluralidade de significados da palavra sem quebrar a unidade sintática da frase ou do conjunto de frases.

Sobre a produção das imagens na poesia e como se constituem em discurso poético, Bosi (1997, p. 28) revela que

[...] a imagem final, a imagem produzida, que se tem do poema, a sua forma formada, foi uma conquista do discurso sobre sua linearidade; [...] Toca-se aqui um ponto essencial o da “imagem” frásica como um momento de chegada do discurso poético.

Podemos então dizer que a palavra imagem é, pois, uma representação mental, uma imitação pictural, uma cópia da realidade, também é uma metáfora.

A imagem literária é um fenômeno que implica interrogação sobre a realidade. Lefebve (1980, p. 136) define imagem literária como imagem fascinante e nos explica que “A imagem fascinante consiste, pois, no fenômeno pelo qual o objeto de nossa consciência, seja qual for, se vê subitamente posto

em dúvida na sua realidade e na sua presença.” Lefebve expõe ainda que “Na

imagem fascinante, a realidade ( perceptiva ou psíquica) que passava despercebida, torna-se problema e surge assim presentificada. Essa presentificação é que faz nossa fascinação.” A imagem é então ambígua, pois admite várias significações, dependendo do momento em que é lida ou interpretada pelo leitor.

a) imagem espontânea: duas sensações que nos vêm do mesmo objeto habitualmente coincidem desajustadas uma em relação à outra;

b) autômato, máscara, fantástico. Entende-se por autômato a imitação nunca perfeita; por máscara o domínio do oculto, desajuste entre uma presença e uma ausência, o que nos é dado ver (sabemos que é falso) e o que devemos imaginar por detrás disso; e por fantástico, o domínio da arte. É uma figura respeitante ao referente, é uma metáfora de certa maneira objetiva. O que parece produzir-se. É irrealidade material que se altera (objeto monstruoso) ou simples imagem de um sonho (alucinação que adquire caracteres reais e se torna objeto visível, palpável);

c) quadro: domínio da arte, imagem-tipo, figura, linguagem icônica ( linguagem que se assemelha à linguagem propriamente dita).

A imagem é metáfora, representação, não apenas imitação, ela sempre gera ambigüidade. Para Paz (2003, p.38-39), “ O poema não diz o que é, e sim o que poderia ser. Seu reino não o do ser, mas o do ‘impossível verossímel’ de Aristóteles. [...] Em suma, também para a dialética, a imagem constitui um escândalo e um desafio, também viola as leis do pensamento.”

O poeta constrói suas imagens e cabe ao leitor entendê-las ou muitas vezes recriá-las. Paz (1980, p. 44-45) ainda afirma que

Cada vocábulo possui vários significados, mais ou menos conexos entre si. Esses se ordenam e se precisam de acordo com o lugar da palavra na oração. [...] Assim a unidade da imagem deve ser algo mais que meramente formal que se dá nos contra-sensos e em geral em todas as proposições que

não significam nada ou que constituem simples incoerências.[...] o poeta faz algo mais do que dizer a verdade, cria realidades que possuem uma verdade, a da sua própria existência [...] esta verdade estética da imagem só vale dentro de seu próprio universo.

Documentos relacionados