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CONSIDERAÇÕES SOBRE O ETHOS DISCURSIVO DE KÉFERA

3. O FENÔMENO YOUTUBER

3.1 KÉFERA BUCHMANN

3.1.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE O ETHOS DISCURSIVO DE KÉFERA

Em síntese, a análise de discurso dos vídeos selecionados evidenciou que os modos de fala empregados por Kéfera tendem a imprimir em sua imagem tais características principais: humildade, espontaneidade, autenticidade e incoerência, que somados levam à humanização e ao humor.

Nos momentos em que Kéfera interage com outros em seus vídeos, sobretudo nos de formato daily vlog, nota-se uma desierarquização. Sua relação com sua mãe não obedece à estratificação cultural convencional e o modo como interage com sua equipe no teatro também não segue o protocolo profissional. Mãe, diretor da peça, segurança, sua amiga Bruna Louise e a fã que acabara de conhecer, todos viram objetos de suas piadas de humor escrachado. Com isso, Kéfera denota ser autêntica, sempre a mesma em todos os tipos de relação e contextos, mas também humilde, uma vez que escapa do estereótipo da estrela arrogante, que pressupõe que a tratem com distinção. A humildade de Kéfera também é ressaltada no vídeo de cunho confessional em que recebe homenagens pelos cinco anos do canal, no qual ela própria acaba por homenagear aqueles que estão a homenageando.

A espontaneidade é construída a partir de seu estilo verborrágico, sua fala sem pausas (ou com pausas bem situadas, indicando pensamento) que cria a sensação de sinceridade, de alguém que não segue um roteiro, e sugerem até mesmo um ato terapêutico. Seus erros de fala, mantidos e até mesmo ridicularizados por ela e pela edição, corroboram com isso, estruturando a ideia de uma pessoa que fala sem fazer uma triagem entre o que pensa e o que diz. Combinados, geram efeito de espontaneidade semelhante ao observável em conversações do âmbito cotidiano, tecidas entre pessoas com relações próximas, e denota uma baixa preocupação com a fachada. A ideia de quebra da fachada (há muitos momentos em que Kéfera ri de seus próprios erros), isto é, não usar de artifícios para tentar parecer o que não é, é manipulada para criar conexão, cumplicidade e, com isso, uma outra fachada, a fachada descontraída. “Eu sei que eu nunca falo sério” afirma ela em um dos vídeos, relembrando e reforçando essa fachada por ela eleita como oficial.

Manipulada, pois, como se percebe, a edição se utiliza de diversos recursos na intenção de criar uma fachada que não se apresente como politicamente incorreta (exemplificado pelas

alterações que fazem Kéfera adquirir a semelhança de um demônio), mas que também não construa a ideia de um ser humano perfeito e completamente polido (o que é ilustrado pelo relevo dado a seus erros e pérolas). Em diversos momentos, a própria youtuber aparece preocupada em manter sua fachada de descontração e expressa isso em palavras, caretas e teatralizações, além do recurso de mostrar sua cadela Vilma Teresa para desconstruir a tensão quando ela acredita que o conteúdo do vídeo está “chato” ou mesmo que possa aborrecer seus fãs.

Desta forma, Kéfera oscila entre opostos gerando uma contradição que chamamos acima de incoerência. Preservando sua fachada de youtuber descontraída consumida por um público que varia entre a infância e a adolescência, Kéfera, entretanto, também não se priva de manifestar suas opiniões mais polêmicas ou liberais. Podemos traduzi-la como uma menina desbocada, mas “de família”, que apesar de abordar assuntos considerados tabu em nossa sociedade (sexo, corpo, pelos, escatologia) e falar muitos palavrões, traça um limite entre o público e o privado, nunca colocando sua intimidade realmente em exposição, como acontece nos vídeos Minha Primeira Vez e Gordinhas, magrinhas e aceitação do corpo. Até mesmo em vídeos que se utilizam fortemente do recurso confessional, Kéfera narra episódios de sua vida que, de tão incomuns ou absurdos, parecem irreais, verdadeiras piadas. Em alguns casos, como observamos nos comentários, a veracidade de tais narrativas não consegue ser comprovada.

De todo modo, Kéfera encontra um meio termo entre o conservador versus o inovador. Em seus discursos analisados, verificamos as antíteses: Feminismo e empoderamento feminino x Gordofobia e Inimizade feminina; Liberdade sexual x Restrição moral da sexualidade; Pouca cultura x Alta cultura (apologia ao teatro e às artes de elite); Agressividade x Paz; Generalização x Subjetivação; Espontaneidade x Caretas e Teatralizações.

A incoerência de Kéfera, adicionada de suas crises com o corpo e com suas próprias (in)capacidades, como cita, gera identificação, sobretudo com um público mais adolescente, acostumado a experimentar essas crises com mais intensidade. O fato de Kéfera se apresentar ela mesma como uma jovem em crise a humaniza e com isso a aproxima da realidade vivida por sua audiência. No entanto, ela também aponta uma saída: ser autêntica. O que é, de fato, observado em sua postura rebelde, nos palavrões e metáforas sexuais, e nos temas tabu que escolhe abordar. Assim, a mensagem que carrega é a de que cada um deve acolher sua própria inadequação (seja ela ser gorda, desbocada ou nada feminina), em um abraço a seu verdadeiro eu.

O discurso de Kéfera se vale de opiniões do senso comum, que lhe servem como alicerce. Assim, ela corrobora com algumas visões conservadoras e até mesmo machistas e

gordofóbicas. Nessa etapa, ela se aproxima da grande massa com opiniões afins às convencionadas socialmente. Ganhada a atenção e/ou o gosto do público, a youtuber lança as sementes de pensamentos mais progressistas, como o feminismo, por exemplo. Mesmo que minimamente, o discurso de Kéfera é polêmico por implodir um modo de pensar.

O êxito dessa estratégia de discurso fica evidente no painel que exibe os vídeos mais populares de seu canal que tratam em abundância do tema sexo (8 dos 24 primeiros vídeos elencados), com fotos provocativas de Kéfera em êxtase ou títulos que a colocam na posição de uma mulher “depravada” ou “mulher-objeto”, cuja vida sexual é um livro aberto de domínio público (Figura 36).

Figura 36 – Vídeos “Mais Populares” do canal 5inco Minutos no YouTube.

Fonte: <https://www.youtube.com/user/5incominutos/videos?flow=grid&sort=p&view=0>. Acesso em: 09/11/17.

Como exemplo, neles, Kéfera faz uso de uma informação primária conservadora, que a coloca como uma mulher-objeto às vistas de um público que busca por conteúdos em que a mulher é encarada dessa forma por excelência. Em contrapartida, ao acessar o conteúdo do vídeo, o que se observa é o contrário: opiniões que contestam um estilo de vida em que a

sexualidade é a principal questão, sendo contra a hiperssexualização com que a mulher é comumente tratada em discursos de mídia.