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2. A WEB 0 E A NOVA TERRITORIALIDADE

2.2 YOUTUBE: VEÍCULO DE ENTRETENIMENTO OU COMUNIDADE?

2.2.2 MAPAS DESCRITIVOS INICIAIS

Como enfatizado no início deste subcapítulo, nossa intenção neste momento era a de descrever e analisar o ambiente de rede social que nos serve de locus: o YouTube. Por meio da abordagem de observador, nos posicionamos no interior deste território para que pudéssemos extrair dele considerações densas acerca das questões ali envolvidas e desenvolvidas. Este processo perdurou por cerca de doze meses.

Alinhando-nos ao trabalho da pesquisadora Débora Zanini (2016), optamos por fazer o registro etnográfico do que foi percebido no site de rede social YouTube por meio da utilização dos mapas descritivos iniciais. Esses mapas têm origem nos estudos clássicos de Schatzman e Strauss (1973), e Zanini (ibidem) inspirou-se neles, atualizando-os para a realidade de uma

etnografia digital.

Mapas descritivos iniciais porque traçam um panorama geral inicial, fornecendo ao pesquisador uma ideia básica do ambiente que se está estudando, para que, então, ele possa reconhecer situações que, antes de iniciar a pesquisa, não eram imaginadas e partir para o exame dos objetos que se inserem nele – em nosso caso, as pessoas que ali circulam produzindo vídeos, congregando audiências e se tornando celebridades – de maneira mais consciente.

De acordo com a autora, esses mapas se subdividem em três: o Mapa Social, o Mapa Espacial e o Mapa Temporal. Cada um visa responder a características próprias de cada camada que compõe a esfera total do circuito de funcionamento da rede. Grosso modo, o mapa Social, por exemplo, busca descrever a população habitante e as relações que estabelece entre si neste meio; o Espacial se atenta para características geográficas da rede, tais como seu tamanho, abertura de fronteiras e as configurações espaciais que se observam na interface; e o Temporal detalha a historicidade da rede, o contexto em que surgiu, seu tempo de existência, suas rotinas e fluxos.

Ao longo deste subcapítulo (2.2 YouTube: veículo de entretenimento ou comunidade?), descrevemos o ambiente de modo a responder – mesmo que isso não tenha sido anunciado explicitamente – às perguntas suscitadas por cada mapa ora enfatizando questões do social, ora do espacial e ora do temporal, e outra vez retornando ao social, de modo que o texto fosse capaz de fluir para um entendimento mais aprofundado do YouTube, não só enquanto espaço, mas também como meio de comunicação e indústria midiática, pontos que nos são necessários para entender as formas do star system que se constrói nessa realidade digital. Desta forma, nos pareceu mais adequado organizar os Mapas Descritivos agora (Tabela 2, abaixo), de maneira a sintetizar tudo o que foi perpassado nesta observação.

Tabela 2 – Mapas Descritivos do ambiente YouTube.

MAPA SOCIAL População total Mais de um bilhão de usuários, o que representa quase um terço dos usuários da internet59. De acordo com dados internos do YouTube60, à nível global, 1,5 bilhão de pessoas logadas acessam o site todo mês. Outro dado da comScore aponta que, no Brasil, são 98 milhões de perfis conectados,

59 Informação divulgada pelo próprio YouTube. Disponível em: <https://www.youtube.com/intl/pt-

BR/yt/about/press/>. Acessado em 19/10/2017.

60 Os dados são referentes ao período de janeiro a junho de 2017. Informação do Think With Google. Disponível

“95% da população online acessa a plataforma pelo menos uma vez por mês”61.

Quantidade de canais ativos Não há informação oficial disponibilizada62.

Faixa etária predominante Não há informação oficial disponibilizada.

Gênero predominante Não há informação oficial disponibilizada.

Possibilidade de identificação dos perfis

Existente.

Grandes temas debatidos na rede

No YouTube Brasil são: Lazer, Consumo, Educação, Político-social e Apoio (ver mais sobre isso na Tabela

1, p. 99-101 deste trabalho). De

acordo com nossa pesquisa, inserido na categoria Lazer, o gênero Confessional se destaca dentre os demais (ver Gráfico 1, p. 102). Principais usuários da rede Youtuber ou creator – quem

desenvolve o conteúdo em vídeo;

Inscrito – usuário que se cadastra no

site e se inscreve no canal alimentado

pelo youtuber; Participante periférico – interage por meio de

visualizações, podendo ou não estar inscrito ou mesmo cadastrado no site. Hierarquias Existente. Os youtubers que figuram

no topo da pirâmide social do site são constituídos por sua popularidade expressa em números: “número de inscritos de um canal” ou “número de

61 Disponível em: <https://www.thinkwithgoogle.com/intl/pt-br/youtubeinsights/2017/de-play-em-play/>.

Acessado em 13/12/2017.

62 Sobre tais informações não disponibilizadas, cabe explicar que houve questionamento de nossa parte através do

envio de um questionário de perguntas estruturadas repetidamente encaminhado aos canais de comunicação da empresa. No entanto, não obtivemos resposta.

visualizações de um vídeo”. O site sustenta essa estratificação pois extrai dessa popularidade sua receita. Assim, segmenta criadores de conteúdo a partir de seu número de inscritos, fornecendo benefícios aos que tem mil inscritos. Benefícios esses que se expandem à medida que o número de inscritos também cresce. Dominação Rede permanentemente aberta para

entrada de novos usuários e para sua livre ascendência por meio da sustentação promovida pela audiência (capital social).

Diversidade Existente. O espaço é livre para todos e o fato de ser gratuito e popular entre as audiências atrai usuários distintos que cocriam um ecossistema plural. Possibilidade de interação Existente.

MAPA ESPACIAL

Formato de postagem Vídeos (em especial a produção feita em formato vlog).

Tipos de interação Vídeos; Inscrições; Botões “Gostei” e “Não Gostei”; Comentários; Discussões; e até mesmo as visualizações dos vídeos podem ser assim classificadas, uma vez que retornam algo para o usuário que postou o vídeo.

Descrição do ambiente Aberto. Até mesmo internautas não cadastrados no site têm acesso ao conteúdo geral lá disponibilizado. Delimitação do tamanho

espacial

Rede ego-centrada – a partir de cada canal forma-se uma rede. Veremos mais sobre isso a seguir.

Unidade básica de pessoalização do ambiente

MAPA TEMPORAL

Permanência da rede 13 anos. Contexto em que surgiu a

rede

Contexto de experimentação e eliminação das barreiras para o compartilhamento de conteúdos audiovisuais na internet. Web 2.0. Histórico Surgiu em 2005. Sendo comprada

pela Google Inc. em 2006. Segundo

site mais acessado da internet

mundial.

Rotina de postagens Quatrocentas (400) horas de material enviado a cada minuto.

Fonte: elaboração da autora.

Nota-se que, por ser egocentrada, é adequado partirmos de um único perfil (canal) para se analisar o todo. Desta forma, cada perfil situado no YouTube agrega a si redes e, com isso, formas de territorialização distintas (veremos mais sobre isso adiante), que demandam a elaboração de mapas descritivos particulares. Ao analisar os canais de nosso corpus (os youtubers Whindersson Nunes e Kéfera Buchmann) esses mapas voltarão a ser empreendidos, para que possamos compreender as especificidades de cada um desses subterritórios que tem como origem as celebridades em questão e compará-los, de modo a encontrar o ethos do grupo.

Nesta parte do capítulo, observamos a dualidade do YouTube enquanto indústria de entretenimento guiada pela lógica do lucro e apoiada no contexto da Web 2.0 versus espaço de verdadeira prática comunitária oriunda de uma cultura participativa; e refletimos como esse paradoxo se sustenta mutuamente à medida que o afeto, a comunhão e o ser percebido se tornam um valor e, portanto, uma moeda de troca valiosa no mercado de mídia.

Em seguida, levantaremos a relação que essa constituição comunitária do YouTube tem com os conceitos de território e territorialidades, e como ela ajuda a conceber uma nova noção desses, atualizada pelo ciberespaço. A partir da próxima seção, então, introduziremos tais conceitos e sua importância para as relações de sociabilidade e poder que permeiam a nossa sociedade digitalmente interligada em um monobloco espaço-temporal.

2.3 TERRITÓRIOS E TERRITORIALIDADES DIGITAIS: O PAPEL