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Cuida-se, nesta parte do trabalho, de uma análise do evolver social do homem, em paralelo com as suas preocupações ambientais. Assim, sem o intento de contestar ou defender desbragadamente as teorias científicas da evolução das espécies, pode ser dito que não constituiu exercício ficcional afirmar que a preocupação com a preservação ambiental é contemporânea ou quiçá anterior à razão humana. Isto é verossímil em razão da constatação de que o homem primitivo, tirando da própria natureza o seu sustento e nela conseguindo o seu abrigo, sempre laborou no sentido de haurir o melhor proveito dos espaços que lhe fossem favoráveis à sua sobrevivência, incluindo aí, quanto possível, o elemento prazer, configurado nas noções intuitivas de conforto ambiental. Associar o local de caçar (e posteriormente de praticar a agricultura) com o espaço de abrigo para si e para os seus protegidos e aliados sempre foi uma das características do homem sociável.

Esse gérmem de conjugação do espaço ambiental como locus de comer e de morar continuou a progredir com a evolução do homem, de sorte a ser fundado, no final do Século Dezenove, o vocábulo ecologia, significando o estudo do inter-relacionamento de todos os sistemas – vivos ou não – da natureza. Não tardou para que essa versão científica atingisse as raias acadêmicas, firmando-se, de início, no campo da biologia, seguindo para a aquisição de contornos inter e multi disciplinares, de sorte a envolver vários segmentos do conhecimento humano e por isto mesmo reclamando uma crescente especialização.

Em que pese o avanço sentido, nesta quadra do viver social, a propósito da preservação ambiental, é certo que muito ainda há que ser feito para que se consiga, pelo menos, um estágio suportável entre desenvolvimento e meio ambiente equilibrado. Não é sem

razão que a preocupação com a qualidade ambiental anda de par com outra aflição da humanidade hodierna, que é a pobreza (descambando para a miséria). Vendo a junção de esforços para minimizar os efeitos deletérios da pobreza e da degradação ambiental, H. Jeffrey Leonard87 explica:

A pobreza corrente e a destruição ambiental ameaçam bloquear o progresso econômico e social, nas próximas décadas, em numerosos países em desenvolvimento. A pobreza persistente na periferia urbana e no interior de numerosos países de renda média, e a pobreza penetrante e a fome nos de renda mais baixa, limitam seriamente o crescimento econômico geral. As cicatrizes claramente visíveis deixadas pela destruição de recursos de floresta, solo e água em todo o mundo em desenvolvimento assinalam tanto o desperdício extremo de produtividade econômica já perdida quanto a redução do potencial produtivo desses recursos no futuro.

Registra-se, por oportuno, que este capítulo não tem o condão (e nem a intenção...) de trasmudar o foco do ensaio (o estudo da crise de eficácia, efetividade e eficiência do Direito Penal e o seu reflexo na proteção penal do meio ambiente), levando o homem para um desnecessário posicionamento central da questão, num antropocentrismo que não tem razão de ser, mercê da autonomia do bem jurídico ambiental. Isto porque, segundo Antonio Herman Vasconcelos e Benjamin88, cresce o espectro da tese de que uma das mais destacadas finalidades do Direito Ambiental é a proteção da biodiversidade, fauna e flora, “sob uma diferente perspectiva: a natureza como titular do valor jurídico per se, inerente a si mesma, vale dizer, exigindo, por força de profundos argumentos éticos, proteção independentemente de sua utilidade para o homem.”.

Não se pode negar que o caso brasileiro é de uma aparente opção constitucional pela proteção do meio ambiente como se fosse este uma espécie de apêndice ou vassalo dos interesses e necessidades do homem. É isso que pode ser extraído de uma leitura mais aligeirada da Constituição de 1988, quando consigna em seu art. 225 que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo “e

87

LEONARD, H. Jeffrey. Meio ambiente e pobreza: estratégias de desenvolvimento para uma agenda comum. LEONARD, H. Jeffrey (org). JUNGMAN, Ruy (trad.). Meio ambiente e pobreza: estratégias de desenvolvimento para uma agenda comum. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1992. p. 16.

88

BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcelos e. Objectivos do Direito Ambiental. Lusíada – Revista de

essencial à sadia qualidade de vida”. Tanto é assim que opiniões de respeito, como a de Celso Antonio Pacheco Fiorillo89, inclinam ao entendimento atropocêntrico da tutela constitucional do ambiente, afirmando que o direito material ambiental que exala da Carta Política diz respeito à existência de uma relação jurídica vinculante da pessoa humana aos chamados bens ambientais. E, dando ênfase à “qualidade de vida” gizada no predito art. 225, afirma que estes, os bens ambientais decorrentes daquele comando constitucional, aliados aos princípios fundamentais “são aqueles reputados essenciais à sadia qualidade de vida da pessoa humana

no âmbito do que determina a Constituição Federal, ou seja, essenciais à sadia qualidade de

vida de brasileiros e estrangeiros residentes no País.”.

Novamente sem o intento de conduzir o presente trabalho a uma profunda análise filosófica acerca do elemento “vida”, não é possível negar-se que o socorro ao esclarecimento do alcance de tal palavra pode advir da Filosofia, em cujos sítios a expressão vida alberga um conceito de numerosas faces, já que pode referir-se “ao processo em curso do qual os seres vivos são uma parte; ao espaço de tempo entre o nascimento e a morte dum organismo; a condição duma entidade que nasceu e ainda não morreu; e aquilo que faz com que um ser vivo esteja… vivo. Metafisicamente, a vida é um processo constante de relacionamentos.”90.

Assim, atreve-se a conjectura de que a expressão “vida”, lançada no pórtico de uma parcela tão importante da Carta de 1988, em capítulo dedicado exclusivamente ao meio ambiente, não pode ser lida com o imaginário acréscimo de “vida humana”. O todo, o ambiente, é a vida tutelada pela Constituição. Nesta tutela, obviamente, está contemplado o homem. Nesse “todo”, contempladas foram também as futuras gerações (princípio intergeracional) da vida (e não somente da vida humana).

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FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Princípios de processo ambiental. São Paulo: Saraiva, 2004. p.36 90

4.2. A importância da tutela jurídica do meio ambiente como