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A importância da tutela jurídica do meio ambiente como instrumento de preservação

Conquanto se tenha afirmado, linhas acima, que não existe espaço neste ensaio para a inserção do homem no centro das atenções, vez que o móvel deste trabalho distancia-se do antopocentrismo para dar privilégio à questão ambiental e aos seus contornos de ordem penal, seria ingênuo excluir o ser humano desta discussão. Em suma, o homem, nesta análise, não é o todo, mas é muito sem ser demais. E tanto é assim que Néstor Antonio Cafferatta91 cuida do assunto sem radicalismos, ao afirmar que sendo a salubridade do ambiente uma condição para o desenvolvimento da pessoa, é cada vez maior a tendência a reconhecer no direito ao ambiente um autêntico direito da personalidade, ao qual qualifica como integrante dos Direitos Humanos de terceira geração92.

De moderação também é a lição de José Guimarães Duque93, ao analisar a interação do homem com o ambiente que o rodeia:

Uma aglomeração humana vive, em sua região natal, mediante uma adaptação empírica ou intuitiva, adquirida através dos anos ou de geração, com o solo, o abrigo, o clima, o trabalho, etc. Para garantir a sua perpetuidade, uma comunidade humana precisa viver em harmonia com o código da Natureza do seu meio. As transgressões ao jogo harmonioso das forças naturais importam em penalidades que primam pela crueldade e imutabilidade. Se a terra é desnudada, a erosão aparece com o empobrecimento do solo, as inundações, etc., e o resultado é a fome e o perecimento da população não importando quem tenhas sido o causador do desastre.

O homem não é livre no meio ecológico que ele bem conhece porque o solo é instável, nasce, vive e morre conforme a proteção , o repouso que se lhe dá em retribuição à entrega generosa da sua fertilidade.

A adaptação dos seres vivos ao ambiente é requisito fundamental para a sobrevivência, porém o seu sincronismo funcional ou o ‘modus operandi’ acompanha as variações edafoclimatéricas de cada região.

Pode ser dito, pois, que este estudo está comprometido muito mais com o que o homem pode fazer pelo meio ambiente do que como o meio ambiente pode servir ao

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CAFFERATTA, Nestor Antonio. Introdución al Derecho Ambiental. Buenos Aires: Semarnat/INE/PNUMA, 2004. p. 22.

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Ob. op. cit., p. 24. 93

DUQUE, José Guimarães. Solo e água no polígono das secas. 5ª. edição. Coleção Mossoroense, volume CXLII. Brasília: CNPq, 1980. p. 19.

homem. E foi assim alinhada que Jacqueline Morand-Deviller94 resenhou a evolução recente do Direito Ambiental, saindo do ideário iluminista de “senhor e possuidor da natureza” (Descartes) e titular do direito de gozar e dispor das coisas da maneira mais absoluta (art. 544 do Código Napoleônico) para a subordinação ética ao provérbio africano, segundo o qual “não é mais o homem o senhor da terra, mas a terra é que é a senhora do homem”95 e à sabedoria indiana que estabelece que “nós não vamos herdar a terra dos nossos ancestrais, mas vamos emprestá-la aos os nossos descendentes”96.

Esse afastamento do antropocentrismo, mas sem excluir o homem dessas preocupações está consentâneo com lições já sedimentadas, como as de Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy97:

Para os mais conservadores, protagonistas de um ambientalismo pouco profundo (shallow environmentalism) a proteção ambiental decorre do fato de que a natureza tem valor instrumental para nós, seres humanos; trata-se da concepção dominante (2). A esse intenso antropocentrismo contrapõe-se um biocentrismo insurgente, que reconhece direitos intrínsecos à própria natureza, hostilizando o pragmatismo de matiz humanista (3). Conotações mais sociológicas denunciam o uso do ambientalismo por parte de injunções políticas orquestradas para a captação de recursos externos e de simpatias ensejadoras de votos, prestígio, poder (4).

Da mesma sorte a opinião de Nicolao Dino de Castro e Costa Neto98, recusando o “antropocentrismo excludente”99 e afirmando que a opção feita em prol da natureza não se confunde com uma desclassificação da espécie humana, mas é a compreensão de que “enquanto atores de um mesmo cenário biótico, cabe aos seres humanos a adoção de

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MORAND-DEVILLER, Jaqueleline. L’environnement et le droit. Paris: Librarie Générale de Droit e de Jurisprudence, E.J.A., 2001. p. 2.

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“Ce n’est pas l’home qui est maître de la terre, mas la terre qui est maître de l’home”. 96

“Nous n’avons pas herité la terre de nos ancêtres, nous l’avons emprunteée à nous enfants”. 97

GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Fundamentos filosóficos do Direito Ambiental . Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 466, 16 out. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5795>. Acesso em: 22 abr. 2006.

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COSTA NETO, Nicolao Dino de Castro e. Proteção jurídica do meio ambiente. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 31.

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A propósito do antropocentrismo excludente, expõe Nicolao Dino de Castro e Costa Neto: “Na vertente antropocêntrica excludente, a natureza possui valor essencialmente instrumental. Se, porém, considerarmos uma postura ‘biocentrica holista’, será possível sustentara que os ecossistemas são detentores de valor intrínseco. Mas daí surgiria a indagação sobre a efetiva existência de valor que transcenda os seres sencientes. Existirá valor além do homem e, ainda , além dos seres sencientes?”. (ob. op. cit., p. 26).

uma interpretação ecológica e uma postura ética que ultrapassem a posição egoística de que a natureza se presta apenas à satisfação das suas necessidades.”.

Apesar da constatação de que certos agrupamentos de estudos e de discussões acerca da questão ambiental por vezes vêem os problemas ambientais apenas pelo discutível ângulo da “natureza intocada’’, configurando assim um núcleo de preservacionistas radicais, outros grupos enxergam o problema ambiental com sendo essencialmente social, buscando soluções para a preservação do meio ambiente para tê-lo como patrimônio da sociedade, imprescindível ao bem-estar do homem. Incluas-se, nesse quadrante, o conforto ambiental incontornável na vida em urbe, cuja racionalidade é lembrada por Sylvio Loreto100: “O processo de urbanização não pode ocorrer com o sacrifício de valores humanos, por mais insignificantes que pareçam ser. Não pode se apoiar em nada que traga prejuízo à condição de vida. Não pode ocorrer a partir do sacrifício do bem social, de danos à natureza, de destruição da memória nacional, e de nenhuma forma de injustiça”. É justamente nesse espaço sociocultural e histórico que aparece o Direito como ciência preocupada e voltada para as questões ambientais, ora acompanhando as abordagens mais privatísticas dos problemas, ora deixando mostrar o caráter transindividual e público dos males que atingem o meio ambiente, comprometendo a existência da vida humana e a preservação dos próprios recursos naturais.

4.3. Lineamentos da proteção penal do meio ambiente, nos limites do