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Trata-se, neste ponto, do princípio do desenvolvimento sustentável, também aclamado como princípio do desenvolvimento sustentado, deveras importante na área de planejamento econômico, seara onde se impõe a partir da advertência da inexorabilidade da exaustão dos recursos naturais, desde que estes não sejam corretamente manejados, ainda que para servir ao crescimento qualitativo e quantitativo dos meios de produção e de serviço.

Dito princípio tem crescido em prestígio a partir da Conferência de Estocolmo (1972), configurando mesmo uma autêntica norma de conduta, segundo a qual a modificação da natureza através da sua apropriação ou através de emissões somente é possível quando imprescindível para a manutenção da vida humana ou para a preservação de outro valor básico, ou quando ficar demonstrado que essa apropriação não impedirá a reprodução

dos recursos naturais, advindo a conclusão que a sustentabilidade é um princípio válido para todos os recursos naturais renováveis.

E desde a edição da Conferência de Estocolmo que a questão ambiental passou a dar presença de forma mais pronunciada nos afazeres do mundo moderno. Não como uma romântica abordagem de proteção a determinado setores da natureza, quiçá por excentricidade ou caridade, mas sim pela crescente certeza de que o celeiro de recursos naturais, já esgotados nos países chamados de Primeiro Mundo, tendia a se exaurir também nos outros rincões do planeta. A industrialização desenfreada do hemisfério norte gerou um preço social muito alto, desde a incorreta repartição de rendas até o exaurimento dos recursos de difícil ou impossível renovação, implicando, tudo isso, num decréscimo da qualidade de vida. Daí a inevitável preocupação, encetada pelos poderosos, para que a Terra não fosse transformada em uma porção absolutamente inóspita.

Mesmo que sejam timbradas de razoabilidade as críticas de teor ideológico, voltadas contra o atual estágio de perigo ao qual foi relegada a humanidade, em decorrência do incorreto gerenciamento das fontes convencionais de desenvolvimento (indústrias, agricultura mecanizada, produção alternativa de energia, superpopulação etc.) a cargo do capitalismo (inclusive o capitalismo de Estado maquiado por outros bandeiras), não é possível ocultar que em boa hora o mundo despertou para a importância do desenvolvimento sustentado, aprendendo como lidar com as externalidades negativas da produção de riquezas, buscando minimizá-las, pelo menos, quando não possível extirpá-las. Mesmo a gestão estatal não está ausente dessas preocupações, pois, “entre o puro liberalismo dos meios de produção e consumo pregados por Adam Smith no Século Dezoito e o Estado Social idealizado por

Karl Marx, tem preponderância, hoje em dia, o que Leon Duguit chamou de ‘Estado do Bem- Estar’.”172

Não se nega, também, que a Declaração extraída da Conferência de Estocolmo não chegou a conclusões definitivas acerca do tema ambiental, tanto pela falta de adesão significativa dos países ricos à idéia (espantados com a possibilidade de superposição dos valores ambientais aos valores do capitalismo), como pela desconfiança que os países pobres ou em vias de desenvolvimento demonstraram em relação ao conjunto de providências sugeridas, temerosos de entraves no seu crescimento. Apesar de tudo, bons dividendos advieram da divulgação do comentado ideal, tais como a consolidação do conceito-princípio do desenvolvimento sustentado.

O progresso orientado por essa harmonia entre desenvolvimento e compatibilidade ambiental surtiu efeitos junto à Assembléia Geral da ONU, que em 1983 encomendou a uma comissão presidida pela então Primeira-Ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, um estudo acerca das alternativas para um desenvolvimento comprometido com a preservação do meio ambiente. Dos estudos levados a cabo pela referida comissão, adveio o chamado Relatório Brundtland (1987), que findou por se constituir no primeiro e mais alentado documento internacional voltado para o tema em comento, englobando abordagens que vão desde o controle da natalidade, a pobreza e a repartição de renda, findando por tratar das questões ambientais propriamente ditas.

É no Relatório Brundtland que o desenvolvimento sustentável é definido como “um processo de transformação no qual a exploração dos recursos, a direção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se harmonizam e reforçam o potencial presente e futuro, a fim de atender às necessidades e

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CARVALHO, Ivan Lira de. A criminalização de ilícitos praticados por particular contra a administração pública – O descaminho de mercadorias. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 4, n. 14, pp. 215-219, abr.-jun./96.

aspirações humanas”, conforme leciona Cristiane Derani173. Lembra ainda a referida autora que ao redor do conceito de desenvolvimento sustentável foi criada uma norma de conduta, segundo a qual a modificação da natureza, através da sua apropriação ou através de emissões, somente é possível quando imprescindível para a manutenção da vida humana ou para a preservação de outro valor básico, ou quando ficar demonstrado que essa apropriação não impedirá a reprodução dos recursos naturais, advindo a conclusão que a sustentabilidade é um princípio válido para todos os recursos naturais renováveis174.

Com a publicação do Relatório Brundtland muitos Estados foram estimulados a formular políticas públicas de desenvolvimento considerando a questão ambiental como importante. Também com o advento do referido relatório muitas organizações não-governamentais ganharam espaço político para firmar posições em prol do respeito ao meio ambiente como extensão do respeito devido ao próprio homem.

Ainda como fruto da Conferência de Estocolmo, ocorreu no Rio de Janeiro, em 1992, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92) que consagrou, em dois dos seus princípios, o desenvolvimento sustentável como regra para os Países que viessem a adotá-la. No Princípio 3 está consignado que o desenvolvimento deve ser promovido de forma a garantir as necessidades das presentes e futuras gerações. No Princípio 4 está dito que a proteção ambiental deve ser considerada parte integral do processo de desenvolvimento.

Assim, a Declaração do Rio de Janeiro deu seqüência, consolidando em um documento de respeito mundial, o princípio do desenvolvimento sustentável que já havia sido positivado entre nós em 1988, quando insculpido foi no caput do art. 225 da Carta Política de 03 de outubro daquele ano, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, como bem de uso comum do povo,

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DERANI, Cristiane, op. cit., pp. 126 a 127. 174

para as presentes e para as futuras gerações (neste último particular sagrando o princípio intergeracional).

A importância da efetividade desse princípio pode ser sentida no aspecto prático, pois é com fundamento nele, por exemplo, que se exige a realização de estudo de impacto ambiental para a realização de empreendimentos potencialmente vulneradores do meio ambiente, advindo dessa análise o RIMA (Relatório de Impacto Ambiental), tudo com o apoio positivo do que consta no art. 225 § 1º, da Constituição Federal.

Quanto à importância do princípio do desenvolvimento sustentável para o Direito Penal Ambiental, deve ser considerado que o referido princípio tem expressa previsão no artigo-pórtico do capítulo VI da Constituição, que versa sobre o meio ambiente, e que a Carta Política seguiu prestigiando este princípio quando expôs a sanções penais (independentemente das sanções civis e administrativas) às condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente, perpetradas por pessoas físicas ou jurídicas (art. 225, § 3º). Essa previsão constitucional abriu espaço para a edição da Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, a chamada Lei dos Crimes Ambientais.