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4 PERCURSO TEÓRICO DA AD

4.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O OBJETO DA AD: O DISCURSO

O discurso é o principal escopo de interesse dos estudos da Análise do Discurso; objeto de análise que relaciona o linguístico com o extralinguístico, ou seja, a língua, o sujeito, o sentido e as condições históricas em que este é produzido. Assim sendo, a Análise do Discurso (AD) não concebe a interlocução discursiva apenas como um meio que transmite informação, mas um espaço em que os sujeitos podem interagir de forma que haja uma relação entre o sujeito, o discurso, a ideologia e o mundo. Diante disso, Pêcheux (2010 [1969] p. 82 ) nos diz que o discurso é “efeito de sentido entre interlocutores”. Portanto, para a AD, o discurso diferencia-se da mensagem no esquema elementar da comunicação, pois, nesse esquema, a comunicação é vista como um processo “robótico” em que um emissor fala, refere-se a algo, utilizando-se de um código e o receptor capta essa mensagem, decodificando-a. Sabemos que o processo de significação vai além dessa simples concepção, não é apenas uma transmissão de informações, e sim uma troca de experiências em que os sujeitos e sentidos são afetados pela história e pela língua e assim realizam um complexo processo de construção, e não apenas transmissão de informação. Para se analisar o discurso é necessário o linguístico, porém inserido em um contexto sócio-histórico que contribui para a produção dos efeitos de sentido, uma vez que é na história que a língua, o sujeito, e a sociedade significam (ORLANDI, 2010).

Deste modo, tem-se uma relação entre a sociedade, a história e a língua, enquanto produtores de efeitos de sentido em que a ideologia se presentifica. Dessa maneira:

O discurso, como objeto, deve ser pensado em sua especificidade. A adoção de um ponto de vista especificamente discursivo deve evitar, se é verdade que no discurso se estabelece uma determinada relação entre o linguístico e o ideológico, reduzir o discurso à análise da língua ou dissolvê-lo no trabalho histórico sobre as ideologias; porém deve levar em conta a materialidade discursiva como objeto próprio, isto é, produzir a seu respeito propostas teóricas (COURTINE, 2009, p. 31).

Conforme esta citação, o discurso é um objeto-ideológico, sendo produzido pela sociedade, cuja materialidade é a língua. Através dessa materialidade é que a ideologia se materializa. Compreende-se, assim, que há uma relação entre o

linguístico e o ideológico e ambos são essenciais para os estudos de AD. Em um de seus relevantes trabalhos, Leandro Ferreira (2005) elucida a definição do objeto teórico de análise da AD, esboçando a relação inerente a este campo de estudo com o contexto linguístico-histórico e social. O discurso corporifica-se no uso da língua, enquanto materialidade social, sendo ela um domínio propício à manifestação da ideologia. Nesse sentido, Leandro Ferreira (2005) assevera que:

Objeto teórico da AD (objeto histórico-ideológico), que se produz socialmente através de sua materialidade específica (a língua); prática social cuja regularidade só pode ser apreendida a partir da análise dos processos de sua produção, não dos seus produtos. O discurso é dispersão de textos e a possibilidade de entender o discurso como prática deriva da própria concepção de linguagem marcada pelo conceito de social e histórico com o qual a AD trabalha. (LEANDRO FERREIRA, 2005, p. 19).

A partir do que precede, o discurso não se reduz a análises textuais fechadas, uma vez que a AD busca discursivamente compreender o funcionamento da língua a partir de princípios fundamentais inscritos nas práticas sociais e, portanto, de uso da linguagem. Constantemente, deparamo-nos com enunciados que, por meio de jogo de palavras, expressam uma ideia diferente do que encontramos em sua face linguística, do que as palavras por si só expressariam. É esse olhar peculiar, capaz de ultrapassar as fronteiras do visível e adentrar num meio menos perceptível que compreende o trabalho do analista.

A palavra discurso, etimologicamente, significa “a ideia de movimento, de percurso, de correr por, de movimento. O discurso é assim palavra em movimento, prática de linguagem: com o estudo do discurso observa-se o homem falando” (ORLANDI, 2010, p. 15). Desse modo, nos processos analíticos, o discurso é o ponto de partida para assimilarmos a produção dos efeitos de sentido no corpus, manifestando-se como prática de linguagem, em um contexto de interação social. Logo, os processos de significação são incorporados nos contextos de práticas linguísticas, viabilizando análises discursivas com ênfase nas condições de produção em que os discursos se produzem. O discurso que aqui analisamos nos propicia, assim, várias interpretações, levando-nos a perceber que os discursos são carregados de sentidos e atravessados por outros saberes discursivos. Assim sendo, através do interdiscurso, é possível ouvir as vozes que falam e que se

entrelaçam em toda formação discursivo-ideológica.

Em termos práticos, o discurso é um campo de regularidades em que vários modos de significação são manifestados, fazendo com que o sujeito se redimensione e se organize politicamente através de diferentes posições. O discurso é, em suma, um conjunto de saberes que não pode ser visto em seu aspecto estritamente linguístico, mas de forma dinâmica e processual. Nessa perspectiva, Brandão sustenta com pertinente propriedade a constituição do discurso para a AD:

O discurso é o espaço em que saber e poder se articulam, pois quem fala, fala de algum lugar, a partir de um direito reconhecido institucional. Esse discurso, que passa por verdadeiro, que veicula saber (o saber institucional), é gerador de poder (BRANDÃO, 2004, p. 10).

Dado o exposto, para pensar nos deslocamentos em busca do outro, refletimos sobre o papel da alteridade, discutida por Pêcheux (2002 [1983]), ao refletir sobre a heterogeneidade dos discursos e dos sujeitos. Conforme o autor, a alteridade é um movimento que nos permite sair de nossos lugares sociais para nos colocarmos em outro lugar, em outra posição-sujeito. Logo, o imaginário que se tem sobre o outro nos permite, em um processo de alteridade, desejar ocupar este lugar, ter voz em suas redes discursivas.

O discurso nos leva a interpretar o já-dito, abrindo-nos, assim, caminho para podermos compreender, por meio do interdiscurso, os vários sentidos que se apresentam, nos possibilitando, com isso, uma interpretação ampla do campo discursivo. Por isso, todo discurso é constituído por aspectos ideológicos, sociais, linguísticos e históricos. Observamos, na análise do corpus, que é essa constituição que torna o discurso um objeto simbólico por excelência.