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4 PERCURSO TEÓRICO DA AD

4.4 IDEOLOGIA E PROCESSO DE INTERPELAÇÃO

A ideologia, para a AD, é instituída por meio das diferentes práticas sócio- históricas que envolvem os sujeitos de determinada Formação Social. Assim sendo, não se concebe uma noção de ideologia restrita ao mundo “das ideias”, mas como uma instância concreta que se inscreve nas diferentes práticas discursivas. Nessa perspectiva, de acordo com Althusser (1974, p. 26), “a ideologia é uma „representação‟ da relação imaginária dos indivíduos com suas condições reais de existência”. A representação dessa relação imaginária reverbera no que tange a um deslocamento concernente à realidade vivenciada pelos sujeitos. Ainda, nas palavras do filósofo:

[...] o que “os homens” “representam para si” na ideologia não são suas situações reais de existência, seu mundo real; acima de tudo, é sua relação com essas condições de existência que se representa para eles na ideologia. É essa relação que está no centro de toda representação ideológica, portanto, imaginária, do mundo real. É nessa relação que se acha a “causa que tem de explicar a deformação imaginária da representação ideológica do mundo real [...] (ALTHUSSER, 1974, p. 127).

Desse modo, compreende-se que a ideologia é um mecanismo prático que determina as condições de existência de um sujeito (e de um discurso) e as relações imaginárias que se sustentam entre os sujeitos no jogo da luta de classes.

maiúsculo, e as ideologias. A primeira é a ideologia no geral; já, a segunda é um aglomerado de ideologias particulares. As ideologias particulares podem ser (religiosa, moral, política) e manifestam, em sua singularidade, posições de classe. A Ideologia em geral é determinada pelo contrário: não há ponto relativo, ela não pode ser definida através de reformulação e desorganização em que as ideologias particulares possuíram ao longo do tempo. Nesse sentido, ela é determinada a partir de um desempenho que se faz presente em todos os momentos, a “ideologia não tem história” (ALTHUSSER, 1974, p. 30).

Nesse sentido, a ideologia cristã não trabalha na mesma proporção como conjunto de ideias, porém na locomoção até a igreja, no ato de se ajoelhar, na forma do sinal da cruz, nas frases, orações, penitências e contrições, na observação e no distanciamento de pessoas de fora, inclusive na conversa moral e religiosa do sujeito com sua própria consciência, entre outros rituais. Este reconhecimento é ilustrado por Althusser (1974) na prática da interpelação. Para ele, a ideologia interpela os indivíduos concretos em sujeitos concretos, por intermédio do próprio funcionamento da categoria de sujeito, ou seja, da evidência de que somos sujeitos estimulados pelo efeito ideológico elementar. A interpelação, como vimos acima, se desenvolve no reconhecimento e no ritual do “aperto de mão”, por exemplo.

Assim, podemos perceber que a ideologia, tem como desempenho vital convocar os sujeitos reais no meio dos indivíduos. Ao ser convocado, os sujeitos são transformados em sujeitos reais, como pronuncia Althusser, e isso só é possível por meio da interpelação do indivíduo em sujeito. Desse modo, como parte integrante do sujeito, a ideologia não é um lugar em que se pode permanecer fora. Além disso, um dos resultados da ideologia é contestar a característica da ideologia, ou melhor, ela procura não ser ideologia no momento em que é acusada de ser ideológica, já que o acusador mostra em que lugar a ideologia se encontra.

Dessa forma, especificando os pontos principais, Althusser (1974, p. 113) afirma que:

1. A interpelação dos indivíduos como sujeitos; 2. A submissão desses sujeitos ao Sujeito;

3. O reconhecimento triplo: do sujeito e o Sujeito, entre os sujeitos, e do sujeito por ele mesmo.

4. Por fim, ela garante que tudo está sob controle: o reconhecimento mútuo entre sujeitos, Sujeito e o auto reconhecimento asseguram

que tudo correrá bem quando um sujeito conduzir o outro.

O envolvente deste processo é a repercussão da formação do indivíduo que é, simultaneamente, livre, centro de iniciativas e encarregado por sua ação; subordinado a uma autoridade, privado de toda liberdade, aceitando ser submisso a uma autoridade. Dessa forma, a ideologia funciona nesse modelo:

O indivíduo é interpelado como sujeito (livre) para que se submeta livremente às ordens do Sujeito, portanto, para que aceite (livremente) a sua sujeição, portanto, para que “realize sozinho” os gestos e os atos da sua sujeição. Só existem sujeitos para e pela sua sujeição. É por isso que “andam sozinhos” (ALTHUSSER, 1974, p. 26).

É justamente este dispositivo de organização do sujeito, por meio da interpelação da ideologia, que faz com que este entre em embate; e são exatamente as relações de produção existentes, na sociedade capitalista, que fazem com que o sujeito pense que é livre e dono do seu dizer. Por ser uma tomada de posição, os sujeitos passam então a serem governados pela ideologia, e é em relação a esse aspecto que Pêcheux (2009 [1975], p.146) diz que “é a ideologia que, através do „hábito‟ e do „uso‟ está designando, ao mesmo tempo, o que é e o que deve ser” (grifos do autor). Desse modo, a ideologia passa então a constituir o sujeito, agora “assujeitado” ideologicamente, determinando sua posição discursiva na estrutura social. A partir disso, o autor defende que existe a Ideologia – que é sempre a- histórica – e as ideologias particulares (por exemplo, ideologia cristã, ideologia nazista, ideologia fascista etc.) – que se instituem por meio dos processos sócio- históricos e das práticas dos sujeitos –, ou seja,

[...] a Ideologia não se reproduz sob a forma geral de um Zeitgeist [...] que se imporia maneira igual e homogênea à „sociedade‟, como espaço anterior à luta de classes [...] „A ideologia da classe dominante não se torna dominante pela graça do céu...‟, o que quer dizer que os aparelhos ideológicos de Estado não são a expressão da dominação da ideologia dominante, isto é, da ideologia da classe dominante [...] (PÊCHEUX [1975], 2009 p. 130-131, grifos do autor). Para Leandro Ferreira (2005, p.17), a ideologia consiste num “elemento determinante do sentido que está presente no interior do discurso”. Esse sentido não

se refere ao significado dicionarizado, mas aos efeitos de sentido que determinado léxico pode assumir de acordo com a relação estabelecida entre o sujeito e a formação ideológica a qual está inscrito (manifestação dada por meio da língua). Do mesmo modo, como sustenta Pêcheux (1997 [1975]), o sujeito do discurso é interpelado por uma formação ideológica, que nos faz refletir sobre o sentido do dito, que não está na literalidade de seu signo, porém aparece a partir da posição ideológica reconhecida por esse sujeito no processo sócio-histórico de organização dos discursos e das interpelações.