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3 O PLANTIO: REVOLVENDO A TERRA

3.2 A EXPERIÊNCIA DE CARTA AO PAI

3.2.3 Considerações sobre a Prática

No decorrer das oficinas de treinamento e formação de ator oferecidas aos alunos- atores do Teatro Experimental de Arte por meio do “método” adotado e testado nesta pesquisa, verificou-se que houve uma interpenetração dos módulos em que o planejamento foi estruturado, em um movimento de idas e vindas dos temas e exercícios conforme as necessidades do grupo. Dessa forma, algumas práticas que estavam estabelecidas para o início acabaram permeando todo o processo; houve ainda o abandono de alguns exercícios, a inclusão de outros e a criação de novos.

Para avaliar esse processo, além da observação contínua e atenta da prática, e das avaliações realizadas em grupo durante os encontros, foi solicitado aos atores que registrassem suas reflexões sobre as atividades em um diário de trabalho, tarefa a qual eu também me propus, e que respondessem um questionário enviado por email, após o encerramento das atividades. Todavia, dos doze atores envolvidos, somente quatro fizeram os registros em diário, e de maneira esporádica e sucinta; destes quatro, apenas um respondeu o questionário final, sendo que outros três também realizaram esta tarefa.

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No ano da realização do projeto, 2011, os Pontos de Cultura existentes em Caruaru eram: Ponto de Cultura Tira-Teima, Ponto de Cultura Agreste Pernambucano, Ponto de Cultura Alto do Moura e Ponto de Cultura Teatro Experimental de Arte.

Levando em consideração os parâmetros estabelecidos pelos mestres nos quais esta pesquisa se apoia, os registros e análises do processo são importantes para a construção de um referencial teórico vivo e singular:

Aprender a anotar por escrito as vivências e reflexões do dia. Daí resulta um manancial de conhecimento teórico vivo, porque foi extraído direto da própria prática, e que sempre vai direcionar as ações futuras do aprendizado e da produção de trabalhos cênicos do ator e do grupo. (JANUZELLI, 1992, p. 100).

Da mesma forma penso que a reflexão sobre o que se faz e para que se faz em teatro é parte fundamental do processo; caso contrário, não só o aluno-ator deixa de se apropriar da sua prática, como também corre o risco de apreender a técnica pela técnica, isto é, sem a consciência de que o treinamento e a formação englobam questões éticas e políticas. Essa reflexão não precisa necessariamente ocorrer por meio do exercício da escrita, entretanto, esta foi requisitada pelo método adotado.

Embora não seja possível afirmar com certeza o porquê de os alunos-atores não se lançarem à tarefa do registro e da reflexão acerca do processo por meio da escrita, pode-se fazer uma analogia com as possíveis causas relacionadas à falta de disponibilidade para o treinamento. Do meu ponto de vista, parcial e subjetivo, mesmo tentando não o ser, penso que a hipótese de Serres (2013) caberia aqui como uma resposta plausível: se o saber está ao alcance de suas mãos, por que o jovem se preocuparia com o registro? Também acredito que o olhar de Mnouchkine65 sobre o ator faz certo sentido: se o ator associa seu ofício prioritariamente com sedução e charme, falta-lhe consciência ética e política em sua ação.

Observando a expectativa de muitos dos alunos-atores do Teatro Experimental de Arte com a criação e desempenho de determinado papel em uma montagem, percebo que a ênfase do trabalho do ator muitas vezes não se encontrava no questionamento e na reflexão sobre o quê, por quê e como se faz teatro. Embora a participação na construção de um espetáculo traga grandes aprendizagens, nem sempre isso resulta em uma maior consciência acerca do ofício do ator, como observa Desgranges (2010, p. 72):

O processo de construção [de espetáculo] precisa carregar uma tensão e um interesse investigativo que sustentem essa prática, possibilitando uma rica experiência artística e efetiva apreensão de linguagem. Evita-se assim, que a experiência teatral dos alunos tenha um fim em si mesma, resumida a uma cópia estereotipada do teatro profissional, tornada não mais que um incentivo ao cabotinismo de pais, alunos e professores.

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Analisando em retrospecto, penso que a estratégia adotada no decorrer do processo poderia ter facilitado o interesse investigativo sobre o ofício do ator por meio da escrita. Como não tivemos muitos encontros, privilegiei a prática e as avaliações em grupo, deixando pouco tempo em cada encontro para a anotação, ficando a cargo dos alunos-atores essa tarefa. Da mesma forma, não apliquei o questionário final em um encontro presencial, enviando-o por correio eletrônico após a finalização das atividades. Por outro lado, por trás da minha atitude, havia o pensamento de que o aluno-ator deveria demonstrar comprometimento e iniciativa na construção de sua aprendizagem. Porém, como foi visto essa é uma questão complexa, pois há questões históricas, sociais e culturais que interferem na apropriação do saber.

De todo modo, a escassez dos registros desencadeou diversos questionamentos: seria o descaso do aluno-ator com algumas regras do processo consequência da falta de estratégias pedagógicas específicas? Estaria o aluno-ator acomodado ao que é mais fácil, esperando uma atitude paternalista e colocando o “outro” como responsável por si? Caberia exigir certos procedimentos ao aluno de teatro que não intenciona se formar ator-pesquisador? Um aluno que não almeja ser ator profissional pode ser “acusado” de cabotino?

Por ter me convidado a realizar as oficinas de formação, e, portanto, não ser a pessoa responsável pela condução do elenco, tampouco pelas diretrizes do trabalho de formação de ator dentro do grupo, adotei uma postura não muito incisiva em relação às exigências que eu acreditava serem necessárias ao trabalho do ator. Dessa forma aceitei, por exemplo, que um aluno-ator que não compareceu a nenhum dia de trabalho durante um final de semana de encontro continuasse no processo; assim como não fui rigorosa quanto à produção dos diários de trabalho e da avaliação final, comprometendo parcialmente o depoimento dos sujeitos da pesquisa, o que, todavia, não inviabilizou a análise da prática. Esta está, enfim, embasada em minha observação, no que vi e ouvi ao vivo e nas palavras dos que se pronunciaram por escrito. Para essa análise ressalto alguns exercícios-chave, que se revelaram fundamentais no processo de trabalho com os alunos-atores do Teatro Experimental de Arte.

Da técnica de formação do palhaço pessoal, sob a abordagem de Sue Morrison, destaco o exercício do olhar (“Present Yourself”) e o exercício de exploração da cor (“Exploration of Colour”)66

. O primeiro buscou estimular nos alunos-atores o entendimento corporal de transitar entre as sensações, visando à experiência da atuação em fluxo. Para tanto foi preciso que o aluno estabelecesse um contato não estereotipado com suas próprias

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sensações e emoções, o que acarretou alguma dificuldade, como atesta a aluna-atriz Julliana Soares:

Difícil. Muito de si mesmo se evidencia quando nos expomos. Mas o interessante é que quando o ator está num estado de receptividade muitas coisas acontecem. Entrei parecendo uma estátua de gelo, suando frio, sem graça, toda travada. Fui olhando um por um e quando chegou [o momento de olhar para] Luiz, parece que eu já não tinha mais como resistir à energia que vinha das pessoas. Meu estado se alterou. O corpo ficou mais leve e o desconforto diminuiu. Eu refleti o que ele estava me comunicando, ou deixei-me afetar por ele. Mas depois, não consegui manter o estado e tudo se fechou novamente67.

Entendo que aqui não importa tanto se o ator consegue ou não manter o estado de abertura para outros modos de relação, o fundamental é que ele tome consciência da maneira como os afetos estão circulando pelo seu corpo. Vejo que esse exercício possibilita ao ator perceber onde está e penso que só se pode começar a trabalhar a partir desse lugar.

Já o exercício de exploração da cor, “Exploration of Colour”, buscou incitar o contato do aluno-ator com sua mitologia pessoal. O objetivo dessa prática, segundo a abordagem de Sue Morrison, é fazer com que o aluno aprenda como ser empírico (fundamentar seu conhecimento por meio da experiência), como ser emotivo (liberar sua emoção usando um léxico sensorial baseado na cor) e como visualizar (desenvolver a capacidade de dar forma e articular uma paisagem interior). Esse exercício também inaugura o modo como Morrison trabalha com as máscaras, por meio do ritual (a forma que abriga a experiência), da experiência (agir para expressar a experiência) e da exposição (a articulação pública da experiência).

Segundo Jung (2006, p. 360), “o mito é o degrau intermediário entre o inconsciente e o consciente”; porém, “o significado do mito está perdido e, com isso, o homem deixou de compreender o que acontece no inconsciente” (MARONI, 1998, p. 53). Pode-se dizer ainda que estimular o contato do indivíduo com o mito significa trazer à consciência imagens que interferem no seu modo de estar no mundo.

As coisas do mundo interior influenciam-nos subjetiva e poderosamente, por serem inconscientes. Assim, pois, quem quiser incrementar o progresso em seu próprio ambiente cultural (pois toda a cultura começa com o indivíduo), deverá tentar objetivar as atuações da anima, cujos conteúdos subjazem a essas atuações. (JUNG, 2008, p. 81, grifo nosso).

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Trecho de depoimento enviado via email, por meio do questionário de avaliação final. O depoimento completo encontra-se no Anexo A, p. 184, questão7.

De acordo com Boechat (2008, p. 195), “anima é o arquétipo do feminino, da alma. É a guardiã das imagens no processo de individuação”. Dessa forma, entendo que o exercício de exploração da cor se relaciona com a ativação do processo de individuação conforme formulado por Jung, pois estimula a criação de imagens produzidas pelo inconsciente.

Ainda segundo Boechat (2008, p. 17), de acordo com a formulação de Campbell, há quatro abordagens possíveis do mito: a cosmológica, a metafísica, a sociológica e a psicológica. Dessas a que mais interessa a esta tese é a questão cosmológica, ou seja, o sentido que o mito dá à própria ordem do mundo e à nossa existência. Boechat (2008, p. 44) esclarece que “do ponto de vista da psicologia analítica de Jung o mito cosmogônico é, em essência, o mito do nascimento da consciência”, sendo que esta é estruturada por meio dos ritos de passagem, os quais são associados à jornada do herói.

O arquétipo do herói representa a própria energia psíquica que transita entre o arquétipo do si-mesmo e o ego. (...) O herói por sua natureza está associado aos ritos de passagem, centrais na estruturação da consciência. (...) O herói, atuando no eixo ego-si-mesmo, proporciona à consciência a energia necessária para uma adaptação ao novo estado de ser. (BOECHAT, 2008, p. 66-67, grifo do autor).

Da mesma forma, Campbell ressalta que a jornada do herói desperta uma transformação de si e do mundo:

A passagem do herói mitológico (...) fundamentalmente, é a passagem para dentro – para as camadas profundas em que são superadas obscuras resistências e onde forças esquecidas, há muito perdidas, são relativizadas, a fim de que se tornem disponíveis para a tarefa de transfiguração do mundo. (CAMPBELL, 2007, p. 35).

Assim, de acordo com Campbell (2007, p. 43), “o efeito da aventura bem sucedida do herói é a abertura e a liberação do fluxo de vida no corpo do mundo”; essa energia potente e criadora se encontra “dentro de todos nós e apenas espera ser conhecida e transformada em vida”. Para Campbell (2007, p. 117) “o herói é aquele que aprende”.

Portanto, ao estimular o contato do ator com sua mitologia pessoal, gerando um conhecimento que se refere à experiência singular do indivíduo, o exercício de exploração da cor tanto se relaciona com a ativação do processo de individuação quanto com uma postura ética frente ao mundo.

[O conhecimento profundo de si mesmo] é necessário, pois só em função dele pode-se atingir aquela camada profunda, aquele núcleo da natureza humana no qual se encontram os instintos. Estes são fatores dinâmicos, presentes a priori, dos quais dependem, em última análise, as decisões éticas de nossa consciência. (JUNG, 2006, p. 381).

De acordo com a pedagogia de Sue Morrison a aprendizagem do palhaço requer um conhecimento profundo de si mesmo e da comunidade em que se vive. O ator-palhaço Ricardo Puccetti (2006b, p. 143, grifo do autor), do Lume, corrobora essa visão: “o clown, enquanto artista, vem revelar ao público sua lógica pessoal de compreender o mundo. A complexa técnica da arte do clown é um instrumento pelo qual seu trabalho pode ser a expressão de sua compreensão da vida, dos homens e de suas relações”. Portanto, pela perspectiva de Morrison e Puccetti, a técnica do palhaço se relaciona com o mito cosmogônico, isto é, com a função de atribuir sentido a si e ao mundo.

Depreende-se assim que o exercício de exploração da cor potencializa a aprendizagem do palhaço, por meio de uma ação que ultrapassa a apreensão de uma técnica. Pode-se dizer, enfim, que esse exercício contribui para inserir o aluno-ator na dinâmica da jornada do herói, ativando o processo de individuação, independentemente da linguagem da cena. No trabalho desenvolvido no Teatro Experimental de Arte o impacto desse exercício foi tamanho que as imagens produzidas compuseram a cenografia do Experimento Cênico, sendo em determinado momento projetadas ao fundo das ações desenvolvidas pelos alunos-atores.

Fora do âmbito do método O clown através da máscara, mas ainda relacionado à técnica do palhaço, outro exercício que se revelou significativo na prática desenvolvida em Caruaru foi o jogo do palestrante-tradutor68. Trata-se de uma improvisação em que um “renomado especialista” versa sobre seu tema de pesquisa em uma língua ficcional, ao seu lado há um “tradutor” para transpor a explanação para o português; juntos, e sem combinação prévia, eles realizam o jogo frente à plateia composta pelos demais alunos-atores. Embora não tenha utilizado o nariz vermelho nessa atividade, optei por realizar o exercício segundo alguns Princípios da técnica do clown, como relação direta com a plateia, triangulação e definição do foco da cena.

A primeira tarefa do ator que entrava em cena era estabelecer contato com o público, ou seja, “apresentar-se” como no exercício do olhar (“Present Yourself”), mas de maneira mais rápida; em seguida, no momento da entrada do parceiro de cena, o primeiro deveria

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Experienciei esse exercício na oficina A descoberta de seu próprio clown, ministrada por Patrícia dos Santos, em 2003, no Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina. Posteriormente vivenciei esse mesmo jogo fora do contexto do palhaço, em uma aula da disciplina Teoria e Prática da Peça Didática de

Bertolt Brecht, ministrada por Ingrid Koudela no curso de Pós-Graduação em Artes da Universidade de São

Paulo, em 2005. O princípio do exercício foi basicamente o mesmo nas duas experiências, entretanto na oficina de clown utilizamos a máscara, o que não foi realizado na aula de Koudela. Portanto, não se trata de uma atividade específica da técnica do clown, mas sim de um jogo teatral.

olhar “com o nariz” para ele69, deslocando o foco da cena e dando espaço para que este realizasse a sua “apresentação”. Toda a ação deveria estar baseada no princípio da triangulação, isto é, receber a ação, compartilhar com o público e reagir. Para que o jogo se desenvolvesse ainda era preciso haver sintonia entre a dupla, desencadeando uma atitude ativa-passiva dos jogadores durante a improvisação. A aluna-atriz Julliana Soares observa a necessidade de articulação dos vários comandos que esse jogo solicita:

O jogo tradutor-palestrante; é bem difícil, senti dificuldade, mas achei maravilhoso. É preciso jogar e manter o estado de jogo, aproveitar os elementos que a outra pessoa te dá e devolver para plateia a seu modo, evidenciando o perfil de cada ator. É muito bom para o treinamento porque articula muitas técnicas, como o olhar, o jogo, a percepção do público, o improviso. Tem que haver sintonia entre os jogadores70.

Por meio desse depoimento, nota-se que além de exercitar princípios do jogo teatral, essa prática, quando associada à técnica do clown, exacerba a maneira particular que cada ator tem de jogar. De acordo com um dos clowns do Cirque du Soleil, Antón Valén, “o palhaço não sabe nada do assunto, não controla em absoluto o que está fazendo, mas sua atividade é de um profissional”71; portanto ao lançar comandos como “você é o melhor especialista do

mundo nesse assunto”, assim como “você é o melhor tradutor de todos os tempos”, há um estímulo para o desenvolvimento de uma atuação que beira o absurdo, encaminhando esse jogo para o universo da comédia.

Dos exercícios provenientes do Laboratório Dramático do Ator o mais significativo foi a Cena da Graça72: um momento cênico de aproximadamente cinco minutos em que cada aluno-ator apresentou aquilo que achava que fazia “melhor”, isto é, algo que o fizesse se sentir pleno na ação. Poeticamente Clarice Lispector (2004, p. 116) observa que “[no estado de graça] há uma bem-aventurança física que a nada se compara. O corpo se transforma num dom. E se sente que é um dom porque se está experimentando, numa fonte direta, a dádiva indubitável de existir materialmente”.

Portanto, além dos temas e estéticas que surgiram em cada cena, esse exercício trouxe desenhos corporais integrados ao prazer. Deixando de lado eventuais textos ou músicas utilizados nas escolhas pessoais, os atores investigaram posteriormente novas possibilidades

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Na técnica do clown procuro trabalhar a máscara como um foco de luz: para onde o “nariz” aponta está o foco da cena, ou seja, o ator que está com o foco em si está com a “bola”, ele então joga a “bola” para o público, recebe-a de volta e a devolve para o outro ator.

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Trecho de depoimento enviado via email, por meio do questionário de avaliação final. O depoimento completo encontra-se no Anexo A, p. 184, questão 7.

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Texto do palhaço Antón Valén em material didático distribuído na sua oficina de iniciação à técnica do clown. Material cedido por Patrícia dos Santos.

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de executar os mesmos desenhos de movimento, porém com outras qualidades: grande, pequeno, suave, denso, rápido, lento. Dessa experimentação cada um formatou uma partitura, mesclando diferentes qualidades naquilo que para si foi mais significativo durante a execução. O objetivo foi intensificar aquilo que fluiu naturalmente do ator, estimulando a consciência do corpo na realização das ações.

A consciência do corpo, ou o “pensamento-em-ação”, já vinha sendo trabalhada com o Treinamento Energético, livremente inspirado nas proposições do Lume73. De acordo com Burnier (2001, p. 88, grifo do autor), “o texto próprio à arte do ator é composto de suas ações físicas e vocais. Por isso sua técnica corpórea constitui sua língua. Desenvolver, adquirir, embebedar-se, mergulhar, enfim, ser mestre dessa ‘língua corpórea’ (...) é pensar-em- movimento”. O Lume pesquisou e desenvolveu diversas técnicas para que o ator pudesse exercitar essa forma de pensamento. Entre elas, está o Energético, o Treinamento Pessoal e a Dança Pessoal. Embora haja diversas semelhanças, há sutis diferenças entre estas técnicas:

O energético trabalha em ritmo acelerado visando ultrapassar o esgotamento físico, uma relação ação-reação imediata, quase por reflexo instintivo; o

treinamento pessoal trabalha as ações recorrentes, codificando-as e

aprimorando-as. Já a dança pessoal trabalha com essas ações recorrentes segundo diversas qualidades de energia, usando de diferentes dinâmicas muitas vezes lentas e vagarosas, em que o tópico é o ouvir-se, buscar e explorar formas de articular, por meio do corpo, as energias potenciais que estão sendo dinamizadas, de ser fazendo e no fazer, de dar forma à vida. (BURNIER, p. 140, grifo do autor).

No trabalho desenvolvido no Teatro Experimental de Arte não tive a intenção de orientar os métodos da mesma forma como o Lume os concebe, porém, tendo como base os Princípios desenvolvidos pelo grupo, busquei propor uma dinâmica corporal que estimulasse o ator a desenvolver a escuta de si mesmo, o pensamento-em-ação e a consciência das diferentes dinâmicas do movimento. A intenção foi transpor os movimentos estereotipados e cristalizados no corpo do ator por meio do esgotamento físico; porém, pelo pouco tempo de trabalho, não foi possível coletar as ações físicas recorrentes que surgem quando o ator ultrapassa alguns limites de si mesmo. Após um período de treinamento com o esgotamento físico, esses Princípios foram aplicados nas ações desenvolvidas na Cena da Graça, e não em ações recorrentes surgidas na própria dinâmica de movimento. O que, segundo o depoimento da aluna-atriz Julliana Soares, não impediu que outros modos de percepção de si e do mundo