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2 AS SEMENTES: OS MESTRES

2.2 O ENCONTRO COM O TEATRO DE ANTUNES FILHO

2.2.1 Princípios do Método Antuniano de Formação de Ator

Ao analisar o sistema de formação de ator de Antunes Filho, Milaré toma o cuidado de não cristalizar o método, afirmando que “método é caminho” e que Antunes, sem seguir uma caminhada cega, fez caminho ao andar (MILARÉ, 2010, p. 23). É com a mesma atenção que apresento o percurso de Antunes e as bases fundantes de sua teoria e prática, sabendo que elas estão e estarão sempre em mutação, afinal a transformação tanto do caminho quanto do caminhante é a proposição fundamental desse sistema: “o método propõe que primeiro se transforme o ator, o ser humano, para que depois a transformação se manifeste em cena, gerando novas formas estéticas. Arte e vida estão imbricadas. Não são a mesma coisa, mas se espelham e se condicionam mutuamente” (MILARÉ, 2010, p. 25).

Portanto o primeiro trabalho é do ator sobre si mesmo. Nas palavras de Antunes: “[o ator] não poderá ser artista e cidadão enquanto não for indivíduo. Tem que haver o indivíduo, formado, para se tornar o cidadão, e o cidadão se tornar o artista” (ANTUNES apud DELGADO; HERITAGE, 1999, p. 156). Suas palavras se assemelham às de Stanislavski (1982, p. 133): “parece que não podemos fugir a uma transformação completa se quisermos adaptar-nos às exigências da nossa arte”; ou ainda: “se soubessem como é importante o processo de estudar-se a si próprio!” (STANISLAVSKI, 1982, p. 155). As semelhanças entre o mestre russo e o brasileiro não cessam por aí, segundo Milaré (2010, p. 26) “o método Antunes Filho procede do método Stanislavski, sem qualquer dúvida”.

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O jornalista, crítico e pesquisador de teatro Sebastião Milaré é uma das principais referências nos estudos da obra de Antunes Filho. Sobre a questão do método destaco “Hierofania: o teatro segundo Antunes Filho” (MILARÉ, Sebastião. São Paulo: Edições Sesc SP, 2010).

Por outro lado, pode-se dizer que Stanislavski está presente na obra de muitos dos artistas-pedagogos que se debruçam sobre a arte do ator. Renato Ferracini (2013, p. 69) afirma que o mestre russo influenciou toda uma geração de artistas cênicos, independentemente da estética adotada, e ressalta que seus ensinamentos servem a todos desde que sejam contextualizados ao momento presente: “ser fiel ao grande mestre Stanislavski, como discípulos que todos somos, é a possibilidade de atualizar um pensamento da arte do ator que dialogue e gere fluxos de criação conceitual em nossa época, da nossa época, para nossa época”.

Antunes comunga da necessidade de adequação ao momento histórico para que uma reflexão sobre a arte do ator seja realizada: “(...) estamos numa era, num século depois do Stanislavski. E o mundo mudou. Então eu não posso mais adotar certas coisas de Stanislavski que já estão superadas dentro do universo mental do ser humano” (ANTUNES apud DELGADO; HERITAGE, 1999, p. 158). Dessa forma afirma que seu trabalho se refere a um “método pós-stanislavskiano” de formação de ator:

Eu estou me importando com o método pós-stanislavskiano para poder chegar ao ator. Já não é dentro do positivismo, do racionalismo, do cartesianismo, porque é nisso que entrou a nova física para nos ajudar, a nova física veio para dar endosso para que pudéssemos utilizar toda uma filosofia oriental. E usar principalmente essas coisas das probabilidades, do estatístico, o princípio da incerteza, tudo isso, que arrebentou com Stanislavski e seus objetivos. (ANTUNES apud DELGADO; HERITAGE, 1999, p. 158).

É importante ressaltar que embora Ferracini e Antunes concordem com a necessidade de atualização do método de Stanislavski, cada um aborda os ensinamentos do mestre russo por meio de referências diversas. Se em seu tempo Stanislavski buscou apoio na psicanálise para compreender o papel do subconsciente no processo de criação artística33, referindo-se ao inconsciente pessoal e não coletivo, na atualidade, Antunes recorre principalmente à psicologia analítica de Jung enquanto Ferracini elege a filosofia contemporânea, sobretudo Deleuze, para refletir sobre a arte do ator.

Cabe, porém, fazer um parêntese sobre as proposições de Stanislavski: apesar de ele estar inserido em um contexto histórico fortemente influenciado pelo referencial freudiano, há pistas de que seu método vislumbrava uma possibilidade de atuação transcendente às questões

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De acordo com Lima, a psicanálise freudiana investigava os processos criativos geradores da obra de arte a partir do “material de lembranças e impressões no qual o autor baseou a obra, e os métodos e processos pelos quais converteu esse material em obra de arte” (FREUD apud LIMA, 2009, p. 72). A obra de arte seria assim um produto psíquico resultante de uma deformação do material inconsciente, fruto de fantasias e desejos infantis reprimidos.

do indivíduo. Diz Stanislavski (1982, p. 71): “Todo aquele que é deveras um artista deseja criar em seu íntimo uma outra vida, mais profunda, mais interessante, do que aquela que realmente o cerca”. Para Mark Olsen (2004) a preocupação com o desenvolvimento espiritual do ator caracteriza o mestre russo como um “realista místico” e seu método como análogo às jornadas de iniciação espiritual. Stanislavski utiliza a terminologia eu sou para se referir ao estado ideal do ator34, obtido por meio de um constante exercício de coragem e de abandono das tensões, o que, segundo Olsen, é a forma como a maioria das religiões traduz o estado de graça: “Eu sou é a presença do estado de graça referido, exatamente no mesmo contexto, pelos budistas, hindus, sufis, cabalistas, cristãos – realmente por todas as religiões” (OLSEN, 2004, p. 27, grifo do autor). Apesar disso, Stanislavski não utiliza a concepção de inconsciente coletivo conforme abordada por Jung e adotada por Antunes em seu método.

Como nosso tempo é caracterizado pela multiplicidade, as referências teóricas dos artistas contemporâneos se misturam, ora se aproximando mais de um autor ora se distanciando do mesmo, tomando aquilo que lhe parece pertinente e refutando aquilo que não lhe interessa, cruzando teorias de diversas áreas e criando novas possibilidades de conhecimento. Para Ferracini (2013, p. 69), quando o teatro pensa seu fazer utilizando conceitos liminares de outras disciplinas, ações de desterritorialização e reterritorialização de conceitos sobre a arte do ator podem ser geradas, “como fluxos de uma reflexão que se recria e não como molaridades universais essenciais ou fixas”.

É dessa forma que na atualidade Antunes se aproxima das proposições de Stanislavski: não de uma forma purista e engessada, mas atualizando conceitos que lhe interessam e cruzando com outros que à primeira vista podem parecer até contraditórios, como a fusão de princípios stanislavskianos e brechtianos. Entretanto nem sempre foi assim. No início de sua carreira Antunes adotou o sistema de Stanislavski de maneira mais ampla, trabalhando até mesmo com o conceito de memória emotiva35, das ações físicas como recurso para a busca da

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Diz Stalislavski (1982, p. 300, grifo do autor): “Tenham a maior ousadia ao se descartarem do máximo de tensão que puderem. (...) Seu próprio estado físico e espiritual lhe dirá o que é certo. Você sentirá melhor o que é verdadeiro e normal quando chegar ao estado que chamamos de eu sou”. Ou ainda: “(...) estado do eu sou, é o ponto em que eu começo a me sentir dentro dos acontecimentos” (STANISLAVSKI, 2003, p. 43, grifo do autor).

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De acordo com Stanislavski (1982, p. 187), “o tipo de memória que faz com que você reviva as sensações que teve outrora (...) é o que chamamos de memória das emoções ou memória emotiva. Do mesmo modo que a sua memória visual pode reconstruir uma imagem interior de alguma coisa, pessoa ou lugar esquecido, assim também a sua memória emotiva pode evocar sentimentos que você já experimentou”. Para Stanislavski quanto mais ampla for a memória emocional do ator, maior será seu material para a criatividade interior.

verdade36 cênica e da análise do texto37 como meio de pesquisa do personagem e das situações dramáticas (MILARÉ, 2010, p. 31).

Entretanto desde os anos 1960 Antunes busca superar o realismo stanislavskiano, ainda que conectado à estética realista, e o conceito que mais se distanciou da origem foi o da memória emotiva: para Antunes o ator nunca deve utilizar a própria emoção como matéria- prima, afirmando que a emoção deve ser construída. Assim, o estado de atuação que Antunes persegue aproxima-se do conceito de afastamento de Brecht. Porém, enquanto para Brecht o afastamento significava colocar o ator em posição de crítico do personagem e da situação cênica, em Antunes a proposta é que o ator crie um espaço entre ele e o personagem: “é nesse espaço que estão todos os elementos e instrumentos criativos para que o ator possa desenhar o personagem no seu próprio corpo” (MILARÉ, 2010, p. 33, grifo do autor).

Desta forma Antunes tanto se aproxima quanto se afasta de Stanislavski e de Brecht: porém, se o mestre russo operava dentro da perspectiva da psicanálise e de uma visão cartesiana de mundo e o alemão desenvolvia uma poética fundada no materialismo dialético para a compreensão crítica do mecanismo da realidade, Antunes elabora a realidade pelo ponto de vista zen-budista, ou seja, imaginando o universo em fluxo contínuo, em que passado, presente e futuro não passam de abstrações. O encenador brasileiro busca compreender a realidade como um sistema cósmico, por meio de ferramentas da teoria quântica, a qual exige um pensamento e uma linguagem não linear.

A teoria quântica força-nos a encarar o Universo não sob a forma de uma coleção de objetos físicos, mas sob a forma de uma complexa teia de relações entre as diferentes partes de um todo unificado. Essa, entretanto, é a forma pela qual os místicos orientais expressaram sua experiência em palavras quase idênticas às utilizadas pelos físicos atômicos. (CAPRA apud MILARÉ, 2010, p. 130).

Da teoria quântica Antunes incorpora três princípios fundamentais: o da probabilidade, que propõe a indeterminação como lei física em oposição ao determinismo da física clássica; o da incerteza, que constata a impossibilidade de medir com exatidão o elétron uma vez que ele interage com o observador; e o da complementaridade que estabelece a

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“A verdade em cena é tudo aquilo em que podemos crer com sinceridade, tanto em nós mesmos como em nossos colegas” (STANISLAVSKI, 1982, p. 153). Segundo o mestre russo a verdade cênica tem origem no plano da ficção imaginativa e artística e o ator deve se empenhar em alcançar “a realidade da vida interior de um espírito humano em um papel e a fé nessa realidade” (Ibid., loc. cit.).

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Para Stanislavski a análise é um meio de o ator conhecer melhor seu papel e familiarizar-se com a peça toda a partir das suas partes. Essa análise não se relaciona com uma abordagem intelectual, mas sim através do sentimento, com o objetivo de penetrar no subconsciente: “que a nossa criatividade intuitiva, inconsciente, seja posta em ação com o auxílio de um trabalho preparatório consciente. Por meio do consciente, atingir o inconsciente – eis o lema de nossa arte e de nossa técnica” (Id., 2003, p. 27).

necessidade de duas linguagens referentes a dois tipos de pensamento (clássico e quântico) e aos níveis de realidade, sem que estes sejam contraditórios. Na prática cênica os princípios de probabilidade e incerteza auxiliam o ator a fugir do raciocínio pragmático, privilegiando a indeterminação e não a causalidade. O objetivo é romper com as defesas e os condicionamentos do ator acerca de uma visão de mundo antecipadamente convencionada como verdadeira. Já o princípio de complementaridade está presente em toda a proposta antuniana, uma vez que ela se apoia na utilização complementar de teorias aparentemente opostas.

Durante o processo de construção de personagem o ator de Antunes tanto recorre à análise do texto à maneira stanislavskiana (com o estudo minucioso da obra e de cada personagem) quanto à improvisação conduzida por estímulos, na qual o ator age não por trajetos ou conceitos predeterminados, mas pela circulação energética que ocorre no momento presente, ou seja, o ator tem tudo programado, mas não pensa nisso. Assim a atuação acontece “de fora para dentro” e, ao mesmo tempo, “de dentro para fora”. De acordo com Milaré, além de transitar por duas linguagens psicológicas opostas, Antunes também utiliza dois paradigmas estéticos contraditórios:

A base do primeiro é o realismo que busca reproduzir a realidade comum; o segundo invade uma realidade superior, onde as coisas são e não são a um só tempo e atualizam-se gestos primais, signos que transcendem a história do indivíduo e o contextualizam no imaginário coletivo. (MILARÉ, 2010, p. 135).

Nota-se, portanto, que apesar de Antunes recorrer à psicologia do indivíduo, a base de sua poética encontra-se na ideia de arquétipos38 e inconsciente coletivo39. Desta forma o encenador inclui em seu trabalho o estudo sobre os mitos de Mircea Eliade e sobre a psicologia junguiana, ampliando o referencial teórico na intenção de estabelecer uma encenação metafísica:

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“O conceito de arquétipo... deriva da observação reiterada de que os mitos e os contos da literatura universal encerram temas bem definidos que reaparecem sempre e por toda parte. (...) Os arquétipos não têm conteúdo determinado; eles só são determinados em sua forma e assim mesmo em grau limitado. Uma imagem primordial só tem um conteúdo determinado a partir do momento em que se torna consciente e é, portanto, preenchida pelo material da experiência consciente. (...) As representações não são herdadas; apenas suas formas o são.” (JUNG, 2006, p. 484-485, grifo do autor).

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“(...) Encontramos também no inconsciente propriedades que não foram adquiridas individualmente; foram herdadas, assim como os instintos e os impulsos que levam à execução de ações comandadas por uma necessidade, mas não por uma motivação consciente... (Nesta camada “mais profunda” da psique encontramos os arquétipos). Os instintos e os arquétipos constituem, juntos, o inconsciente coletivo. Eu o chamo coletivo porque, ao contrário do inconsciente pessoal, não éconstituído de conteúdos individuais, mais ou menos únicos e que não se repetem, mas de conteúdos que são universais e aparecem regularmente”. (Ibid., p. 488-489).

Por mais que o homem moderno, histórico, iluminista tente sufocar os arquétipos, os modelos primais, escudando-se na lógica, na razão e na ciência, eles permaneceram atuantes no cotidiano. Está aí o fundamento da psicologia junguiana. E também o fundamento do teatro de Antunes Filho, que encontrou em Jung e Eliade o necessário suporte para demolir as estruturas cartesianas, que eram um permanente estorvo ao desenvolvimento da sua linguagem e contra as quais sempre reagiu. (MILARÉ, 2010, p. 71).

Para além da encenação, Antunes destaca em seu método de formação uma questão fundamental da psicologia analítica: a necessidade de ativar o processo de individuação40 do ator. Segundo Jung (2006, p. 490, grifo do autor), pode-se “traduzir a palavra individuação por realização de si-mesmo, realização do si-mesmo”, isto é, realizar o si-mesmo ou self significa atingir o arquétipo central da ordem, da totalidade do homem. Cabe ressaltar que o si-mesmo não deve ser confundido com um eu pessoal, pois desta forma não passaria de egocentrismo: “o si-mesmo, no entanto, compreende infinitamente mais do que um simples eu... A individuação não exclui o universo, ela o inclui” (JUNG, 2006, p. 490).

Na reflexão de Maroni (1998, p. 115) acerca da proposta de Jung, a autora afirma que, ao estimular o desenvolvimento de uma unidade autônoma, o processo de individuação emancipa o indivíduo das regras coletivas baseadas em pressupostos universais, estimulando o respeito a uma lei pessoal. Como consequência, Jung negou uma “ontologia da unidade” em favor de uma “ontologia do múltiplo” e de “uma ética baseada na imanência e na singularidade”:

Com isso, Jung pôde levar às últimas consequências a noção de diversidade entre os homens e o apelo à diferenciação. Do ponto de vista psicológico, ou seja, do indivíduo, a igualdade é a inconsciência: os indivíduos são iguais somente na medida de que são inconscientes, isto é, inconscientes de suas diferenças reais e quanto mais se é inconsciente, tanto mais se age em conformidade com os cânones gerais do comportamento psíquico. (MARONI, 1998, p. 115).

Assim como Jung, Antunes tanto está interessado na formação de um homem tanto consciente quanto singular: “[se o ator] não tiver consciência ele não saberá o que é liberdade, e se ele não souber o que é liberdade ele jamais será artista” (ANTUNES apud DELGADO; HERITAGE, 1999, p. 163). Para tanto, o encenador procura desconstruir padrões estereotipados no comportamento do ator por meio de exercícios físicos e de formação intelectual. Pode-se dizer que o objetivo final é buscar a totalidade do homem, tocando na

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“A individuação significa tender a tornar-se um ser realmente individual; na medida em que entendemos por individualidade a forma de nossa unicidade, a mais íntima, nossa unicidade última e irrevogável; trata-se da

realização de seu si mesmo, no que tem de mais pessoal e de mais rebelde a toda comparação”. (JUNG, 2006, p.

psique consciente e na inconsciente, constituindo no ator uma personalidade mais ampla; o processo de individuação é um princípio básico e fundamental em seu método. Nas palavras de Antunes Filho:

(...) Primeiro o homem, depois o teatro. Ou não. Eu acho que para quem é budista o teatro é uma forma de conhecimento extraordinária. É uma forma de individuação. O teatro, para mim, é a forma mais rica de individuação. Porque você lida com o seu eu e com o eu de todo mundo, de todos os seres, imaginários ou não. Você vive qualquer época, qualquer caráter, qualquer coisa. O teatro, na verdade, é um grande playground. Você se diverte aprendendo a ter consciência plena das coisas. (ANTUNES apud MILARÉ, 2010, p. 335, grifo do autor).

Todavia isso não significa que Antunes abra mão de um rigor técnico e de exercícios específicos, ao contrário: “eu procuro dar cultura, procuro a base técnica, se não tiver técnica a pessoa não vai sair do lugar. A técnica é conhecimento, a técnica é cultura. Não é para se tornar escravo da técnica, é para a técnica se tornar um instrumento para o seu trabalho, para a sua liberdade” (ANTUNES apud DELGADO; HERITAGE, 1999, p. 155). Assim, o autoconhecimento não significa uma abstração, inclui o corpo e sua dinâmica interna, como conhecimento do esqueleto, membranas, músculos, tendões, nervos.

Em seu método a técnica corporal busca preparar o corpo do ator para que ele possa responder aos estímulos de maneira imediata, sem mediações e interferências racionais ou emocionais. O objetivo é atingir um “relaxamento ativo”, sem ansiedade ou tensões, mas com o corpo no eixo e de prontidão. Para que isso ocorra, a contenção da emoção é condição fundamental, como oberva Milaré (2010, p. 229) ao analisar o método antuniano:

A emoção não pode ser a condutora do movimento, porque causa contrações musculares e sufoca o ator, impedindo-o de construir o personagem com verdade e arte. A emoção deve ser controlada pela sensibilidade e não pelo raciocínio lógico; se o controle for racional, a expressão dramática vai se refugiar no clichê, no estereótipo, perde todo o sentido.

Se o corpo está preparado, sem ansiedade, “afastado” das emoções pessoais e perturbadoras do ator, com a respiração correta, Antunes acredita que é possível sair da realidade cotidiana e transcender questões pessoais, permitindo uma alteração do modo como o ator percebe a si mesmo e o mundo. Ou seja, para se chegar ao imponderável e ao inefável, para se conquistar o espaço da intuição, é preciso partir de uma prática minuciosa, pois nesse sistema nada é creditado ao acaso. Desta forma a disciplina é uma questão basilar do método:

As pessoas aí fora estão acostumadas a chegar tarde... a pessoa não vai. Aqui não: o tempo é precioso. Aqui não é caserna, aqui não é convento. Não é isso, mas temos que respeitar um ao outro. Existe até uma moral rígida do

grupo [porque] queremos passar a imagem de que o artista não é um marginal. De que o artista, realmente, é um cara importante, um cientista quase, que ele poderá dar muitos bens à comunidade. (...) Esse respeito eu solicito de cara. Outra coisa pela qual brigo muito é para descolonizar as cabeças. O ator que chega, que até aqui cumpria ordens, vai obedecer a esse princípio: tem que se descolonizar. Ele tem que saber que é um criador, um poeta, que não está aqui para marcar passo, apenas desfilar coisas. (ANTUNES apud MILARÉ, 2010, p. 87).

Portanto, o desenvolvimento da autonomia é essencial: o ator deve ser capaz de criar livremente, sem as mãos paternalistas de um professor ou diretor. Essa capacidade não pode ser ensinada nem aprendida, o ator deve conquistá-la e desenvolvê-la. Antunes oferece exercícios específicos e referenciais teóricos, isto é, orienta uma técnica e orienta livros, porém cabe ao ator tornar-se um criador, um artista de fato, que age por um compromisso ético, tendo como motivação a contribuição para uma sociedade melhor:

No Brasil nós temos coisas tão fortes por lutar ainda: contra a fome, contra a miséria, contra tanta coisa que existe. Então é importante que nós tenhamos técnica, porque por trás da técnica nós temos uma ideologia de cidadania, de justiça social, de uma porção de outras coisas, de amor ao próximo. O que falta, acho que aos europeus, é uma ideologia, então eles têm a técnica como fim, e a técnica para nós brasileiros é um meio. (ANTUNES apud DELGADO; HERITAGE, 1999, p. 155).

Não descreverei aqui os exercícios específicos da técnica41, uma vez que eles não se constituem como referencial da pesquisa prática. Porém, para encerrar a exposição sobre os Princípios que regem o sistema cabe destacar os demais autores e obras que compõem as