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Considerações teórico-metodológicas

Adotamos a análise documental como metodologia para identificar nos documentos da Unesco as recomendações para organização de redes e parcerias entre Estado e organizações privadas sem fins lucrativos, e nos documentos da rede Gife, as diretrizes de constituição de uma rede de política pública e respectiva forma de atuação. Para tais fins, apresentamos abaixo o corpus documental, divididos em principais e complementares:

a) Documentos principais

• Proyecto Regional de Educación para América Latina y el Caribe - Prelac. Primera Reunión Intergubernamental del Prelac;

• La educación como bien público y estratégico. Encuentro regional Unesco-Unicef ;

• Educación de calidad para todos: un asunto de derechos humanos. Documento de discusión sobre políticas educativas en el marco de la II Reunión Intergubernamental del Prelac;

• Plano de mobilização social pela educação;

• Gife: Relatório de atividades: anuarios de 2000 a 2009; • Gife: Código de ética;

• Gife: Estatuto;

• Perspectivas para o marco legal do terceiro setor; • Censo Gife educação;

• Guia Gife sobre investimento social privado em educação;

• Mapa estratégico e plano de ação 2010.

b) Documentos complementares

• Financiamiento y gestión de la educación en América Latina y el Caribe. Trigésimo período de sesiones de la Cepal;

• Education Sector Strategy Update;

• Influir em políticas públicas e provocar mudanças sociais. Experiências a partir da sociedade civil brasileira;

• Censo GIFE 2007/2008;

• Education change in Latin American and the Caribbean.

Compreender a produção de consensos, a assimilação de conceitos e a adesão às reformas educacionais pressupõem entender também como se produzem as políticas educacionais. Para tanto, estudamos as propostas da Unesco para as políticas educacionais do século XXI na América Latina, particularmente no que concerne a organização de redes comprometidas com a educação no Brasil.

É importante frisar que, ao analisar documentos de políticas, adotamos como premissa que discursos políticos são produzidos a partir de embates de interesses e que a formulação das políticas brasileiras sofre influências de diretrizes e metas estabelecidas internacionalmente (GARCIA, 2004). A profusão de documentos produzidos por organizações multilaterais pode ser compreendida, então, como estratégia que se destina tanto a pautar a agenda a ser seguida, quanto a apresentar um conjunto de justificativas que objetivam convencer da “necessidade” do cumprimento dessa agenda (CAMPOS, 2005). Nesse sentido, os textos são produtos e produtores de orientação políticas, que

[...] embora caracterizados por um tom prescritivo e recorrendo a argumento de autoridade, os textos da política dão margem a interpretações e reinterpretações, gerando, como conseqüência, atribuição de significados e

de sentidos diversos a um mesmo termo (SHIROMA; CAMPOS; GARCIA, 2005, p. 431).

Sabemos que a política nacional sofre a influência de organizações multilaterais e é constituída por meio de planos, programas e projetos, mas, para chegar a materializar-se nas instituições escolares passa por um conjunto de instâncias que concordam, discordam, adaptam, aderem, acrescentam, suprimem de acordo com o embate de forças, interesses, etc. (SHIROMA, 2007).

Entendemos que apreender a funcionalidade das redes nos documentos da Unesco contribuirá para a compreensão dos sentidos das políticas proposta para a educação do século XXI; políticas que anunciam a partilha do poder, a eqüidade e a solidariedade e que ocultam processos de luta pela hegemonia, antagonismos de classes e a reprodução da sociabilidade capitalista.

Para descrever e analisar o modo como a rede Gife se constitui e como opera, com a expectativa de apreender a sua funcionalidade na formulação das políticas sociais brasileiras, adotamos como metodologia de análise a Análise de Redes Sociais (ARS).

A metodologia de ARS é eminentemente descritiva e não se constitui numa teoria, podendo ser utilizada com distintas abordagens teóricas. Assim sendo, trabalhamos com o referencial gramsciano para discutir as relações entre Estado e sociedade,

apoiando-os em Gramsci (1984; 1979) e nos estudos de Neves (2010; 2009; 2008; 2005), Acanda (2006), Nogueira (2003; 2001), Magrone (2006), Martins (2008a), Semeraro (2006), Lima e Martins (2005) e Martins (2009; 2008). Para compreender as políticas sociais nos amparamos nas pesquisas de Simionato (2009; 2007; 2006; 2004); apoiamos nossas reflexões sobre o “terceiro setor” nos estudos de Montaño (2005); buscamos em Shiroma, Campos e Garcia (2005) subsídios teórico- metodológicos para a análise de documentos e, para a análise de redes, nos voltamos aos escritos, principalmente, de Marques (2003; 2000), Minella (2007; 2003), Pizarro (2009), Evangelista e Shiroma (2008), Shiroma (2009; 2008), Klijn (1998), Zurbriggen (2006) e Lopes (2008).

A atualidade do pensamento de Gramsci está relacionada às contribuições que se pode extrair de suas análises do processo de produção e reprodução do capitalismo (MARTINS, 2008a) para compreender as iniciativas das empresas na área social, como parte de um “[...] novo espírito capitalista, na idéia de que a indústria e o comércio antes de serem um negócio, são um serviço social” (GRAMSCI, 1984, p. 415. Grifos no original). Na tentativa de construir uma nova pedagogia da hegemonia (NEVES, 2005) pelo fortalecimento do marketing social, empresas e organizações privadas sem fins lucrativos se reúnem ao redor de questões sociais, para que “[...] o “capitalismo de rapina” [seja] superado e se instaur[e] um novo costume, mais

propício ao desenvolvimento das forças econômicas” (GRAMSCI, 1984, p. 416); um tipo de sociabilidade que produz a internalização dos valores do capital pelas classes subalternas, contribuindo para a conformação de um novo tipo de homem necessário em cada tempo histórico (MÉSZÁROS, 2004).

Buscamos compreender o modo como as práticas de empresas na área social se efetivam e discutir a que, essencialmente, se destinam estas iniciativas na área educacional. Embora alguns autores já tenham se dedicado à temática da responsabilidade social no campo educacional (MARTINS, 2009; AZEVEDO, 2008; LIMA; MARTINS, 2005) um fenômeno recente carece de investigação: a ampla difusão da noção e práticas de ISP. De acordo com o Gife (2010), trata-se de uma especificidade da responsabilidade social e se dá quando a empresa decide profissionalizar ou institucionalizar sua ação social com a comunidade, ou seja, quando ela decide repassar recursos privados para fins públicos de maneira planejada e gerenciada. Essa afirmação suscita um amplo leque de indagações sobre intenções, mecanismos de atuação, aporte jurídico-normativo que fundamenta essa prática de investimento. Requer pensar na articulação entre econômico e político, entre macro e micro. Para tanto descrevemos e apresentamos graficamente a rede Gife, dando visibilidade às organizações que a compõem, analisando seus objetivos e modos de atuação e estudando suas produções para área da educação.

A partir dos dados sobre os gestores e associados da rede Gife, e sua afiliação a outras organizações, desenhamos os contornos dessa rede. Convém ressaltar que, mapear as informações para apresentar graficamente a rede Gife “não constitui[u] um fim em si mesmo” (SHIROMA, 2008, p. 19), mas um meio de agrupar e compilar dados, favorecendo a construção de hipóteses que contribuam para a compreensão do processo implicado na produção de políticas educacionais em curso.