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Considerações em torno dos tipos de dominação em Weber – Poder como

CAPÍTULO I CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS SOBRE O PODER E SUAS

1.1. Considerações em torno dos tipos de dominação em Weber – Poder como

Max Weber foi um teórico clássico que procurou estudar e explicar os fenômenos históricos e sociais, de forma individual e específica, utilizando-os metodologicamente como referências para a compreensão dos modos de agir do homem em sociedade.

Segundo Weber, o poder assume basicamente uma dimensão relacional sob a forma de dominação legítima. Acontece a dominação quando existe a possibilidade de obediência e de submissão numa relação social. Quando alguém ou algum grupo se submete às ordens e/ou desejos de alguém ou de alguma instituição, de forma resistente ou não, ou quando se observa uma conduta de obediência nestas relações, podemos dizer que está acontecendo o exercício do poder.

Weber (2001) nos mostrou que as relações de dominação (poder) entre as pessoas e os grupos se dão com base em interesses, vantagens, costumes, hábitos e tradições, por “puro afeto” e/ou por caráter jurídico, o que confere legitimidade à dominação.

Em seus estudos para a compreensão da realidade social, Weber (2001), através das abordagens da sociologia compreensiva, mostrou a importância da ação social impregnada de sentido e significado, objetiva e subjetivamente orientada para determinados fins sociais. Partindo dessa necessidade de compreensão da realidade social, Weber propôs a construção de tipos-ideais como “meio de conhecimento” que “têm, antes, o significado de um conceito-limite, puramente ideal, em relação ao qual se mede a realidade, a fim de esclarecer o conteúdo empírico de alguns dos seus elementos importantes, e com o qual esta é comparada” (2001, p. 140).

Os tipos ideais foram criados por Weber com base na análise dos conceitos de tipos e das regras gerais dos acontecimentos. Partindo desta análise, o autor idealizou tipos pessoais e institucionais que orientavam racionalmente as ações das pessoas e instituições, lembrando que a formulação conceitual desses tipos não deveria ser considerada como exemplo ou norma de vida, mas como referência para o entendimento das ações nas quais os sujeitos constroem suas relações históricas e sociais, permeadas por uma significação

cultural. Assim, o autor construiu vários tipos ideais, sendo os mais conhecidos: a Ética Protestante, o Espírito do Capitalismo, a Burocracia e as Formas de Dominação.

No caso da nossa pesquisa, onde discutimos as relações de poder, pretendemos analisar as formas de dominação apresentadas por Weber. Esse autor propôs três tipos puros/ideais de dominação legítima: a dominação legal, a dominação tradicional e a dominação carismática.

A dominação legal tem como seu tipo mais puro a dominação burocrática. Essa é a relação de poder que se observa nas grandes empresas compostas por um chefe, diretor ou gerente e de funcionários. O chefe, superior da empresa, deve ser obedecido não por sua pessoa, mas pelo cargo que ocupa, ou seja, deve-se obediência à regra estatuída que deve, por sua vez, ser ditada e obedecida, inclusive pelo próprio superior. As relações entre superior e funcionários devem ser exclusivamente profissionais, isentas de influências pessoais e afetivas, tendo como objetivo maior a disciplina do serviço, para garantir a excelência do funcionamento técnico do trabalho e o direito à ascensão e à promoção profissional.

Como vemos, a partir desta descrição, a burocracia é o tipo mais puro de dominação legal, mas não é o único tipo desta dominação (WEBER, 2001), porque existem outras formas de dominação que, apesar de não estarem impregnadas dos rituais rotineiros burocratizados, mantêm a característica, o perfil da legitimidade.

Podemos citar, a partir das análises weberianas, a dominação tradicional que tem como seu tipo mais puro a dominação patriarcal. É a relação de poder que se observa entre o senhor e os súditos ou servidores que exercem obediência por fidelidade ao senhor, que por sua vez, tem sua posição garantida pela tradição do grupo ou da comunidade onde vivem essas pessoas. A regra

estatuída que dá legitimidade a esse tipo de dominação é a sabedoria do patriarca, ou ainda, seu arbítrio diante das situações, de acordo com suas simpatias, antipatias, pontos de vista e preferências em relação aos súditos ou servidores.

Quando Weber se refere à dominação carismática, cita como seus tipos mais puros/ideais, “a dominação do profeta, do herói guerreiro e do grande demagogo” (2001, p. 354). A relação de poder aqui observada acontece entre o líder e o apóstolo. A obediência ao líder deve-se ao seu carisma, às suas qualidades excepcionais e não à sua posição estatuída ou à sua dignidade tradicional. O pressuposto básico desta relação de dominação/poder é a confiança dos liderados em relação aos seus líderes.

Entendemos, assim, com esta breve caracterização das formas de dominação, o acento e a importância que Weber dá à ação social, às relações sociais significativas. Este autor diz que “a sociedade é fruto de uma inter- relação de atores sociais, onde as ações de uns são reciprocamente orientadas por e em direção às ações de outros” (apud MINAYO, 2000, p. 51). Vimos, nos três tipos de dominação, as ações dos dominadores, dos superiores orientadas em direção às ações dos dominados e vice-versa, com base em sentido e em significados subjetivos. Os superiores, os senhores, os líderes, de forma burocrática, tradicional ou carismática tornam legal o poder de mando de suas ações em direção aos seus subordinados.

Em seu texto Economia e Sociedade, Weber (1994, p. 33) identifica o poder como “toda probabilidade de impor a própria vontade numa relação social, mesmo contra resistências, seja qual for o fundamento dessa probabilidade”. Diz que a “dominação é a probabilidade de encontrar obediência a uma ordem de determinado conteúdo, entre determinadas pessoas indicáveis” e acrescenta que “disciplina é a probabilidade de encontrar obediência pronta, automática e

esquemática a uma ordem”, num grupo de pessoas, “em virtude de atividades treinadas” (op. cit.).

Podemos perceber, com a leitura da conceituação acima, que o autor estabelece uma diferença entre poder, dominação e disciplina. O poder implica na possibilidade, de qualquer sujeito ou grupo, de impor a própria vontade em qualquer situação. A dominação implica na possibilidade de obediência a uma ordem e a disciplina supõe o treino da “obediência em massa, sem crítica, nem resistência”. Logo, podemos deduzir que todas as pessoas e grupos têm poder, mas nem todos conseguem dominar ou conseguir disciplina em situações determinadas. Entendemos, também, que as relações, nos três tipos de dominação apresentados, estão impregnadas de poder, mas a disciplina é um componente muito mais forte e intenso na dominação legal, devido às regras estatuídas racionalmente em documentos e aparatos jurídicos.

Algumas considerações sobre os tipos de dominação no cotidiano da sala de aula a partir de Weber

Os estudos de Weber não se voltaram para as questões educacionais de uma forma sistemática, mas, sem dúvida, podemos encontrar contribuições significativas na teoria weberiana à análise do cotidiano da escola e, mais especificamente, da sala de aula.

Interessa-nos sobretudo mostrar a incidência weberiana dos tipos de dominação no cotidiano da sala de aula, uma vez que esse autor fez uma análise ampla da problemática da dominação em suas pesquisas.

De inicio, podemos considerar a prática pedagógica como uma ação social repleta de significados e permeada de poder, dominação e disciplina.

Trazendo essas noções de poder, dominação e disciplina para a análise das situações do cotidiano da sala de aula, podemos nitidamente observar a incidência destes componentes na ação e na relação pedagógica. Quando o professor impõe sua vontade na sala de aula, de acordo com seus interesses e necessidades, mesmo enfrentando a resistência dos alunos, está exercendo poder. Quando o professor impõe sua vontade através de uma ordem dada e consegue a obediência dos alunos à sua ordem, está exercendo a dominação, e quando o professor consegue treinar, automatizar seus alunos em relação às ordens que devem ser cotidianamente cumpridas em sala de aula, conseguiu e está exercendo a disciplina. Podemos entender assim, que, entre o poder e a dominação, existe o determinante da ordem-obediência e a transição para a disciplina supõe o treino e o automatismo da ordem e da obediência.

Podemos compreender na relação professor-aluno a dominação legal quando observamos o ritual burocrático de que é revestida aquela relação e todo o cotidiano escolar. A presença da burocracia é notada desde a entrada do aluno na escola até sua saída e no dia-a-dia da sala de aula. O ato da matrícula com todas as suas exigências, a organização dos horários, o cumprimento das datas comemorativas, as datas das provas/testes mensais, bimestrais, semestrais e finais, a entrega de planos, roteiros, relatórios, projetos dos professores destinados aos supervisores e dos alunos aos professores e tantas outras ações que se desenvolvem na escola/sala de aula e que seguem uma ordenação através de leis, regulamentos ou normas administrativas, correspondem às características da burocratização. Estas são ações tão cristalizadas no cotidiano da escola e da sala de aula que passam a assumir a dimensão forte, impessoal, formal, material e utilitarista da legalidade, da dominação legal.

A relação docente também é calcada na tradição. O professor é, tradicionalmente, na relação e na prática pedagógica, a pessoa que coordena o

processo de ensino. Os alunos se “acostumaram” a ver no professor a autoridade a quem devem respeitar, por suas qualidades pessoais e não por determinações legais. Devido a esta posição no cenário pedagógico, o professor sempre deteve as honrarias e o patrimônio no processo de ensino. Na sala de aula, ele é o patriarca legitimado pelos seus discípulos, que lhe dispensam fidelidade pessoal.

Encontramos ainda, na relação professor-aluno, a força do carisma. Podemos observar a dominação carismática em muitos professores que, para seus alunos, são tidos como heróis e são obedecidos como líderes “por suas qualidades excepcionais e não por sua posição estatuída ou sua dignidade tradicional” (WEBER, 2001, p. 354). Temos condições de observar que alguns professores exercem um fascínio muito intenso sobre seus alunos, através de seus exemplos e atitudes, chegando a envolvê-los afetivamente de forma exacerbada e, muitas vezes, embotando a dimensão racional que deve permear qualquer relação e, em nosso caso, a relação professor-aluno.

Vimos assim, com essa breve caracterização, a intensidade com que a legitimação e a força do poder estão presentes nos estudos de Weber e como podemos senti-las efetivamente no cotidiano da sala de aula na relação professor-aluno. Essa evidência é percebida nas análises feitas por este teórico no que se refere às ações sociais e às suas significações no plano da subjetividade e da intersubjetividade.