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CONSIDERAÇÕES TRANSITÓRIAS

No documento DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL (páginas 139-161)

Um dos meus objetivos é mostrar às pessoas que um bom número de coisas que fazem parte de sua paisagem familiar – que elas consideram universais – são o produto de certas transformações históricas bem precisas. Todas as minhas análises se contrapõem à ideia de necessidades universais na existência humana. Elas acentuam o caráter arbitrário das instituições e nos mostram de que espaço de liberdade ainda dispomos, quais são as mudanças que podem ainda se efetuar. Michel Foucault (2010h, p. 296).

O objetivo desta tese foi analisar os efeitos da Portaria do Nome Social como estratégia de inclusão escolar de travestis e transexuais. Tal política, apesar de bem intencionada, não conseguiu, pelo menos até o momento, produzir a esperada “educação inclusiva” para travestis e transexuais, pois a autorização do uso do nome social não foi acompanhada de outros investimentos necessários. A tese defendida é que a inclusão escolar da diversidade de modos de viver depende de múltiplos fatores, não se limitando às políticas de inclusão existentes.

Há fatores externos à escola que dificultam a inclusão escolar de pessoas trans. A maioria é expulsa de casa quando começa a assumir a travestilidade/transexualidade. Com isso, muitas recorrem à prostituição como forma de sustentar a vida e não enxergam as vantagens na escola para seus futuros, nem mesmo para conseguir um emprego considerado melhor, mais rentável e menos perigoso, visto a dificuldade de uma travesti ou transexual conseguir um emprego formal. Com isso, a escola se afasta cada vez mais do horizonte de possibilidades de muitas pessoas trans.

De outro lado, há também os fatores vivenciados no cotidiano escolar que inviabilizam o sucesso da Portaria do Nome Social como estratégia de inclusão. A homofobia que atravessa os vários âmbitos escolares provoca a sensação de que a escola não é lugar para travestis e transexuais: o não respeito ao nome social, a proibição de usar o banheiro que corresponda ao gênero identificado, o não reconhecimento da travestilidade e da transexualidade como formas possíveis de estar no mundo. Além disso, a Portaria do Nome Social é pouco conhecida entre professores/as, diretores/as e até mesmo pelas

pessoas trans. Esses, entre tanto outros elementos, não são atrativos para a permanência ou retorno de travestis e transexuais para as salas de aula.

Um aspecto que perpassa todos os fatores acima elencados é o preconceito direcionado a travestis e transexuais. Tal preconceito é fruto da patologização dessas formas de viver. Atualmente, tudo é diagnosticado, haja vista o aumento das doenças catalogadas no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM). Se em 1952, a primeira edição do DSM continha 106 categorias de desordens mentais, organizadas em 130 páginas, na última edição, em 1994, o DSM-IV listou 297 transtornos em 886 páginas. Quem duvida de que o DSM-V, a ser publicado em 2013, venha ainda maior? Percebe-se, desse modo, que qualquer fenômeno, característica pessoal, gosto ou preferências são observados pelas lentes da normalidade versus anormalidade, tendo como referência e aval os saberes “médicos-psi”, que sequestram as experiências identitárias e as reduzem a um transtorno.

E a escola precisa dar conta dos “anormais” produzidos por tais saberes. Por isso, uma das máximas contemporâneas vivenciadas pela escola é a “educação inclusiva”, ou seja, uma educação pretensamente capaz de incluir a todos os tipos de pessoas nas escolas. Surgida no início da década de 1990, a “educação inclusiva” é uma proposta para substituir a então vigente “educação especial” dedicada às pessoas com deficiência74 (SKLIAR, 2001; MENDES, 2006). Nesta última, a escolarização das pessoas com deficiência era realizada em escolas ou salas específicas, separando as pessoas atendidas por categorias e segregando-as das consideradas “normais”. A mudança trazida pela educação inclusiva almejava superar a exclusão das pessoas com deficiência ao propor, entre outras ações, que a escolarização ocorresse prioritariamente em salas regulares.

A partir de 2003, as políticas de educação inclusiva são alavancadas no Brasil com projetos que preveem a inclusão não apenas para as pessoas com deficiência, mas para todas as pessoas que sofrem alguma forma de exclusão educacional. Contudo, a inclusão continua sendo um dos temas mais controversos na educação atual. Há leis (Constituição de 1988, Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional de 1996 etc.), declarações

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Segundo Sassaki (2003), na Convenção Internacional para Proteção e Promoção dos Direitos e Dignidade das Pessoas com Deficiência, ficou decidido que o termo correto utilizado para se referir a essa população seria “pessoas com deficiência”. Esse termo foi escolhido levando em consideração algumas questões, entre elas: não esconder ou camuflar a deficiência, mostrar com dignidade a realidade e valorizar as diferenças e necessidades decorrentes da deficiência. Tal termo já é utilizado amplamente no Brasil, tendo, inclusive, uma Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência.

internacionais (Declaração de Mundial sobre Educação para Todos de 1990, Declaração de Salamanca de 1994 etc.) e regulamentações diversas (Plano Nacional de Educação de 2001) sobre educação inclusiva, mas é visível que a escola não está preparada para acolher a diversidade de formas de viver: capacitação profissional, salas e recursos especializados etc. (SKLIAR, 2001; MENDES, 2006).

Porém, no caso de travestis e transexuais a questão da aprendizagem não depende de recursos específicos, pois elas/es não são pessoas com deficiência, ainda que sejam considerados/as, muitas vezes, como pessoas com deficiência moral. Para os primeiros, há uma maior sensibilização para a temática da inclusão, pois são “vítimas” de uma doença congênita, biológica ou adquirida; quanto ao segundo grupo, eles/as “escolheram” se tornar anormais sexuais e, portanto, devem suportar as consequências de suas escolhas.

De todo modo, a inclusão é defendida considerando que a escola deve incluir “o/a diferente”. No caso das pessoas com deficiência, elas são diferentes das pessoas sem deficiência, ou seja, normais. No caso das pessoas trans, ela são diferentes das heterossexuais, ou seja, normais. A heterossexualidade continua como parâmetro em relação a qual as outras formas de viver são comparadas. É a condição de vida desejável, normal, logo, todas as demais são vistas de modo negativo. Se, como dito acima, a Portaria do Nome Social não conseguiu produzir a inclusão de travestis e transexuais, ao menos, provoca alguma tensão no regime de verdade que nega às pessoas trans o direito ao nome e à escola.

Dessa forma, dizer que os efeitos de inclusão escolar da Portaria do Nome Social ainda se desenham como algo distante, não significa dizer que não houve efeitos. Por exemplo, a partir dessa legislação pioneira no Estado do Pará, o uso do nome social se tornou uma bandeira de reivindicação nacional do movimento LGBT, produzindo diversas legislações nos âmbitos federal, estadual e municipal que regulamentam esse direito a travestis e transexuais.

Além disso, destacam-se os diversos efeitos de subjetivação provocados por essa portaria, gerando processos de capturas identitárias ao mesmo tempo em que ensaiam possibilidades de resistência. Tais capturas se referem aos processos que vinculam o acesso a um direito a uma identidade preestabelecida: é preciso “se assumir” como travesti ou transexual para poder usar o nome social no cotidiano escolar. O problema em tal adesão identitária reside nas tecnologias de controle que a ela são acopladas. Ao assumir uma identidade, carrega-se o fardo de ter que seguir as prescrições adequadas para cada

categoria: ser homem, ser mulher, ser travestis/transexual, ser adulto etc. Tais prescrições funcionam como controle das formas de viver, assim sendo, a política em questão entra no dobramento do poder, uma vez que força o sujeito a se voltar para si próprio e assim, o liga à sua identidade de modo coercitivo (FOUCAULT, 2010b).

Essa forma de poder aplica-se à vida cotidiana imediata, que categoriza o indivíduo, marca-o com sua própria individualidade, liga-o a sua própria identidade, impõe uma lei de verdade, que devemos reconhecer e que os outros têm de reconhecer nele. É uma forma de poder que faz dos indivíduos sujeitos. Há dois significados para a palavra sujeito: sujeito ao outro através do controle e da dependência, e ligado à sua própria identidade através de uma consciência ou do autoconhecimento. Ambos sugerem uma forma de poder que subjuga e sujeita (FOUCAULT, 2010b, p. 278).

Outros efeitos de subjetivação produzidos pela política do nome social residem nos processos disciplinares e normalizadores operados pela escola. Atualmente, pode-se dizer que a identidade já não está sendo produzida apenas por uma normatividade “médico-psi”, mas também, por uma normatividade econômico-empresarial. O neoliberalismo visa construir a figura de um sujeito que adere voluntariamente às demandas do mercado econômico e, dessa forma, se torna um empreendedor de si mesmo. Nesse cenário, a escola é um espaço para ensinar as técnicas de gestão de si, capturando os corpos e tornando-os viáveis para a produção e consumo. Por isso a máxima da inclusão escolar contemporânea: não é interessante que uma parcela da população fique excluída do mercado consumidor.

Todavia, se de alguma forma a Portaria do Nome Social, ao convocar à escolarização de travestis e transexuais, participa dessa produção de subjetividade empresarial, governável em função da lógica econômica, por outro lado, identifico efeitos da portaria que ensaiam possibilidades de resistência aos mecanismos de normalização.

A autorização de usar o nome social remete à luta pelo direito à diferença, de efetivar os modos de viver que a pessoa considera conveniente. De algum modo, há o reconhecimento de formas de viver diferentes da heterossexualidade. Há também o reconhecimento de que travestis e transexuais sofrem uma série de constrangimentos no cotidiano da escola por terem uma aparência incompatível com o nome do registro civil e, para tentar minimizar a “expulsão escolar”75 dessa população, criou-se a legislação em

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Bento (2011) afirma que é limitado dizer que há evasão escolar de travestis e transexuais da escola, uma vez que há uma diferença gritante entre alguém que deixa de estudar porque precisa trabalhar para ajudar a família daquele outro alguém que abandona os estudos porque é diferente, por não aguentar a reiteração dessa diferença cotidianamente, por não suportar se submeter às constantes tecnologias que o/a produzem como anormal perante os supostos normais.

questão. E com tal tentativa de inclusão escolar, resiste-se também à produção da travestilidade e da transexualidade como formas de vidas abjetas, que só são autorizadas a viver na marginalidade e/ou prostituição.

Por isso, apesar de criticar a escola e seus mecanismos disciplinares e normalizadores, defendo a escolarização de travestis e transexuais, pois na escola, como espaço de complexidades, coexistem estratégias de controle com possibilidades de resistência. É uma aposta na escola como um espaço ético, de produção de uma prática refletida de liberdade, de incitação de uma atitude crítica. Desse modo, a escola pode ser uma ferramenta produtora de críticas às formas de governamento da vida.

Em busca de construir esse cenário, como nos diz Foucault (2006c, p. 316): “devemos começar por reinventar o futuro, mergulhando-o em um presente mais criativo”. Nesse caso, só uma redescrição inédita das práticas escolares poderia ser um instrumento contra a submissão da subjetividade e produção ética da vida.

Sílvio Gallo (2003), em um livro destinado ao diálogo entre a obra de Gilles Deleuze e a educação, nos dá algumas pistas de como seria uma educação como resistência aos procedimentos instituídos na escola. O autor realiza um deslocamento do conceito de “literatura menor” – feita pelo filósofo em parceria com Félix Guattari na obra Kafka: por uma literatura menor– para a área da educação. Gallo (2003) nos incita a pensar em uma “educação menor” como enfrentamento à “educação maior”.

A educação maior é aquela materializada na macropolítica, nos planos educacionais, nos parâmetros curriculares, das Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, dos grandes mapas e projetos. Em contrapartida, a educação menor é um ato de revolta e resistência:

Revolta contra os fluxos instituídos, resistência às políticas impostas; sala de aula como trincheira, como a toca do rato, o buraco do cão. Sala de aula como espaço a partir do qual traçamos nossas estratégias, estabelecemos nossa militância, produzindo um presente e um futuro aquém ou para além de qualquer política educacional. Uma educação menor é um ato de singularização e de militância (GALLO, 2003, p. 78). Para se efetivar a educação menor faz-se necessário desterritorializar os princípios e normas da educação maior nas ações cotidianas, opondo-se aos mecanismos de controle e criando possibilidades outras. Produzir diferenças ao impedir que a produção do mesmo se estabeleça. Gallo (2003) compara tal ação com a dos grevistas em uma fábrica: o objetivo é impedir a produção bem-planejada da educação maior. É uma aposta nos atos cotidianos,

sem modelos a serem seguidos ou propostos; o objetivo da educação menor é estabelecer conexões: entre professores/as e estudantes, dos/as estudantes entre si, dos/as professores/as entre si.

Com efeito, a educação menor não tem espaço para atos solitários, posto que é um exercício de produção de multiplicidades, no qual todo ato adquire valor coletivo. É uma aposta nas multiplicidades conectadas: “não há sujeito, não há objeto, não há ações centradas em um ou outro; há projetos, acontecimentos, individuações sem sujeito. Todo projeto é coletivo. Todo valor é coletivo. Todo fracasso também” (GALLO, 2003, p. 84). Nesse sentido, faz-se necessário uma intervenção coletiva para acionar outras forças na atuação escolar. Frente à universalização da educação maior das políticas de inclusão, uma educação menor, na invenção cotidiana de resistência.

Em relação à inclusão escolar de travestis e transexuais, um poderoso instrumento de uma educação menor seria a desnaturalização das dualidades estanques produzidas pela educação maior: o certo e o errado, o normal e o anormal (ROCHA, 2008). Para além de qualquer política de inclusão, uma educação menor teria como instrumento a produção da diferença nos fluxos cotidianos da ação.

A diferença aqui convocada é aquela entendida, sob inspiração deleuziana, como diferença por si mesma e não aquela centrada no princípio de identidade, na qual, “se dizemos que x é diferente, é porque ele é diferente de certa identidade previamente definida, isto é, x é diferente de y” (GALLO, 2009, p. 8). Nesses termos, falar em diferença pressupõe a referência a algo, um ser universal, do qual derivam as diferenças. Homossexuais são diferentes? Travestis são diferentes? Diferentes de quem? Qual é o referencial da diferença?

Seguindo essa lógica, não existe diferença de fato, mas uma simples variação do mesmo. Como variação, a diferença não perturba a norma. Pelo contrário, ela reafirma a norma, uma vez que, mesmo não estando “dentro” da norma, está sob a luz e interpretação da norma. Travestis e transexuais são diferentes dos/as heterossexuais. Isto é, variam da norma ao serem interpretados/as pelas lentes da heteronormatividade.

[...] a norma, ao mesmo tempo em que permite tirar, da exterioridade selvagem, os perigosos, os desconhecidos, os bizarros – capturando-os e tornando-os inteligíveis, familiares, acessíveis, controláveis –, ela permite enquadrá-los a uma distância segura a ponto que eles não se incorporem ao mesmo. Isso significa dizer que, ao fazer de um desconhecido um conhecido anormal, a norma faz desse anormal mais um caso seu. Dessa forma, também o anormal está na norma, está sob a norma, ao seu abrigo. O anormal é mais um caso, sempre previsto pela norma. Ainda que o

anormal se oponha ao normal, ambos estão na norma. É também isso que faz dela um operador tão central para o governo dos outros; ninguém escapa dela (VEIGA-NETO, 2001, p. 29).

Com efeito, ao serem considerados/as “diferentes”, travestis e transexuais apenas confirmam a norma que tem no homem branco, ocidental, cristão, heterossexual, proprietário e consumidor seu eixo de referência. Ana Maria Fernández (2009) nos fala que o mesmo processo no qual se distingue a diferença, institui-se a desigualdade. Dessa forma, a diferença também é tida como o negativo do idêntico, pois não se trata de uma mera diferença, mas de uma diferença desigual, produzida no interior de relações de poder por dispositivos biopolíticos. Travestis e transexuais não são apenas diferentes: são inferiores e precisam de políticas para que retornem ou permaneçam na escola.

A diferença é materializada “no diferente”, que passa a ser diagnosticado a partir de padrões da suposta normalidade que estabelecem o mérito dos bem-sucedidos na escola e na vida (ROCHA, 2008). A partir de uma característica considerada “diferente”, constrói- se uma totalidade, uma identidade. Distingue-se uma característica de toda uma multiplicidade de outras características e totaliza o ser em uma identidade “diferente”, inferior.

Partindo de outra perspectiva, Deleuze (2006b, p. 57) afirma: “[é preciso] tirar a diferença de seu estado de maldição”. Ou seja, é preciso não relacionar a diferença a uma suposta normalidade, mas tomar a diferença em si mesma. Portanto, pensar a diferença sem referência à identidade, mas sim, diferenças de diferenças sem nenhum centro referencial. “Diferenças, sempre no plural. Diferenças que não podem ser reduzidas ao mesmo, ao uno; diferenças que não estão para ser toleradas, aceitas, normalizadas. Diferenças pelas diferenças, numa política do diverso” (GALLO, 2009, p. 9).

A questão é fazer diferenças, o que não significa produzir “o/a diferente”. São sempre diferenças de diferenças, que, ao invés de fixar identidades, geram intensidades diferenciais (forças, fluxos, movimentos), convocando à invenção de novas formas de existência. Desse modo, não se trata de perguntar o que uma coisa é, mas sim, com quantos elementos ela se conecta. Portanto, a concepção deleuziana da diferença é um convite a deslocar o referencial da unidade para a multiplicidade (DELEUZE, 2006b).

Por meio de uma educação menor é possível pensar em uma escola que tenha como princípio norteador a suspeita: de suas verdades, das diretrizes, do currículo, da produção

do certo e do errado. Em suma, uma escola que possa servir como instrumento de luta e resistência aos processos de subjetivação que limitam a potência da própria vida.

Evoca-se aqui o papel que os/as agentes escolares podem (e devem) assumir nessa educação menor, na reivindicação por práticas mais igualitárias no que tange a escolarização das pessoas que fogem dos padrões heteronormativos. Agindo de modo a desterritorializar as diretrizes da educação maior, o/a educador/a pode criar espaços políticos no cotidiano de suas ações, nas relações que estabelece com as pessoas, tal como ocorreu na luta pela inclusão de pessoas com deficiência ou mesmo na luta contra os manicômios. O movimento de luta antimanicomial, por exemplo, não surgiu dos loucos internados em condições precárias, mas sim dos trabalhadores/as da saúde mental. Com o lema “por uma sociedade sem manicômios”, houve a ampliação do movimento de trabalhadores da saúde mental para um movimento social pela reforma psiquiátrica e cidadania dos doentes mentais, convocando o comprometimento da sociedade de maneira geral para a atenção e desinstitucionalização da loucura (AMARANTE, 1996).

Com isso, quero destacar a ação que os/as agentes escolares podem desenvolver em prol de uma efetiva inclusão escolar de travestis e transexuais. Professores/as, diretores/as, psicólogos/as, assistentes sociais, funcionários/as de diversos setores da educação poderiam formar uma frente de luta para as questões que envolvem a diversidade sexual. Seria o começo para uma mobilização por práticas transformadoras e por reflexões críticas sobre a presença da diversidade de formas de viver na escola.

Porém, os/as próprios profissionais trazem as marcas do preconceito contra pessoas não heterossexuais em suas práticas. Não é difícil ouvir o discurso que diz: “eu não tenho nada contra um homossexual, contanto que ele seja discreto”, ou seja, que não pareça ser “o que é”. No caso das pessoas trans, é difícil essa discrição exigida: a diferença está cravada na carne, visíveis nos atributos elegidos para compor sua forma de viver.

Contudo, não se pode culpabilizar isoladamente os/as educadores/as. O amor entre pessoas do mesmo sexo, assim como a subversão dos gêneros inteligíveis, foi secularmente considerado, dependendo do período histórico vivido, como crime hediondo ou pecado abominável ou anormalidade sexual, provocando uma aversão quase generalizada aos não heterossexuais (MOTT, 2002). Os/as profissionais de educação são também fruto dessa socialização. Mas não é por isso que não são responsáveis em produzir rupturas nesse regime de verdade. Eis, portanto, que um instrumento fundamental para a

desfamiliarização da heteronormatividade reside na formação profissional de futuros e atuais educadores/as.

De outro modo, irá se perpetuar o efeito perverso de todo esse processo que reitera a heteronormatividade e homofobia: a expulsão de travestis e transexuais das escolas. Aí, condenam-se travestis e transexuais de serem marginais e por viverem majoritariamente na prostituição. Porém, pouco se fala das situações que provocaram a saída da escola. A marginalidade e prostituição são sintomas de exclusões continuadas pelas quais passam

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