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DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

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Academic year: 2018

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Maria Lúcia Chaves Lima

O uso do nome social como estratégia de inclusão escolar de

transexuais e travestis

DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

(2)

MARIA LÚCIA CHAVES LIMA

O uso do nome social como estratégia de inclusão escolar de

transexuais e travestis

DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para a obtenção do título de Doutora em Psicologia Social, sob a orientação da Profa. Dra. Mary Jane Paris Spink.

SÃO PAULO

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Banca examinadora

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar e de maneira muito especial, agradeço à Profa. Dra. Mary Jane Spink, pela compreensão e paciência nesse processo de orientação quase sempre à distância. Agradeço pela acolhida, confiança, orientações cuidadosas e por me tranquilizar nos momentos mais angustiantes.

Ao Prof. Dr. Ricardo Pimentel, à Profa. Dra. Cintya Ribeiro e à Profa. Dra. Denise

Sant’Anna pelas considerações feitas a esse trabalho quando do exame de qualificação. Ao Ricardo, agradeço também, por ter acompanhado de maneira sempre muito generosa o meu percurso acadêmico desde a graduação em Psicologia.

À CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), pela bolsa de doutoramento concedida.

A todas as pessoas que ajudaram a produzir as informações apresentadas na presente pesquisa. Em especial, a todas as travestis e transexuais que se disponibilizaram a partilhar comigo um pouco de suas vidas.

À Symmy Larrat, por todo apoio concedido durante a realização desta pesquisa.

Ao Núcleo de Práticas Discursivas e Produção de Sentidos da PUC-SP, pela acolhida e instigantes discussões estabelecidas.

Ao Instituto de Ciências da Educação da Universidade Federal do Pará, pela colaboração durante esse percurso de formação profissional.

Agradeço também à minha mãe Helena Pessoa, e à minha irmã, Rosa Chalí, por serem meu porto seguro, por me apoiarem em tudo e por admirá-las tanto.

Ao meu pai, Wladilson Lima, e à Sarah Rachid, pela generosidade e apoio oferecidos desde o primeiro momento em que souberam da aprovação no doutorado.

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Às amigas: Angela Di Paolo, Larissa Medeiros, Ana Carolina Secco, Christianne Souza, Elaine Arruda, Danielle Miranda, Ingrid Ventura, Daniele Vasco, Cláudia Xerfan, Ana Lúcia Santos, Érika Morhy, Márcia Soares, Auzy Cleyce. Sem vocês, a vida seria um deserto.

À Alyne Alvarez, pela comovente ajuda oferecida nesse processo solitário que é a escrita acadêmica. Obrigada pelas leituras, sugestões, críticas, cuidados e pela inestimável amizade.

À Milena Lisboa, Jullyane Brasilino, Fernando Moragas, Camila Avarca, Fabrício Doravante e George Moraes por terem tornado a vida mais leve, alegre e intensa durante o período na PUC-SP. Ao George e à Jullyane, agradeço também pela leitura carinhosa realizada no texto final desta tese: obrigada pelas críticas, sugestões e horas sem dormir.

À Gabriela Santos, Allan Matos, Rafael Batalha e à graciosa Morena, pela generosa e divertida acolhida em São Paulo durante o último mês de escrita. Obrigada pelo apoio, conversas e comidinhas.

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Somos ingovernáveis. Nosso único senhor propício é o Relâmpago, que ora nos ilumina, ora nos fende.

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RESUMO

LIMA, Maria Lúcia Chaves. O uso do nome social como estratégias de inclusão escolar de transexuais e travestis.

Em 2008, o governo do Estado do Pará autorizou o uso do nome social para travestis e transexuais em todas as unidades escolares da rede pública. Diante desse acontecimento, fez-se uso das teorizações do filósofo Michel Foucault para analisar os efeitos da política do nome social como estratégia de inclusão escolar de travestis e transexuais. Parte-se de histórias de vida de oito travestis/transexuais entrevistadas, além de outras informações produzidas em situações diversas, para problematizar o governo de travestis e transexuais por meio de uma política de inclusão. Para a construção do campo no qual este estudo se insere, apresentam-se os saberes que produzem a travestilidade e a transexualidade como um problema. Do mesmo modo, circunscreve-se a Portaria do nome social como uma estratégia de governamentalidade, dando visibilidade ao seu processo de formulação, assim como as oposições e dificuldades de implementação encontradas. Por fim, apresentam-se aos efeitos da legislação em questão, efeitos estes não redutíveis à almejada inserção do seu público-alvo nas escolas, pois abrangem também o seu potencial em produzir modos de subjetivação. Procura-se demonstrar que tal política cria zonas de tensão entre estratégias de normalização das formas de viver e as práticas de resistência a elas direcionadas. Defende-se que a inclusão escolar da diversidade de modos de viver depende de múltiplos fatores, sendo as políticas de inclusão existentes apenas um dentre esses muitos aspectos.

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ABSTRACT

LIMA, Maria Lúcia Chaves. The use of social name as a school inclusion strategy of transsexuals and transvestites.

In 2008, the Government of Pará authorized transvestites and transsexuals to use their social names at public schools. Focusing on this event, we grounded on theories developed by the philosopher Michel Foucault to examine the effects of social name policy as a strategy for school inclusion of travestities and transsexuals. We describe life stories of eight travestites/transsexuals interviewed, and also present pieces of information produced in various situations, to problematize the government of transvestites and transsexuals through inclusion policy. To build the field in which this study is situated, we discuss how knowledge of transvestites and transsexuals experiences are fabricated as a problem. The ministerial order that establishes the social name is, as well, understood as a governamentality strategy and we give visibility to their elaboration process as well as oppositions and difficulties faced in implementation process. Finally, we present the effects of this legislation. These effects are not reducible to the desired insertion of the target public at schools because they also cover their potential to produce modes of subjectification. We intend to demonstrate that such policy creates tension zones between normalization strategies of modes of living and practice of resistance. It is argued that educational inclusion of diverse modes of living depends on multiple factors, and inclusion policies are only one of these many aspects.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 11

1 A TRAJETÓRIA DE UMA GENEALOGIA 18

1.1 Deixando-se afetar pelo campo-tema 21

1.1.1 Nas entrelinhas da elaboração da Portaria do Nome Social 22 1.1.2 Encontros e desencontros com as histórias de travestis e transexuais 25

Interlúdio 1: O caso Soares 28

1.2 Sobre as entrevistas 32

1.3 Interação com os registros 33

1.4 Considerações éticas 35

2 A INVENÇÃO DA TRAVESTILIDADE E DA TRANSEXUALIDADE 36 Interlúdio 2: Jenifer, Brenda e suas diferenciações identitárias 43 2.1 “Precisamos verdadeiramente de um verdadeiro sexo?”:

patologização da travestilidade e da transexualidade

44

Interlúdio 3: O psicológico feminino de Nayara 53

2.2 A psicologia e a produção da norma: identidades e gêneros 55 Interlúdio 4: Leila e sua crítica à cidadania cirúrgica 62 2.3 Nomes e gêneros em trânsito: processos de normalização da

existência 63

3 A PORTARIA DO NOME SOCIAL COMO ESTRATÉGIA DE

GOVERNAMENTALIDADE 71

Interlúdio 5: Raica: o que pode um nome na chamada? 72 3.1A governamentalidade e as formas de conduzir a conduta 73 Interlúdio 6: “Na minha época era bem pior”: Babete e suas indigestões

escolares

80

3.2 Diversidade sexual e políticas educacionais de inclusão: um breve recorte histórico

81

Interlúdio 7: A insistência pelo nome Bianca 89

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4 EFEITOS DE SUBJETIVAÇÃO NO GOVERNO DE TRAVESTIS E TRANSEXUAIS

105

Interlúdio 8: Valesca, sua vida, sua identidade 108

4.1 Efeitos de identidade 110

Interlúdio 9: Raica volta à escola 119

4.2 Efeitos disciplinares e de regulação 120

Interlúdio 10: Histórias, resistências, diferenças... 129 4.3 A ser feito: formas de resistências aos mecanismos de normalização 130

CONSIDERAÇÕES TRANSITÓRIAS 138

REFERÊNCIAS 148

APÊNDICES 160

(12)

INTRODUÇÃO

Em abril de 2008, o governo do Estado do Pará, através de sua Secretaria de Estado de Educação (Seduc), promulgou a Portaria Estadual nº 016/2008-GS, que autoriza o uso do nome social para travestis e transexuais em todas as unidades escolares da rede pública do Estado. O nome social é o nome através do qual a pessoa deseja ser identificada, uma vez que o nome civil já não condiz com o modo de vida que a travesti ou a/o transexual assume na atualidade.

Travestis e transexuais são pessoas que borram as fronteiras de gênero, que interrogam a heteronormatividade1, aquela que tem como única matriz de inteligibilidade corpos homens e corpos mulheres (WARNER, 1993). São modos de viver definidos por uma série de dispositivos: médicos, psicológicos, legais, morais etc. De modo geral, tais dispositivos definem travestis e transexuais como pessoas que usam adereços, falam e

gesticulam de forma considerada do “outro sexo” e provocam modificações corporais para

se aproximar esteticamente da identidade almejada. Se partindo de algumas perspectivas tais modos de viver são considerados como patologias (psíquica, mental ou simplesmente moral), aqui são consideradas como um dos modos possíveis de viver2.

A Portaria Estadual nº 016/2008-GS, conhecida como Portaria do Nome Social, é uma estratégia pioneira no Brasil, cujo intuito é incentivar a permanência ou retorno de travestis e transexuais para as escolas. Tal estratégia se fez necessária diante da patente dificuldade que essa população enfrenta no cotidiano escolar: desde a resposta da chamada e do relacionamento com colegas e professores/as, até a “escolha” de qual banheiro

utilizar: o feminino ou o masculino?

A pesquisa Preconceito e Discriminação no Ambiente Escolar realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, publicada em 2009, traz dados alarmantes sobre essa questão. Baseando-se em uma amostra nacional de 18,5 mil alunos, pais e mães,

1

“Por heteronormatividade entendemos aquelas instituições, estruturas de compreensão e orientações práticas que não apenas fazem com que a heterossexualidade pareça coerente – ou seja, organizada como sexualidade – mas também que seja privilegiada. Sua coerência é sempre provisional e seu privilégio pode adotar várias formas (que às vezes são contraditórias): passa desapercebida como linguagem básica sobre aspectos sociais e pessoais; é percebida como um estado natural; também se projeta como um objetivo ideal ou moral” (BERLANT; WARNER, 2002, p. 230).

2

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diretores, professores e funcionários, revelou que 87,3% dos entrevistados têm preconceito com relação à orientação sexual3.

Segundo Henriques e colaboradores (2007), os casos mais evidentes de preconceito no contexto escolar têm sido os vividos pelas travestis e transexuais. Essa população tem sido foco de discriminação sistemática e ostensiva por parte de colegas, professores/as, dirigentes e servidores/as escolares. Diversos estudos mostram que no segmento LGBT (sigla para se referir à lésbica, gays, bissexuais, travestis e transexuais), as pessoas que têm maiores dificuldades de permanência nas escolas e de inserção no mercado de trabalho são as travestis e as/os transexuais, quer pelo preconceito quer pelo seu perfil socioeconômico (PARKER, 2000; PERES, 2004).

Além disso, travestis e transexuais não têm a opção de permanecer camuflados/as,

“no armário” (Cf. SEDGWICK, 1993), sem evidenciar a divergência entre seus modos de viver e a norma sexual que dualiza as experiências identitárias entre homens e mulheres. Os modos de ser travesti ou transexual, embora sejam múltiplos e apresentem várias especificidades, expressam no corpo suas diferenças à heteronormatividade, divergência esta que está arraigada no andar, no falar, nas roupas, no corpo, na pele.

Diante desse cenário aparentemente hostil para as pessoas que violam a norma heterossexual, cabe questionar se, na perspectiva de travestis e transexuais, a Portaria do Nome Social se configura como uma estratégia de inclusão escolar. Com essa finalidade, optei por utilizar as ferramentas fornecidas por Michel Foucault, para quem legislações, como a portaria em questão, são estratégias de governamentalidade.

O conceito de governamentalidade, neologismo introduzido pelo filósofo francês, está intrinsecamente relacionado com a concepção de poder que embasa seus trabalhos. No domínio genealógico das pesquisas de Foucault (2003a), o poder é definido como uma prática social e, como tal, construída historicamente por dispositivos diversos. Não possui, portanto, uma natureza ou essência passível de ser definida por suas características universais. Não é algo unitário e global; apresenta-se como fluxo de forças em formas díspares, heterogêneas e em constante transformação. Nesse sentido, poder não é uma propriedade individual e nem exclusiva do Estado4. Ao contrário, o poder é pensado como uma relação, como estratégia que circula em todo o tecido social.

3 Disponível em: http://www.abglt.org.br/port/pesquisas.php. Acesso em: 1o jun. 2011. 4

(14)

Porém, a partir dos cursos no Collège de France intitulados Segurança, Território,

População e Nascimento da Biopolítica, houve um deslocamento importante na analítica

foucaultiana do poder: de relações de forças, o poder passa a ser compreendido como governo. O termo governo aqui referido está relacionado ao sentido amplo que possuía no século XVI. Como explica Foucault (2010b, p. 288): “Ele não se referia apenas às

estruturas políticas e à gestão dos Estados, mas significava a maneira de dirigir a conduta dos indivíduos ou dos grupos: governo das crianças, das almas, das comunidades, das famílias, dos doentes [...]. Governar, nesse sentido, é estruturar o eventual campo de ação

dos outros”5.

Portanto governo se refere tanto ao governo de um Estado, quanto de uma casa, da alma, da consciência ou de si. Dessa forma, a teorização sobre governamentalidade empreendida por Foucault (2004, 2008a) diz respeito ao governo não apenas dos outros, mas também ao governo de si. A noção de governamentalidade se estabelece justamente no entrelaçamento das relações de poder, o governo dos outros e o governo de si (FOUCAULT, 2004).

Com efeito, o conceito de governamentalidade está situado na interação entre as tecnologias políticas de dominação sobre os outros (por exemplo, as políticas públicas que visam conduzir a conduta da população) e as tecnologias de si, ou seja, as formas pelas quais as pessoas vivenciam, compreendem, julgam e conduzem a si mesmas. As tecnologias de si são responsáveis pela forma como o sujeito se relaciona consigo mesmo, transformando-se em objeto de conhecimento para si próprio6. Foucault (2004, p. 323) as define como um conjunto de técnicas

que permitem aos indivíduos efetuar, com seus próprios meios ou com a ajuda de outros, um certo número de operações em seus próprios corpos, almas, pensamentos, conduta e modo de ser, de modo a transformá-los com o objetivo de alcançar um certo estado de felicidade, pureza, sabedoria, perfeição ou imortalidade.

saudáveis, entre os normais e os anormais? Se queremos mudar o poder de Estado, é preciso mudar as diversas relações do poder que funcionam na sociedade. Se não, a sociedade não muda. Por exemplo, na URSS, a classe dirigente mudou, mas as antigas relações de poder permaneceram. O que é importante são essas relações de poder que funcionam independentemente dos indivíduos que têm o poder de Estado”. 5 Alfredo Veiga-Neto (2005), ao analisar a concepção de governo na obra de Michel Foucault, propõe a

utilização do termo governamento quando o governo se refere à ação ou ato de governar. Dessa forma, marcar a diferença entre governo e governamento é fundamental para estabelecer a distinção proposta por Foucault entre aquilo que é a instância governamental e a ação de governar.

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Essas tecnologias são importantes para o governo dos outros, para a estruturação do eventual campo de ação dos outros, pois, como indica a analítica de poder foucaultiana, o governo de si é o próprio operador da governamentalidade atual (FOUCAULT, 2010b). Se na sociedade disciplinar – tão bem analisada por Foucault (2003a) em Vigiar e Punir – o controle era exercido a partir de instituições fechadas, na atualidade tal controle passa a ser

exercido “ao ar livre”, ou seja, o controle disciplinar estabelecido pela vigilância do outro é

substituído pelo controle “interno” de cada pessoa (SÁNCHEZ; RICO; MARTÍNEZ, 2004).

Trata-se de uma incitação à responsabilidade pessoal sobre a sua vida. É preciso ser competitivo, flexível e preservar um determinado estilo de vida. Ou seja, somos (ou deveríamos ser) participantes ativos de nossas vidas. Em suma, a atualidade, chamada por Deleuze (1992a) de sociedade de controle, funciona ao modular permanentemente a experiência de si para empregá-la a seu favor, conectando os objetivos e ambições pessoais com os objetivos socialmente valorizados: consumo, enriquecimento e ordem social. Nesse caso, o controle não se estabelece pela coerção, mas, pela persuasão das imagens de vida e de eu que oferecem.

Portanto, na tecnologia de governo (neo)liberal, para se governar os outros é imperioso moldar as tecnologias de si, visto que o controle está em assumir e seguir uma determinada identidade. É preciso se vincular a alguma categoria identitária para vir a ser alguém: homem, mulher, travesti, transexual... E para cada um desses segmentos há normas de condutas, estilos de vida apropriados, desejos específicos. A identidade – seja sexual, de gênero, de raça, de classe social ou profissional etc. – se torna uma prática regulatória que busca governar as pessoas a partir das características que as definem como

um “eu” (ROSE, 2001a). É dessa forma que o governo de si se integra a uma prática de governo dos outros.

Nesta tese, parto do pressuposto de que a Portaria do Nome Social se configura como uma política de governo dos outros, no caso, travestis e transexuais. É relevante notar que ela não é direcionada para todas as pessoas, mas somente para travestis e transexuais. Ou seja, há um interesse em governar essas categorias identitárias. Por quê? Por que incluir nas escolas travestis e transexuais?

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exemplo, pessoas com deficiência, travestis e transexuais – fique apartada, enclausurada ou na marginalidade A escola, instituição na qual as pessoas (de preferência, todas as pessoas) frequentam por um tempo considerável de suas vidas, apresenta-se como espaço privilegiado para o gerenciamento da população.

Além disso, a educação escolarizada vem adquirindo cada vez mais importância na

vida social. “A educação é um direito de todos e um dever do Estado [...]”, assevera a

Constituição Brasileira de 1988. E o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 reafirma a escola como um direito da criança e do adolescente e um dever social e familiar. Porém, travestis e transexuais usufruem desse direito? Houve um retorno ou permanência da população trans após a vigência da Portaria do Nome Social?

Portanto, o objetivo da presente pesquisa é analisar os efeitos da política do nome social como estratégia de inclusão escolar de travestis e transexuais. Almejamos, com isso, identificar as relações de poder e as possíveis práticas de resistência na efetivação dessa política no cotidiano de seu público-alvo.

A tese defendida é que a inclusão escolar da diversidade de modos de viver (sexual, de gênero, racial, de pessoas com deficiência etc.) depende de múltiplos fatores, sendo as políticas de inclusão existentes, entre as quais a do nome social, apenas um dentre esses muitos aspectos. Em contrapartida, tal estratégia legislativa provoca efeitos de subjetivação diversos, gerando processos de capturas identitárias ao mesmo tempo em que ensaiam possibilidades de resistência.

Para apresentar tais considerações, o texto segue como linha-mestra a noção de genealogia utilizada por Foucault (2000a), para quem a pesquisa genealógica consiste em problematizar o processo de naturalização dos objetos e dos sujeitos. Percorro assim, os três domínios que caracterizam a obra do autor: o domínio dos discursos que inventam sujeitos, ou seja, os saberes que criaram a travestilidade e a transexualidade; o domínio das práticas que regulam as condutas; e o domínio da ética, que correlaciona saberes e poderes que produzem os modos de subjetivação, destacando as técnicas de si mediante as quais travestis e transexuais se elaboram enquanto sujeitos dessa sexualidade (FOUCAULT, 2006a; 2010c).

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do Nome Social quanto do público que poderia usufruir de seus efeitos, ou seja, de travestis e transexuais.

É importante sinalizar que após o capítulo metodológico não há separação entre capítulos teóricos e analíticos. As referências consultadas e os elementos produzidos na inserção do campo-tema (SPINK, P., 2003) se entrelaçam ao longo do texto. Além disso, os capítulos são estruturados a partir de interlúdios, pequenas histórias que dão o tom e as pistas das considerações por vir. Com efeito, são essas histórias, fruto do meu encontro com diversos interlocutores, que animam as análises desenvolvidas.

O segundo capítulo é dedicado aos saberes que inventam a travestilidade e transexualidade. Apresentam-se os discursos e as práticas que objetivam essas experiências identitárias, transformando-as em um problema, em uma questão. O dispositivo da sexualidade analisado por Foucault (2003b) no primeiro volume de sua História da

sexualidade é o ponto de partida para a produção das identidades sexuais, entre elas a

travesti e a transexual, tendo por base a crença de que reside no sexo a suposta “essência”

do ser humano.

Elegemos três regimes de verdade que atualizam o dispositivo de sexualidade, ou seja, que continuam a inventar a travestilidade e a transexualidade: a medicina, a psicologia e a dificuldade de alteração do nome na documentação civil. A medicina captura as experiências travestis e transexuais como patológicas; a psicologia, além de reafirmar o diagnóstico médico, coloca-se, muitas vezes, a serviço da regulação das existências tendo

uma suposta “normalidade” como guia de ação; e o problemático processo de alteração do nome civil que reafirma a vinculação entre sexo-gênero-sexualidade-desejo a partir da heteronormatividade.

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oposições e dificuldades de implementação encontradas nessa tentativa de governo das experiências trans.

O quarto capítulo se volta mais especificamente aos efeitos da legislação em questão. Tais efeitos não se reduzem à almejada inserção do seu público-alvo nas escolas; incluem também o seu potencial em produzir modos de subjetivação. Tal política é o disparador para se percorrer a dobra analítica entre o governo de si e o governo dos outros no que se refere à vida de travestis e transexuais.

O que procuro apresentar é que a política em questão cria zonas de tensão entre estratégias de normalização das formas de viver e as práticas de resistência a elas direcionadas. A autorização do uso do nome social remete, por um lado, à luta pelo direito à diferença, de efetivar outros modos de ser diferentes dos hegemônicos (homem X mulher). Entretanto, tal política também é enredada ao dobramento do poder, uma vez que força o sujeito a se voltar para si próprio e assim, a assumir uma identidade de modo coercitivo (FOUCAULT, 2010b).

Dessa forma, a portaria tem efeitos políticos importantes ao mostrar uma preocupação com a escolarização das pessoas trans. A Portaria do Nome Social pode ser pensada como uma resistência à produção da travestilidade e transexualidade como patologia moral e, portanto, àqueles e àquelas acometidos/as por essa “doença” só caiba ocupar lugares marginalizados, seja na prostituição ou subempregos. Em contrapartida, pode produzir efeitos de poder normalizadores ao aceitar tais experiências subjetivas contanto que estejam de algum modo reguladas pelos dispositivos neoliberais de controle.

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CAPÍTULO 1

A TRAJETÓRIA DE UMA GENEALOGIA

As verdades são ilusões, das quais se esqueceu que o são. Friedrich Nietzsche

Com Foucault (2000a) não se pode trabalhar com a ideia de que as coisas tenham uma origem histórica que deve ser buscada. A procura de uma origem pressupõe a existência de algo essencial, algo à espera de ser encontrado. Dessa forma, é herdeiro de Nietzsche (2009) e de sua obstinada recusa à pesquisa da origem. Esta se esforça para recolher a essência exata das coisas, sua forma imóvel e anterior a tudo o que é externo,

acidental e sucessivo. Tenta reencontrar o “aquilo mesmo” e deseja retirar todas as

máscaras para desvelar enfim uma identidade primeira.

Fazendo referência à obra nietzschiana O andarilho e sua sombra, Foucault (2000a, p. 18) nos diz que a história, tal como concebida pelo filósofo alemão, ensina a rir das solenidades de origem:

A alta origem é o “exagero metafísico que reaparece na concepção de que no começo de todas as coisas se encontra o que há de mais precioso e de mais essencial”: gosta-se de acreditar que as coisas em seu início se encontram em um estado de perfeição; que elas saíram brilhantes das mãos do criador, ou na luz sem sombra da primeira manhã.

Portanto, a busca da origem – da essência, da verdade etc. – não está nos horizontes de pretensão da presente pesquisa. Com Nietzsche (1974) podemos afirmar que as verdades são valores que esqueceram seu passado de ponto de vista e se transformaram em verdade. Para o filósofo, cada valor é simplesmente uma avaliação que se impôs, se alastrou e se tornou hegemônica. Em outros termos, na filosofia nietzschiana, a verdade é resultado de um ponto de vista, mas se apresenta como absoluta, necessária, autônoma, suprema. Oculta-se sua origem prosaica, metafórica e diz ser tudo aquilo que não é: universal, abstrata, independente de quem a enuncia.

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antropocêntrica, uma desmesura humana na ênfase que dá à sua visão do mundo, tendo a própria humanidade como medida de todas as coisas. Como diz Nietzsche (1974, p. 58):

“Quando alguém esconde uma coisa atrás de um arbusto, vai procurá-la ali mesmo e a encontra, não há muito que gabar nesse procurar e encontrar: e é assim que se passa com o

procurar e encontrar da ‘verdade’ no interior do distrito da razão”.

A pesquisa genealógica, portanto, não se destina a procurar o segredo essencial e sem data, mas sim, objetiva evidenciar que as coisas não têm essência ou que essa suposta essência foi construída historicamente. Ou seja, a genealogia problematiza o processo de naturalização dos objetos e dos sujeitos. Como nos diz Foucault em A verdade e as formas

jurídicas: “as condições políticas, econômicas de existência não são um véu ou um

obstáculo para o sujeito de conhecimento, mas aquilo através do que se formam os sujeitos

de conhecimento e, por conseguinte, as relações de verdade” (FOUCAULT, 2005, p. 27).

Em O sujeito e o poder, Foucault (2010b) afirma que a constituição do sujeito

moderno foi o tema geral de sua preocupação filosófica. Portanto, o objeto privilegiado das pesquisas do autor está na genealogia do sujeito moderno a partir de uma série de práticas históricas de objetivação e de subjetivação. Por objetivação, entende-se os processos pelos quais o ser humano é constituído enquanto um objeto, seja por meio do discurso científico, por procedimentos disciplinares, de regulação etc. Já os processos de subjetivação são as práticas que fazem do ser humano um sujeito preso a uma identidade que lhe é atribuída como própria (FONSECA, 2011).

De maneira geral, Foucault (2010b) sistematiza sua genealogia do sujeito moderno a partir de três domínios: 1) Domínio denominado com arqueologia do saber, no qual o interesse está centrado nas práticas epistêmicas que objetivam o ser humano como sujeito da razão; 2) Domínio caracterizado por genealogia do poder, no qual o autor analisa a

objetivação do sujeito a partir de “práticas divisoras” que individualizam os sujeitos em

torno de um eixo de normalização que separa o louco do são, o doente do saudável, o sexualmente normal do perverso; 3) E o domínio da ética, este destinado à análise das práticas de si por meio das quais um ser humano torna-se um sujeito, tomando a si próprio como objeto de saber e de poder.

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Dito isto, ressalta-se que o terceiro domínio foucaultiano não ignora ou abre mão dos domínios anteriores. Pelo contrário, a subjetivação se estabelece entre as técnicas de governo dos outros (saber e poder) e as técnicas de governo de si. Tais práticas de si não são fruto de algo inerente ao indivíduo, mas sim, “esquemas que ele encontra em sua

cultura e que lhe são propostos, sugeridos, impostos por sua cultura, sua sociedade e seu

grupo social” (FOUCAULT, 2004, p. 276).

A governamentalidade de travestis e transexuais, fruto da articulação do governo dos outros e do governo de si, produtora dos modos de subjetivação, será o foco da presente pesquisa. Ou seja, investigar a transexualidade e a travestilidade a partir dos três eixos que as constituem: os domínios de saber que as inventam, os sistemas de poder que regulam suas condutas e as formas de subjetivação mediante as quais travestis e transexuais se elaboram enquanto sujeitos dessa sexualidade (FOUCAULT, 2006a).

Com efeito, levou-se em consideração um duplo movimento: de um lado o processo de objetivação da travestilidade e da transexualidade por meio da rede de saberes e das relações de poder que as constituíram enquanto modos de ser específicos, de onde se retira um conhecimento a partir do qual se investe em técnicas de governo; de outro lado, destaca-se os procedimentos de subjetivação de travestis e transexuais capazes de colocá-los/las em relação consigo próprio/a. Isto é, deve-se pensar nos processos que tomam essas experiências como objeto de conhecimento e alvo de investimentos de governo, assim como nas táticas que promovem a autorreflexão, a auto-observação, o autoconhecimento, que tomam tais modos de ser como sujeitos de um determinado tipo, subjetivando-os como

“travestis” ou “transexuais”.

A história, genealogicamente dirigida, não tem por fim reencontrar as raízes de nossa identidade, mas ao contrário, se obstinar em dissipá-la; ela não pretende demarcar o território único de onde nós viemos, essa primeira pátria a qual os metafísicos prometem que nós retornaremos; ela pretende fazer aparecer todas as descontinuidades que nos atravessam (FOUCAULT, 2000a, p. 34).

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1.1 Deixando-se afetar pelo campo-tema

Peter Spink (2003) desenvolve o conceito de “campo-tema” para propor que o

campo da pesquisa (ou a pesquisa de campo) não inicia somente quando o/a pesquisador/a sai de sua casa para entrevistar, observar, participar de uma determinada ação. O campo da pesquisa começa quando nos vinculamos à temática estudada.

Como nos interessamos por um dado tema? Quando começa a pesquisa propriamente dita? É difícil saber, de forma clara e precisa, o momento a partir do qual passamos a nos interessar por um determinado assunto, ou o lugar que produziu em nós a vontade de saber e de investigar o que nos instiga. Há uma vinculação fundamental entre o tema estudado e o campo de pesquisa e, para percebê-la, basta estarmos abertos/as para deixar-se afetar pelos elementos que compõem esse campo-tema.

Usar a perspectiva do campo-tema não pressupõe que eu seja capaz de abarcar todos os elementos do tema “o uso do nome social como estratégia de inclusão escolar de

travestis e transexuais”, ou que este seja um instrumento finalmente eficaz para a dissolução da dicotomia sujeito que pesquisa versus objeto pesquisado. Entretanto, é uma ferramenta de pesquisa que possibilita deixar-se afetar pelos diversos agenciamentos que o tema invoca. Matérias da imprensa, informações veiculadas pelos meios de comunicação, mídias sociais, filmes, documentários, músicas, programas de televisão, autobiografia de transexuais, blogs e sites de grupos de travestis e transexuais, charges (especialmente a série Muriel/Hugo do cartunista Laerte7), livros, artigos, dissertações e teses consultadas, conversas, conversas sobre estas conversas, além das anotações e sensações registradas em diário de campo. Tudo isso, além de tantos outros elementos, fez parte do campo-tema dessa pesquisa.

Nesse sentido, estamos sempre potencialmente no campo de nossa investigação, uma vez que o campo não é um lugar específico, delineado, para o qual nos deslocamos. Um assunto, antes estranho, passa a ser paulatinamente mais familiar devido aos contatos estabelecidos. Tais contatos podem proceder de formas mais intencionais ou casuais, como receber de um amigo a letra de uma música que trata de uma travesti ou assistir a um

7

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programa de televisão que alude à questão. Peter Spink (2003) fala sobre as posições que podemos estar no campo-tema, ora mais densas ora mais periféricas:

Nada acontece num vácuo; todas as conversas, todos os eventos, mediados ou não, acontecem em lugares, em espaços e tempos, e alguns podem ser mais centrais ao campo-tema de que outros, mais accessíveis de que outros ou mais conhecidos de que outros. Algumas conversas acontecem em filas de ônibus, no balcão da padaria, nos corredores das universidades; outras são mediadas por jornais, revistas, rádio e televisão e outras por meio de achados, de documentos de arquivo e de artefatos, partes das conversas do tempo longo presentes nas histórias das ideias. Alguns até podem acontecer com hora marcada, com blocos de anotações ou gravadores (SPINK, P., 2003, p. 29).

No intuito de adentrar em regiões mais densas da temática pesquisada, recorri a conversas – com hora marcada, bloco de anotações e gravador de voz – com pessoas consideradas informantes privilegiados para a pesquisa. Nas próximas páginas, portanto, apresento os passos percorridos no campo-tema. Não apenas os elementos que chegaram até mim, mas principalmente, apresentarei os caminhos e descaminhos percorridos em busca das pessoas com as quais considerei fundamental encontrar. São os detalhes dessa trajetória, com seus desvios, atalhos, ultrapassagens, paradas e alguns atropelos que compartilho a seguir.

1.1.1 Nas entrelinhas da elaboração da Portaria do Nome Social

Meu primeiro movimento foi entender as relações de forças que culminaram na promulgação da Portaria Estadual nº 16/2008-GS, o incidente crítico8 dessa investigação. Portarias são atos administrativos expedidos pelos chefes de órgãos que, geralmente, contêm instruções acerca de aplicação de leis ou regulamentos, aprovação de documentos de caráter interno etc. A Portaria em questão foi assinada pela secretária de Educação da época. As portarias possuem fundamento de validade em decretos, estes privativos do chefe do Poder Executivo (presidente da República, governador e prefeito). A Portaria do Nome Social foi posteriormente validada pelo Decreto nº 1.675, que amplia a permissão do uso do nome social de travestis e transexuais em todos os órgãos da administração pública do Estado do Pará.

8

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Para entender o processo de formulação dessa legislação e principalmente o pioneirismo do Pará em uma ação dessa natureza, fui em busca de informantes privilegiados. Essa etapa foi realizada durante o segundo semestre de 2010.

Minha inserção no campo-tema já me dava algumas pistas por onde começar a investigar a formulação da Portaria. Sabia que a mesma havia sido uma ação da Secretaria de Educação do Estado do Pará (Seduc) em 2008, quando Cláudia Farias, uma mulher transexual9, era assessora da secretária de Educação em exercício.

Eu já conhecia a Cláudia. Durante todo o período da graduação e do mestrado em Psicologia na Universidade Federal do Pará (UFPA) encontrava aquela mulher alta, um pouco diferente da maioria das mulheres do Norte do Brasil (que têm uma estatura média mais baixa), pelos corredores do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Ela é funcionária da UFPA e exerceu várias funções, principalmente locada neste Instituto.

Devido à sua previsível importância na elaboração da Portaria, assim como pela facilidade de acesso, foi por Cláudia que iniciei as conversas nessa primeira fase da pesquisa. No dia combinado, ela me recebeu na secretaria da Pós-Graduação em Antropologia da UFPA, local onde atualmente trabalha, e falou sobre a rapidez do processo de produção da Portaria do Nome Social. O fato de ela, uma mulher transexual, ocupar um cargo privilegiado na Seduc se mostrou como um fator determinante para a criação dessa legislação.

Depois, fui em busca dos órgãos do Estado que estavam ligados à temática. Dessa forma, conversei com a coordenadora da Diretoria de Ensino para a Diversidade, Inclusão e Cidadania (DEDIC) da Seduc e com o coordenador da Coordenadoria de Proteção à Livre Orientação Sexual (CLOS) da Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh), departamento responsável pelos assuntos referente à diversidade sexual do Estado.

Como recentemente havia sido inaugurado o Centro de Referência de Prevenção e Combate à Homofobia do Pará10, resolvi entrar em contato e consegui conversar com o assessor de articulação de tal órgão, que, por sinal, é um homem transexual.

9 Quando me refiro a uma mulher transexual, estou levando em consideração a identidade requerida pela pessoa, independente do sexo biológico. Ou seja, uma mulher transexual é aquela pessoa que nasceu com um corpo considerado masculino, mas constrói uma identidade feminina para si.

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A partir daí, fui em busca de uma aproximação com os movimentos sociais. Entrei em contato com um integrante do Movimento LGBT do Estado do Pará que, tendo tomado conhecimento de minha pesquisa se prontificou a participar, e com o Grupo de Resistência Travesti e Transexual da Amazônia (GRETTA). Falei com a presidente do grupo, uma mulher transexual, que informou sobre a pouca articulação do movimento na formulação da portaria, mas enfatizou a mobilização do grupo na fiscalização do cumprimento dessa norma nas escolas. Desse modo, no total, estabeleci conversas com seis pessoas ligadas, direta ou indiretamente, à formulação da Portaria do Nome Social.

O objetivo dessa primeira fase da pesquisa foi entender os elementos em jogo na formulação de uma legislação que traz o benefício do uso do nome para aqueles/as que já não se reconhecem com o nome inscrito em seus documentos civis. Ou seja, foi buscar os nós das redes de relações que culminaram na elaboração da Portaria Estadual nº 016/2008-GS. Por isso, investiguei a conexão de uma série de dispositivos visando entender o pioneirismo do Pará em uma decisão dessa natureza. Em resumo, essa etapa proporcionou entender os mecanismos e as relações de forças que objetivaram a formulação da legislação em questão.

Neste movimento, as maiores dificuldades foram contatar alguns/mas informantes. Na maioria das vezes, marcava os encontros previamente por telefone e ia ao encontro dos/as informantes nos locais mais cômodos para eles/as, geralmente o local de trabalho. Quando não conseguia contatar por telefone, ia até o local, apresentava-me e pedia um pouco do tempo para conversar sobre a pesquisa. Nos ambientes mais restritos, como na Seduc, foi preciso pedir ajuda de colegas que conheciam pessoas que trabalhavam lá para poder ter acesso a algumas informações importantes. Todas as conversas foram gravadas e depois transcritas. A exceção foi a entrevista realizada com a coordenadora da DEDIC, que apesar de consentir a utilização da entrevista na pesquisa (assinando, inclusive, o termo de consentimento livre esclarecido), não autorizou o registro em áudio.

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1.1.2 Encontros e desencontros com as histórias de travestis e transexuais

Realizada a primeira etapa da pesquisa, parti em busca de travestis e transexuais que cursam o ensino fundamental ou médio da rede pública de ensino, com o objetivo de compreender os efeitos da autorização do uso do nome social entre eles/as.

Durante o segundo semestre de 2011, passei a estabelecer contato com as participantes por meio de diferentes vias. O ponto de partida foi o GRETTA. No contato anterior com a presidente do grupo, percebi que este era um espaço privilegiado para ter acesso a travestis e transexuais, uma vez que conta com cerca de 80 associadas (travestis ou transexuais femininas), sendo o grupo de maior representatividade dessa população no Estado.

Dessa forma, entrei em contato com a presidente do grupo e marquei um encontro para apresentar a pesquisa no escritório onde trabalha uma integrante do GRETTA, Laura, que também participou da reunião. Elas gostaram muito da iniciativa da pesquisa e prontamente se prontificaram ajudar. Porém, infelizmente não conheciam nenhuma travesti ou transexual que ainda estivesse na escola. Perguntei se sabiam de alguma escola que geralmente recebe essa população e novamente a resposta foi negativa. Mas se comprometeram em pesquisar, seja entre as pessoas conhecidas ou indo às ruas conversar com as que se prostituem. Saí desse encontro feliz com a parceria firmada.

Nos contatos realizados posteriormente, elas me informaram não ter conhecimento de travestis ou transexuais ainda estudando, com exceção de Raica, uma travesti que voltou a estudar após a vigência da Portaria. Portanto, meu próximo passo seria contatá-la. Algo que se revelou bastante complicado. Todos os telefones indicados para falar com Raica sempre estavam fora de área de serviço. A questão do contato telefônico é problemática devido às frequentes mudanças do número por causa dos não menos frequentes assaltos sofridos.

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forte chuva que caía em Belém. Perguntei se ela poderia dedicar alguns minutos para conversar comigo sobre sua vida. Em uma sala reservada, com um gravador na mão, apresentei a pesquisa e passamos muito tempo falando sobre a sua vida, a escola, o trabalho, a prostituição etc.

Como não conseguia encontrar possíveis participantes da pesquisa que cursavam o ensino fundamental ou médio, passei a contatar aquelas que estavam cursando o ensino superior. Pelo GRETTA, consegui o contato da Brenda, estudante de Direito de uma universidade particular de Belém. Além dela, falei com Leila, jovem estudante de Psicologia que eu já conhecia pelos corredores da graduação do curso. As entrevistas com as duas jovens foram feitas nas respectivas universidades onde estudam.

Nessas três primeiras entrevistas, com pessoas que já haviam passado pela escola, uma informação foi recorrente: elas não eram travestis ou transexuais durante os anos da escola. Elas se identificavam na época como homens gays, ou seja, elas falaram de suas lembranças escolares como um rapaz gay, mas ainda não como travesti ou transexual. Tais identificações só se concretizaram após o período escolar.

As histórias relatadas foram tão interessantes que resolvi não atrelar a pesquisa somente com aquelas que estavam na escola ou fazendo faculdade. Se o objetivo da pesquisa é investigar os efeitos da Portaria do Nome Social entre travestis e transexuais, logo, é importante escutar uma variedade de pessoas que vivenciam tais experiências identitárias: as que estudam e as que não estudam mais, as que terminaram o ensino médio e as que abandonaram a escola, as que desejam se graduar e as que estão na prostituição...

A partir dessa nova configuração, a presidente do GRETTA me forneceu uma lista com o contato telefônico de mais de 80 associadas do grupo. Porém, optei por não utilizá-la. Achei pouco confiável discar um número aleatório e marcar um encontro. Preferi realizar a técnica snowball (bola de neve), na qual cada pessoa entrevistada indica outras que poderiam participar da pesquisa. Dessa forma, pedi a Jenifer, Brenda e Leila, as três primeiras participantes da pesquisa, que sugerissem outras travestis ou transexuais para participarem da pesquisa. A partir do número telefônico indicado, entrava em contato com outras possíveis participantes.

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disse quem havia me informado seu número, explicava os objetivos da pesquisa e finalmente perguntava sobre a disposição e interesse de participar como informante dessa investigação. Uma delas se mostrou resistente e disse que retornaria a ligação quando tivesse disponibilidade de tempo. Esta nunca ligou. A outra, prontificou-se a participar, porém, ela não compareceu nos dois encontros marcados. Procurando sempre respeitar as questões éticas que indicam que a decisão de participar ou não do estudo cabe ao participante, não voltei a procurá-la para uma terceira tentativa.

Esse processo foi sofrido, pois queria muito conhecer a vida dessas pessoas. E passei a questionar o motivo de tantas faltas. Penso que o desencontro estava nos interesses envolvidos. Para mim era fundamental ouvi-las, conhecer suas vidas, as dificuldades e alegrias, a trajetória escolar etc. Mas, o que elas ganhavam com isso? Percebi que as pessoas que aceitavam participar da pesquisa estavam engajadas no movimento LGBT e viam na pesquisa um instrumento político, uma produção acadêmica que poderia ajudar na visibilidade de seus estilos de vida e assim, na diminuição do preconceito que sofrem. Em contrapartida, as que não iam aos encontros marcados, não estavam tão diretamente vinculadas ou simplesmente ignoravam a existência de tal movimento, não percebendo nenhuma vantagem em participar ou não do estudo.

Devido os problemas apresentados, optei por outras técnicas de aproximação com o público-alvo da pesquisa diferentes do snowball. Assim, tentei me inserir nas reuniões quinzenais do GRETTA, porém, iam sempre as mesmas pessoas. As organizadoras ficavam se desculpando, dizendo que haviam chamado “as meninas” (como elas se referem

às travestis e transexuais do grupo), mas que as mesmas não compareciam. A presidente do grupo chegou a dizer que sentia pena de mim, pois elas (incluindo ela mesma) eram muito difíceis. Justifica a dificuldade em participar dos encontros principalmente em decorrência do trabalho noturno na prostituição. Em algumas etnografias com travestis, tal como a realizada por Larissa Pelúcio (2005), percebe-se o quanto elas não circulam livremente pela cidade, restringindo-se aos espaços nos quais exercem sua profissão. Como nos fala o dito popular: à noite todos os gatos são pardos. Ou seja, sem a luminosidade do dia, fica mais fácil circular pelas ruas sem ser alvo de tantos olhares, preconceitos e até mesmo violência.

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Bissexuais, Travestis e Transexuais11. Laura, como uma das organizadoras da referida Conferência, inscreveu meu nome como delegada no evento. Para mim, foi uma excelente oportunidade para realizar entrevista com várias pessoas que antes não conseguia acessar.

Neste ano, 2011, a pauta da referida conferência girava em torno da efetivação do

programa “Pará sem homofobia”, principalmente no que se refere ao combate à violência

contra a população LGBT, e de algumas propostas em direção ao que se convencionou

chamar de “Educação sem homofobia”. Apesar dessa discussão estar na pauta da conferência, pouco se debateu sobre a efetivação do uso do nome social de travestis e transexuais nas escolas públicas.

Antes de iniciar a conferência, Laura me apresentou para várias possíveis participantes da pesquisa. Foi um evento importantíssimo para mim, pois pude conversar com várias travestis e transexuais. Uma, ao saber do tema da pesquisa, foi à minha procura, pois, segundo ela, tinha muito a dizer sobre a vida escolar de uma transexual.

No total, realizei seis entrevistas durante a Conferência. Porém, só utilizarei três por considerá-las mais completas e relevantes para os objetivos dessa tese. As demais ocorreram de forma mais rápida do que gostaria, durante os intervalos da programação do evento, e acabaram enveredando por assuntos outros. As histórias selecionadas, portanto, foram a de Raica, a já citada travesti que voltou a estudar após a vigência da Portaria do Nome Social; a de Babete, uma transexual que chegou a estudar o ensino médio e a trabalhar em um prostíbulo simultaneamente; e a de Valesca, uma jovem transexual que faz graduação em Biologia no interior do Estado do Pará.

Interlúdio 1: O caso Soares

Até aqui, concentrei-me em apresentar o meu movimento em direção às informantes para a pesquisa: as diversas investidas em conseguir contatos e entrevistas. Pois agora, apresento o que chamei de “caso Soares”. Mais do que um caso, foi fruto do acaso que a imersão no campo-tema potencializou.

11

(30)

23 de setembro de 2011, final de tarde de uma sexta-feira. Estava a caminho de uma loja para comprar uma cadeira de escritório mais confortável para escrever esta tese. Passando por uma importante avenida de Belém, fiquei parada no engarrafamento, típico desse horário, em frente a uma escola da rede estadual de ensino. O que me chamou a atenção foi a presença de um

aluno (ou seria uma aluna?), aparentemente do “sexo masculino”, mas que

portava acessórios e características consideradas socialmente como femininas: cabelos grandes, unhas pintadas, brincos e maquiagem.

Como relatado acima, sempre que eu perguntava às pessoas do movimento LGBT, mais especificamente às integrantes do GRETTA, elas me diziam que não conheciam travestis ou transexuais nas escolas. Já tinha quase perdido as esperanças de conseguir entrevistar pessoas que ainda estivessem cursando o ensino fundamental ou médio.

Mas estava ali, diante de mim, este/a estudante uniformizado/a em frente à escola. Hesitei em descer do carro. “Como eu iria abordar essa pessoa? O que vou dizer? Onde vou conseguir estacionar? Até achar uma vaga, com o transito caótico dessa cidade, ele/ela já vai ter saído de lá!” Mas não podia deixar escapar essa oportunidade. Desci do carro e fui ao encontro dele/a, que já estava se deslocando, em companhia de uma amiga. Quando o/a alcancei, apresentei-me como professora e pesquisadora. Perguntei seu nome, ao que me respondeu apenas com seu sobrenome: Soares. Expliquei rapidamente os objetivos da pesquisa, uma vez que estávamos no meio de uma calçada rodeada de pessoas que andavam apressadas. Ele/a demonstrou interesse em participar da pesquisa e prontamente me deu o seu telefone para marcamos um encontro.

Estava muito feliz. Gostei de ter encontrado alguém que até então não tinha tido acesso. Não sabia como defini-lo: travesti, transexual, gay afeminado ou um rapaz com acessórios femininos? Pouco importava. O importante de fato era a possibilidade de conversar com ele/a e entender como funcionava sua vida escolar.

(31)

horário agendado, liguei para confirmar a entrevista, porém ele/a não atendeu. Mesmo assim fui ao local no horário acertado. Ele/a não apareceu.

Desde aí, retornei a ligação várias vezes e ele/a nunca estava em casa. Presumi que me evitava e não liguei mais, respeitando seu direito de não participar da pesquisa.

Porém, após quase dois meses de greve dos professores da rede estadual de ensino, resolvi contatar Soares novamente. Ele/a se lembrava de mim e, assim como no primeiro contato, se prontificou me encontrar. Foram vários desencontros. Até que resolvi ir até a sua escola na tentativa de encontrá-lo/a. Para entrar na escola, tive que me identificar e dizer qual o meu objetivo ali. Encaminharam-me à sala da diretoria para que pudesse falar com alguém responsável em dar informações dos/as estudantes. Quem me atendeu foi o vice-diretor da escola, que se mostrou gentil e solícito. Perguntei sobre Soares, mas ele não conseguia lembrar-se de ninguém com as características que

apresentei. Porém, enquanto conversávamos, ele chamou “dois alunos” (como

se referia a eles/as) que passavam por nós e perguntou se gostariam de participar de uma pesquisa.

Tratava-se de uma moça e de um rapaz. Ela era travesti e ele, gay. O vice-diretor não sabia como se referir a eles/as. Ora usava o pronome feminino ora o masculino, esse prioritariamente. E ainda presumia que ambos/as fossem travestis, sendo que o rapaz não tinha nenhum sinal de tal categoria identitária. Era um rapaz de calça jeans, tênis, cabelos curtos e nem usava brinco. Mas assumidamente gay. Portanto, era notória a confusão que o vice-diretor tinha ao tratar de questões como identidade, gênero, orientação sexual etc.

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privacidade, começamos a conversar. Como eram amigas, decidimos realizar a entrevista em dupla.

As histórias de Bianca e Nayara são de duas adolescentes que estão passando pelo processo de transformação. Definem-se como travesti, levando

em consideração não ter realizado a cirurgia de transexualização12. Os relatos

escolares que tanto queria no começo da pesquisa foram construídos ali. Essa inserção na escola foi interessante por diversos motivos. Um deles foi perceber a falta de informação da escola sobre a Portaria Estadual nº

016/2008-GS. O vice-diretor disse que “até tinha escutado falar sobre”, fez

uma busca na internet, mas nada achou sobre a regulamentação do uso do nome social nas escolas públicas do Pará. Então, deixou de lado. Nessa ocasião, entreguei uma cópia tanto da Portaria quanto do Decreto nº 1.675 que amplia tal permissão para todos os órgãos da administração pública do Estado do Pará.

O outro elemento interessante nesse encontro com a escola foi a possibilidade de falar com duas travestis adolescentes que não estão vinculadas ao movimento LGBT. Elas nem mesmo tinham conhecimento de um grupo de travestis e transexuais na cidade. Ou seja, por meio do GRETTA eu só teria acesso àquelas que, de alguma forma, já haviam tido algum contato

com o grupo, seja através de suas ações de prevenção às DST/aids13 ou pela

aproximação ao movimento LGBT. Neste caso, as duas adolescentes entrevistadas ainda não tinham tido acesso ou mesmo ainda não haviam se deparado com a necessidade de entrar no movimento LGBT.

Conclusão do caso Soares: não consegui falar com o/a próprio/a Soares, mas por meio dele/a, conheci duas travestis adolescentes. Esse encontro com

12

A cirurgia de transexaulização, chamada pelo SUS de “processo transexualizador”, compreende um conjunto de técnicas envolvido no processo de transformação dos caracteres sexuais para aqueles/as que desejam transitar entre os gêneros. Optou-se por utilizar a expressão “cirurgia de adequação sexual”, pois é a forma como o movimento LGBT prefere denominar o procedimento. Trata-se de uma adequação do corpo à identidade já vivida pelas/os candidatas/os ao procedimento.

13

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Soares, ao acaso, em meio a um tráfego engarrafado, tornou-se um

acontecimento14 mesmo sem ter conseguido falar com ele/a.

1.2 Sobre as entrevistas

Como apresentado acima, a principal técnica empregada para obtenção das informações foi a entrevista. A entrevista foi escolhida como recurso por propiciar uma interação constantemente negociada entre a pesquisadora e as/os entrevistadas/os: é um exercício de manter, transformar e desafiar os posicionamentos envolvidos.

Posicionamento é aqui entendido como as diferentes maneiras de se apresentar e se colocar nas também diferentes situações vivenciadas. Os posicionamentos assumidos são fluídos e contextuais. Fluídos porque dinâmicos, sendo, portanto, mais adequado falar em jogos de posicionamentos. E contextuais porque se refere aos posicionamentos que uma pessoa assume em uma interação social. Em uma entrevista, por exemplo, o que uma pessoa diz posiciona a outra e vice-versa. São posicionamentos negociados durante a interação, assumidos, portanto, como produções conjuntas (SPINK, M., 2004).

Além disso, os posicionamentos assumidos na entrevista não incluem apenas alguém que fala e alguém que ouve, mas outros enunciados que atravessam a fala e a escuta das pessoas envolvidas (PINHEIRO, 2000). Para responder às perguntas feitas, os participantes recorrem às informações que circulam em seus meios, constituídas durante suas experiências de vida e que, na relação da entrevista, são agrupadas, categorizadas e ressignificadas. É um processo de negociação de posicionamentos, de pontos de vista, de versões sobre os assuntos e acontecimentos tratados.

Assim, de modo a propiciar momentos de construção e transformação de sentidos, as entrevistas realizadas foram feitas de forma semiestruturada, ou seja, a partir de um roteiro preestabelecido (disponível no Apêndice A), mas aberto às interrogações que foram surgindo no seu desenrolar. Essa estratégia para a obtenção de informações permitiu maior flexibilidade, uma vez que se pôde alterar a ordem das perguntas e foi possível fazer outras intervenções livremente, de acordo com o andamento do diálogo.

14

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Como as perguntas iniciais eram muito abertas, os temas tendiam a reaparecer durante a entrevista. Avalio esta situação como um ponto positivo, pois as participantes podiam falar das mesmas questões a partir de pontos de vistas diferentes, apresentando outras informações ainda não mencionadas ou mesmo ressignificando as afirmações anteriores.

No total, foram realizadas catorze entrevistas: seis na primeira etapa, concernente ao processo de elaboração da Portaria do Nome Social, e oito na segunda etapa, sobre os efeitos da referida legislação na vida de travestis e transexuais. As entrevistas tiveram duração entre uma e duas horas. Como recurso de visualização de algumas informações relevantes das participantes da segunda etapa da pesquisa, apresento o quadro a seguir:

Nome Categoria

identitária Idade Ocupação Escolaridade Indicação entrevista Local da Jenifer Travesti 29 anos Prostituta Ensino médio

incompleto

GRETTA Escritório “sede” do GRETTA Brenda Transexual 24 anos Estudante de

Direito graduação de Cursando Direito

GRETTA Faculdade onde estuda

Leila Transexual 30 anos Estudante de Psicologia

Cursando graduação de

Psicologia

Já a conhecia do curso de

Psicologia

Faculdade onde estuda

Valesca Transexual 22 anos Estudante de

Biologia graduação de Cursando Biologia

Laura II Conferência Estadual LGBTT Raica Travesti 37 anos Autônoma Cursando o

ensino médio

GRETTA II Conferência Estadual LGBTT Babete Transexual 40 anos Prostituta Ensino médio

completo Laura II Conferência Estadual LGBTT Nayara Travesti 19 anos Estudante Cursando o

ensino médio

Vice-diretor da escola onde

estuda

Escola onde estuda

Bianca Travesti 16 anos Estudante Cursando o

ensino médio da escola onde Vice-diretor estuda

Escola onde estuda

1.3 Interação com os registros

Não houve uma separação bem demarcada das fases tradicionalmente nomeadas de coleta de dados e a posterior análise, interpretação e relato desses supostos dados. Nada foi

(35)

(SPINK, P., 2003). Todos os registros analisados foram produzidos nos encontros ocorridos (assim como nos desencontros), a partir da interação de variados elementos: as minhas teorias e concepções prévias, as questões problematizadas pela orientadora e posteriormente pelas/os integrantes da banca de qualificação, as pessoas que participaram das conversas e entrevistas, a função que tais pessoas projetavam na pesquisa, os locais onde foram realizadas etc.

Apesar de os diferentes materiais que compuseram o campo-tema desta pesquisa –

tais como conversas, livros, artigos, meios de comunicação etc. – estarem presentes nas análises, implícita ou explicitamente, detenho-me aqui a descrever a interação com os registros produzidos a partir das principais fontes de informação do presente estudo, qual seja, as oito entrevistas realizadas com as travestis e transexuais participantes.

A interação com as entrevistas foi um processo de aproximação crescente, visando uma maior familiaridade com os registros. O processo ocorreu basicamente em cinco etapas, assim definidas:

1. Escuta preliminar das entrevistas.

2. Uma segunda escuta com transcrição sequencial e temática das entrevistas. Sequencial, pois obedeci à ordem dos acontecimentos da forma como foram relatados. Temática, pois transcrevi apenas os conteúdos diretamente relacionados ao tema da pesquisa.

3. Elaboração de um mapa temático, recurso de visualização do material da pesquisa, cujo objetivo é sistematizar e orientar o processo de análise. Tal mapa contém três colunas. A primeira comporta os trechos sequenciais das entrevistas; na segunda, identifica-se a temática que está sendo abordada no trecho em questão; e a terceira coluna serve para orientar sobre um provável capítulo para o qual aquela informação seria relevante (Apêndice B).

4. Construção de uma tabela contendo os temas recorrentes, assim como relevantes, das oito entrevistas feitas. A partir desse panorama, pude selecionar as histórias que melhor apresentavam as temáticas a serem desenvolvidas.

(36)

1.4 Considerações éticas

O projeto de pesquisa foi apresentado e aprovado pelo Comitê de Ética de Pesquisa da PUC-SP (Protocolo de Pesquisa nº 099/2011). Ao iniciar cada entrevista, eu apresentava para as/os participantes o documento que comprova a aprovação da pesquisa pelo referido Comitê de Ética, assim como as informações contidas no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice C): que a participação era voluntária, podendo ser interrompida no momento em que a entrevistada desejasse, sem ser em nada prejudicada; que a entrevista seria gravada, mas que eu me comprometia em preservar o anonimato das/os informantes. Todas as pessoas contatadas, nas duas fases da pesquisa, formalizaram sua aceitação em participar da pesquisa assinando o referido termo.

Para me referir às/aos informantes da primeira etapa da pesquisa, remeto aos cargos ocupados ou funções exercidas, uma vez que foi devido a tais posições que recorri a essas pessoas. Já na segunda etapa, embora a maioria das entrevistadas tenha manifestado o desejo de ser identificadas por seus nomes sociais, tão caros a elas, optei por utilizar pseudônimos. Como é habitual nas pesquisas acadêmicas utilizar nomes fictícios para os/as participantes, achei oportuno fazer o mesmo para que não se compreenda equivocadamente que o nome social já seja um pseudônimo. Tentei, na medida do possível, criar nomes que remetesse de alguma forma aos nomes sociais das entrevistadas. O nome civil não foi inquirido em nenhum momento. O “nome de homem”, como elas chamam, remete a uma

identidade, a um passado que muitas lutam cotidianamente para esquecer.

Outra preocupação ética foi utilizar os pronomes, artigos e adjetivos coerentes com a identidade que a pessoa entrevistada atribuía a si, qual seja, o feminino, uma vez que todas as participantes se identificaram enquanto travestis ou mulheres transexuais15. Esta atitude, para além da perspectiva ética, foi um elemento importante para o sucesso das entrevistas, pois as participantes ficavam mais à vontade para falar e compartilhar informações de suas vidas. Meu respeito e simpatia eram sinceros e isso, de alguma maneira, reverberou na fluidez das trocas efetuadas.

15

(37)

CAPÍTULO 2

A INVENÇÃO DA TRAVESTILIDADE E DA TRANSEXUALIDADE

Tudo o que me caracteriza é apenas o modo como sou mais facilmente visível aos outros e como termino sendo superficialmente reconhecível por mim.

Clarice Lispector

Ao tomarem conhecimento do tema de minha pesquisa, a primeira coisa que me perguntam, em tom de surpresa ou estranhamento, é sobre a diferença entre travestis e transexuais. No começo tentava responder, mas ficava incomodada com as classificações, sempre tão definitivas, tão prontas e tão pouco problematizadas. Caracterizar o que é ser travesti ou transexual era, de certa forma, incoerente com a minha perspectiva teórica e política. Se não há um conceito fundamental que caracterize o que é ser homem ou mulher, por que haveria de ter uma definição clara e categórica do que é ser travesti ou transexual?

As múltiplas diferenças e particularidades vivenciadas pelas pessoas consideradas travestis e transexuais não podem ser reduzidas a categorias unificadoras com intenção de universalização. Nesse caso, a produção da subjetividade de travestis e transexuais obedece às mesmas regras que produzem as demais subjetividades. Não há uma lei, uma essência que oriente esses modos de ser. Até porque, aquilo que chamamos de “gênero” só existe na

prática: é a repetição de ações consideradas masculinas ou femininas que produz o efeito homem ou mulher nos corpos. Nossas práticas fazem gêneros (BUTLER, 2003).

Em princípio, optei por utilizar o termo “transgênero” que aparentemente açambarcava, sem especificar e aprisionar, as experiências identitárias de trânsito de gênero. Entretanto, logo no início da pesquisa, esse termo mostrou seu aspecto problemático. Utilizar tal terminologia, amplamente empregada nos estudos norte-americanos (transgender) nada diz, pelo menos no contexto brasileiro, sobre as especificidades das reivindicações das pessoas transexuais (BENTO, 2008) ou da dimensão conflituosa de assumir-se travesti (BENEDETTI, 2005)16. Ou seja, “transgênero”

16

Imagem

Figura 1: Charge do cartunista Arnaldo Branco que circulou pelas mídias sociais.
Figura 2: Ilustração do cartunista Laerte. Armazenada no dia 25 de setembro de 2011.

Referências

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