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Este estudo abordou as práticas do UNICEF e governamentalidade de crianças de 0 a 6 anos a partir de uma abordagem histórica da EI (educação infantil) brasileira pós LDB. Ao centralizar a investigação na problematização acerca da objetivação da infância e educação infantil nos relatórios produzidos e veiculados pelo Fundo das Nações Unidas pela Infância teve-se por questionamento norteador investigar quais os efeitos desencadeados pela produção discursiva e das práticas do UNICEF para a objetivação da EI brasileira no período de 1996 a 2012.

A presente pesquisa foi baseada na análise documental, recorrendo às precauções metodológicas da genealogia de Michel Foucault. Um referencial teórico muito extenso foi consultado a fim de tentar capturar as práticas vizinhas ao UNICEF que em vários momentos da história se empenharam em objetivar a infância.

A relevância desta pesquisa se justifica devido possibilitar um espaço para que se problematizem questões que estão postas como naturais, como a noção de infância e de educação infantil, a livre intervenção técnica de organismos multilaterais em assuntos de educação de crianças desfavorecidas e o uso do direito para tornar direitos adquiridos em objetos de obrigatoriedade e de sanções.

Já a justificativa do UNICEF para efetivar sua prática de governamentalidade da população infantil é verificar de que maneira e em que proporção crianças ao redor do mundo não tem seus direitos atendidos, ficando a margem do que a Convecção para os direitos da criança prevê e, portanto, permanecem ameaçadas, excluídas e invisíveis mediante a atuação de políticas públicas, mesmo com o empenho de diversos agentes da área de direitos humanos.

Portanto, se existem crianças em situação de vulnerabilidade o UNICEF procura documentar cada vez mais a infância, com a elaboração de relatórios mundiais e nacionais, procurando sempre recolher informações precisas, traçar perspectivas, enfim, promover uma governamentalidade infantil que permita que os objetivos específicos para ela delineados sejam alcançados através de um mapeamento minucioso que viabilize conhecer a situação da infância e daí então promover e proteger seus direitos.

A presente pesquisa objetivou então historicizar práticas de governamentalidade direcionadas a população infantil que foram disparadas tanto pelo UNICEF como por outras instâncias da sociedade, procurando identificar os efeitos dessas práticas na elaboração de políticas para EI.

Logo, o objetivo geral da pesquisa foi o analisar práticas do UNICEF realizadas a partir da objetivação da infância e educação infantil e seus efeitos para a educação infantil brasileira. Os objetivos específicos foram: analisar a produção do objeto infância presente nos relatórios do UNICEF; investigar quais estratégias de saber e técnicas de poder que foram acionadas e operacionalizadas nas práticas do UNICEF na produção de uma objetivação de infância e educação infantil; problematizar os efeitos das práticas do UNICEF para a noção de EI brasileira pós LDB.

Ao criticar o processo de naturalização dos objetos (práticas) pretendeu-se problematizar as práticas do UNICEF como sendo importantes sim para a conjectura contemporânea e atual acerca da infância e o sistema de garantia de direitos das crianças, mas ressaltamos a importância de se interrogar tal produção, pois ao colocar em questão postulados tidos como verdade se torna possível desconstruir afirmações que indicam, por exemplo, que o analfabetismo dos pais será um indicativo que permitirá verificar o comprometimento da capacidade de zelar pelo bem estar da criança. Ou a possibilidade de encaminhamentos para conselhos tutelares de pais que se recusem a matricular seus filhos a partir de 4 anos na EI, em 2016, desconsiderando que antes isso era uma opção da família e passou a ser uma imposição passível de sanções.

Com relação aos efeitos desencadeados por tais práticas desempenhadas pelo UNICEF, creio que estes seriam o de exercício de poder e processos de subjetivação traçados através da formulação de saberes e discursos que visam se tornar hegemônicos e atuar diretamente na produção de mundo, para isso o UNICEF mobiliza esforços e agencia diversos atores para auxiliar nessa produção de uma infância feliz e segura.

No que diz respeito aos modos de subjetivação presentes nos discursos do UNICEF, estes são muito amplos tendo em vista que são destinados a diversos sujeitos, como famílias, governos, educadores, agentes de saúde, crianças, enfim, realmente correspondendo aos lemas do UNICEF: “unidos pelas crianças” ou “todos juntos pelas crianças”. Outro exemplo seria o de definir a infância com portadora de direitos, que seria na verdade uma maneira de subjetivar tais crianças ao prescrever para elas caminhos a serem seguidos.

Com relação às prescrições para direcionamento de políticas para a educação de crianças de 0 a 5 anos, torna-se evidente a que os efeitos da governamentalidade do UNICEF

nas políticas para a educação infantil brasileira se fizeram presentes a partir da documentação da infância brasileira, referência a documentos internacionais e convocação do governo brasileiro, bem como de outros agentes como Undime, MIEB, etc., a fim de promover a garantia da universalização da educação infantil, da aprendizagem das crianças, especialmente as que se encontram em situação de vulnerabilidade ou desvantagens regionais, de renda, cor e etnia. Logo, foi possível chegar à conclusão de que surtiram efeito as táticas de poder e estratégias de saber engendradas pelo UNICEF no Brasil.

Após o trajeto histórico, teórico e conceitual percorrido durante toda esta pesquisa pudemos concluir que a educação infantil emergiu como mais um dos elementos que englobam as práticas de governamentalidade do UNICEF e que a infância deixou de ser marginalizada no seio social para se tornar o principal centro das atenções da sociedade atual e como importante ferramenta para o desenvolvimento e progresso dos países a partir de uma visão prospectiva que potencialize suas contribuições para a ordem e modernização social.

A validade deste estudo para o contexto social e educacional revela-se em consequência da necessidade de realizarmos uma história do presente em que possamos analisar os encaminhamentos que são dados, contemporaneamente, como efeitos de relações de poder-saber em vez de aceitá-los como naturais, desconsiderando seu caráter de objeto construído.

Enfatiza-se que este estudo não visou o esgotamento do tema, pois ainda há muito para ser pesquisado sobre essa problemática, que se demonstra um terreno muito fértil para questionamentos acerca do nosso presente e da tecnologia de poder utilizada por diversos agentes que engendram políticas públicas ao redor do mundo.

Por fim, é ressaltada a importância do processo de pesquisa para a produção deste trabalho, que se mostrou de fundamental relevância para o crescimento pessoal e profissional da pesquisadora, além de acenar novos horizontes para outros trabalhos e pesquisas posteriores.