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NAS TRAMAS DE UMA EDUCAÇÃO INFANTIL ESCOLARIZADA II.1 Considerações teóricas sobre a educação infantil

II. 2.1 Contexto sócio histórico e a década de 1960 no Brasil

Após termos feito um percurso histórico acerca da infância referente à noção do sentimento de infância, da infância enquanto construção social de diversos campos de saber e também sua emergência enquanto campo de poder-saber e subjetivação pelas práticas do UNICEF, cabe agora enveredarmos pelas noções e práticas destinadas a educação de crianças de 0 a 6 anos no Brasil.

Kuhlmann Junior (1998, p. 15) nos alerta que ao realizarmos uma análise acerca da educação de crianças pequenas devemos ter nosso objeto de pesquisa sob o prisma de que “A educação não seria apenas uma peça do cenário, subordinada a uma determinada contextualização política ou socioeconômica, mas elemento constitutivo da história e reprodução da vida social”. Penso ser pertinente justamente destacar as situações que permitiram a emergência das demandas pela educação infantil, as configurações apresentadas

no decorrer do tempo e as alterações, descontinuidades, avanços e retrocessos que se efetivaram nas políticas de educação infantil, e também destacar a proveniência, a marca que tais práticas deixam nos corpos infantis.

Comecemos então pelo contexto sóciohistórico. Conforme já foi dito anteriormente, o advento da modernidade foi decisivo para a objetivação da infância, pois os processos que estabeleceram a sociedade moderna ocasionaram a hegemonia da razão e da técnica de modo que a educação passou a ser cada vez mais valorizada e a escolarização da infância indispensável.

Existe também a questão da inserção da mão-de-obra feminina no mercado de trabalho, de mudanças na condição de existência que passou a ser cada vez mais urbano- industrial, e as famílias que precisaram se dispersar a procura de melhores condições de vida e oportunidades, se desvencilhando das famílias extensas e se reduzindo cada vez mais a famílias nucleares.

Realizar uma pesquisa histórica que se empenhe em destacar a história das políticas para a infância e da educação infantil brasileira é traçar um mapa que demarque processos de objetivação da educação infantil, de saber-poder na constituição de um campo que delibere políticas para esta infância e esclarecer circunstâncias, embates e confrontos que se travaram em torno de tal objeto que é a infância e seus processos de guarda e educação pré-escolar. Para Kuhlmann Junior:

Trata-se de empreender a construção da relação entre o fenômeno – histórico – da escolarização das crianças pequenas e a estrutura social. O fato social da escolarização se explicaria em relação aos outros fatos sociais, envolvendo a demografia infantil, o trabalho feminino, as transformações familiares, novas representações sociais da infância, etc. (KUHLMANN JUNIOR, 1998, p. 16)

Nesse contexto, a partir de tal configuração histórica, ou como Veyne (1998) nos diz, das disposições das peças em tal tabuleiro que se apresentou as crianças passaram a ser objetos de várias outras práticas além das anteriormente citadas nos tópicos antecedentes desta dissertação.

Noções e práticas destinadas a crianças de 0 a 6 anos acabaram por emergir de diversos atores e em diferentes contextos da sociedade brasileira. Em um capítulo de livro intitulado “Políticas para a educação infantil: uma abordagem histórica” (1998) Kuhlmann Junior destacou a importância da década de 1960 para as políticas relacionadas à educação infantil, especialmente no Brasil e destaca que

Sabe-se que foi apenas com a expansão da força de trabalho feminina aos setores médios da sociedade, em todo o mundo ocidental, a partir da década de 1960, que se ampliou o reconhecimento das instituições de educação infantil como passíveis de fornecer uma boa educação para as crianças que as frequentassem. A demanda desses setores promoveu uma recaracterização das instituições, que passaram a ser vistas como apropriadas a crianças de todas as classes sociais. (KUHLMANN JUNIOR, 1998, p. 181)

A partir desta recaracterização das instituições da EI, nesta década de 60, além dos setores médios da sociedade as classes populares também demandaram por creches para suas crianças, pois “(...) buscavam alternativas para a educação de seus filhos pequenos, compatíveis com as exigências apresentadas pelo mundo do trabalho e pela vida em centros urbanos” (KUHLMANN JUNIOR, 1998, p. 182).

Dessa maneira, o quadro que se apresenta é de uma demanda por cuidados com as crianças que precisariam estar abrigadas e receber atenção e cuidados, enquanto suas mães estavam ocupadas em atividades extra domésticas. Essa conjuntura gerou um cenário de lutas por uma oferta de educação infantil como nunca dantes, para além dos tutores, às crianças das classes abastadas, mas também para as crianças de classes populares, de modo que “As creches apareciam como resultado, como um símbolo concreto dessas lutas: o movimento popular e as reinvindicações das feministas colocaram a creche na ordem do dia” (KUHLMANN JUNIOR, 1998, p. 180)

A partir de então, os atores que lutavam pela oferta de educação para as crianças pequenas se multiplicaram assim como suas propostas de ação e de subjetivação da infância. Rosemberg (2002, p. 29) destaca que “Desse entrejogo de conflitos, tensões, coalizões e negociações participam, também, nos países subdesenvolvidos, as organizações multilaterais, seus pesquisadores e canais de divulgação”.

Vale destacar que a partir daqui caminha-se para, pelo menos teoricamente, na letra ou lei, uma proposta de democratização do acesso a instituições de educação pré-escolar, em algumas décadas de forma mais superficial, e em outras com medidas mais práticas, para que efetivamente se proporcionasse tal serviço, em detrimento de questões como o equilíbrio entre oferta e qualidade.