• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 2. A Pedagogia das Competências e alguns de seus paradoxos Introdução

42 Para Zúñiga (2000), o conceito de ocupação é um conceito aberto, mais amplo que o de posto de trabalho e

2.5. Considerações finais

2.5.1. Considerando as contradições lógicas

A Pedagogia das Competências se apresenta como uma nova forma de mediar a relação entre trabalho e educação, mas não abandona alguns referenciais já antes utilizados na educação profissional, como o pragmatismo. A partir da utilização deste referencial, o conjunto de formulações acerca da formação baseada na idéia de competência profissional apresenta contradições lógicas que limitam as possibilidades de realização das promessas desta abordagem pedagógica e de resolução de questões antigas da educação profissional tradicional, como o desenvolvimento da capacidade real de trabalho.

A ampliação das capacidades da força de trabalho de lidar com situações novas e imprevistas, que pretende possibilitar, está limitada pelas necessidades e objetivos das empresas e pelo setor de atividade econômica em que estas se encontram. Os campos de aplicação das competências, definidos nos processos de normalização condicionam essa ampliação e dificultam a transferibilidade de capacidades desenvolvidas. Além do que, a potenciação das capacidades dos trabalhadores está vinculada à idéia de saber útil, o que define o caráter pragmático do enfoque das competências.

A promoção de uma educação integral pode ser questionada em função da utilização de sistemas de ensino modular, um processo de formação segmentado, associado à idéia de saber útil e aplicado de acordo com as necessidades imediatas colocadas pelos ambientes produtivos. Pode ser questionada, ainda pelos procedimentos baseados no método de resolução de problemas que não são acompanhados necessariamente por outras estratégias de sistematização das experiências e conhecimentos desenvolvidos que permitam a continuidade da formação. A integração entre educação básica e profissional é pensada com base na idéia de complementação e não de uma integração efetiva. Também a relação entre o pensar e o fazer, entre teoria e prática aparece de forma dicotômica. Para

Candau & Lelis (1995), falando da relação entre teoria e prática na formação do educador, tal visão dicotômica, de base positivista-tecnológica, se caracteriza pela separação dos pólos sem oposição, onde se estabelece uma relação mecânica e autoritária de mando e obediência de um termo em relação ao outro, desvinculando o saber do fazer. Estas autoras afirmam que uma visão de unidade destes termos pressupõe a distinção entre teoria e prática no seio de uma unidade indissolúvel, numa relação de autonomia e dependência de um termo em relação ao outro, de tal modo que a prática seja o ponto de chegada e partida da teoria e esta seja revigorada pela prática educativa. Nesta perspectiva, o currículo ganha a dimensão teórico-prática.

Quanto ao desenvolvimento da autonomia e da participação dos trabalhadores na vida das empresas, verificamos nos discursos dos divulgadores da Pedagogia das Competências que a autonomia a ser promovida deve ser limitada pelo emergente, pelo imediato. É limitada ainda pela cultura da empresa, por seus códigos de conduta e pelas tecnologias em uso. Como já colocado anteriormente, a autonomia deve ser desenvolvida, mas o poder de inovação que o exercício da competência supõe está limitado pelos objetivos da reprodução do capital. A participação dos trabalhadores nos sistemas de desenvolvimento de competências é ainda limitada, sendo explicitada pelos divulgadores uma participação substantiva apenas nos processos de identificação e desenvolvimento das competências.

Por um lado, a formação por competências pode assegurar vantagens para as empresas, com a simplificação e redução de custos de recrutamento, seleção e formação dos trabalhadores, com a possibilidade de vinculação de salários, carreiras e incentivos aos produtos e serviços gerados pelos trabalhadores, com a possibilidade de desenvolvimento de novas formas de controle que se baseiam no cumprimento de metas e objetivos e com a garantia de interferência dos empresários em todo processo de identificação, normalização, formação e certificação de competências. Mas, por outro lado, a Pedagogia das Competências, além de apresentar limitações ao aumento da autonomia dos trabalhadores, como afirmado anteriormente, da elevação de seus níveis de qualificação e de sua maior

participação no processo produtivo, pode enfraquecê-los como coletivo ao individualizar as relações entre capital e trabalho e facilitar a intensificação do trabalho.

Pode-se verificar que a proposição principal do enfoque de competências, de desenvolver a capacidade real de trabalho, também apresenta dificuldades de realização. Os processos de identificação e normalização das competências, sobre os quais se apóia a formação, não dão garantias de desempenho. O método de resolução de problemas que tem sido proposto também não assegura a eficiência das atividades nem a transferência de capacidades desenvolvidas. Apesar da máxima objetividade que se busca nos processos de avaliação e certificação, estes ainda se sustentam na subjetividade dos avaliadores diante de situações heterogêneas complexas.

A resposta para a formação de trabalhadores com capacidade para lidar com o imprevisível que marca os sistemas abertos de organização do trabalho e da automação flexível parece estar efetivamente no desenvolvimento de todo o potencial dos indivíduos, como colocado anteriormente. O desenvolvimento da autonomia dos trabalhadores, de sua capacidade de exercer a crítica diante das situações colocadas, o incentivo ao desenvolvimento da sua iniciativa e de capacidades de comunicação são formas de potencializá-los e de elevar seu nível de compreensão sobre a realidade do trabalho.

O enfoque das competências, no entanto, apesar de apresentar contornos novos à formação profissional, de avançar no que se refere a uma relativa ampliação dos níveis de qualificação da classe trabalhadora e de sua autonomia, retoma referenciais, idéias e práticas já utilizadas pela educação profissional tradicional.

A transição entre o enfoque da qualificação para o das competências é um fenômeno ao mesmo tempo contínuo e descontínuo, apresentando rupturas e permanências. Antes que as práticas baseadas no enfoque da qualificação se esgotassem completamente do ponto de vista histórico, surgiu a demanda de sua substituição, pois continuam existindo atividades de formação voltadas para o trabalhador dedicado a funções especializadas. Emergem, apesar disso, experiências de formação que preconizam outro perfil.

O Modelo de Competências se apresenta, assim, como uma nova estratégia da formação profissional, mas não rompe com o referencial pragmatista que fundamentava a educação profissional até então prevalente. Idéias e práticas próprias desse modelo já estavam contidas na dinâmica social e educacional anterior. Assim, elas trazem elementos do passado: idéias, teorias e práticas já existentes, contradições entre concepções sociais e pedagógicas, que são reutilizados e re-significados sob a idéia de formar trabalhadores competentes.

A idéia de formar para o fazer não é nova, pelo contrário, era esta também a tônica da formação voltada para atendimento das demandas do trabalho de tipo taylorista.

O pragmatismo, enquanto referencial filosófico, já subsidiava a educação profissional voltada para o atendimento das demandas tayloristas. A urgência por respostas rápidas faz das empresas o maior incentivador da utilização desse referencial.

Os referenciais condutivistas, funcionais e construtivistas já há muito tempo vêm subsidiando ações de formação. O condutivismo fundamenta as ações de formação que voltadas para o desenvolvimento de capacidades de trabalho com base na repetição e no treinamento para tarefas rotineiras, próprias do taylorismo. O construtivismo é apontado por Ribeiro (1991) como uma teoria que ganhou relevância junto aos educadores no mesmo período da disseminação da Teoria do Capital Humano e do tecnicismo, nos Estados Unidos. O funcionalismo também há muito tempo vem servindo como análise que favorece a harmonia e a integração dos espaços produtivos.

Práticas de formação baseadas na auto-aprendizagem resgatam as teorias não- diretivistas que marcaram o movimento da escola ativa. Métodos de resolução de problemas e outros procedimentos centrados na aprendizagem encontram nestas teorias a sua origem.

A formação por módulos e o uso de guias instrucionais tem no tecnicismo sua origem, de onde também se resgata a avaliação reduzida às medidas e ao uso de taxonomias.

Estes elementos nos permitem dizer que a Pedagogia das Competências, apesar de se apresentar como algo novo, estabelece continuidades com a formação profissional tradicional. Ela não é, porém, uma proposição que esteja plenamente configurada. Apesar da força do seu discurso, está em processo de formação e consolidação de idéias e de práticas, de experimentação de metodologias, numa dinâmica que dá continuidade, ao mesmo tempo em que nega práticas que vêm sendo desenvolvidas. No Brasil, por exemplo, algumas tentativas nesse sentido já foram ou estão sendo tentadas. No Senai, desenvolveram-se os projetos Logus (Rio de Janeiro) e Petra (São Paulo), posteriormente abandonados. Em nível internacional, alguns países desenvolvidos (EUA, Inglaterra, Canadá, Alemanha e França, por exemplo) já conseguem acumular mais de uma década de experiências de desenvolvimento de educação profissional com base na noção de competências. Na maioria dos países subdesenvolvidos, como os da América Latina, ainda são bastante recentes as experiências desse tipo.

Esse enfoque de formação profissional, no entanto, vem encontrando motivações para se tornar hegemônico no campo da educação profissional. Suas idéias e práticas vêm encontrando ressonância na realidade e respondem a algumas necessidades das empresas e dos governos, o que demonstra a necessidade do aprofundamento de sua análise através de experiências concretas.

2.5.2. Considerando as implicações de uma educação profissional de inspiração