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Pedagogia das Competências e métodos formativos

Capítulo 2. A Pedagogia das Competências e alguns de seus paradoxos Introdução

2.3. Pedagogia das Competências e métodos formativos

A Pedagogia das Competências pressupõe uma necessária aproximação entre os processos formativos e as situações de trabalho, pois busca o desenvolvimento de capacidades operativas validadas pelo seu exercício e um conjunto de saberes e saber-fazer que estão relacionados com as situações de trabalho.

No que se refere aos métodos de ensino, são privilegiados o método de ensino por problema38 e a formação por alternância. O primeiro é apresentado por Edling (1977) como o método de competência por excelência, já que permite a mobilização combinada de conhecimentos, habilidades e atitudes em situações autênticas ou muito parecidas à realidade. Mostraria-se capaz de desenvolver a experiência e as competências com pensamento crítico, comunicação e criatividade, fundamentais para solucionar os problemas de trabalho (Gonczi, 1977). Seria, por isso, um método integrado.

O método de resolução de problemas inclui quatro componentes básicos: a) Identificação correta de obstáculos e restrições;

b) Identificação de alternativas viáveis para superar obstáculos e restrições; c) Seleção de alternativas;

38 Método desenvolvido por Dewey, que concebia os programas como meios de realização dos projetos das

crianças. Dewey fazia a crítica aos métodos de ensino que realizavam o divórcio entre o saber e sua aplicação. Para superar tal distanciamento desenvolveu o método do problema, a base de toda sua metodologia, procurando realçar o uso das atividades manuais na escola como forma de buscar fortalecer o vínculo entre trabalho e educação (Brubacher, 1978).

d) No caso de existência de outras alternativas, articulação correta do raciocínio de forma a ordenar a seleção das opções de acordo com a extensão das possibilidades que podem ser utilizadas na superação dos obstáculos ou das restrições.

Outra vantagem apresentada pelo método por problemas seria a diminuição do tempo de aprendizagem gasto na escola em comparação com o tempo de aprendizagem despendido no local de trabalho (Edling, 1977).

Os modelos pedagógicos pautados na noção de competência têm buscado responder às demandas específicas das empresas, orientando-se para a promoção de aprendizagens situadas. Desta forma, a pedagogia da alternância tem servido como elemento de maior aproximação entre sistemas formativos e empresas e tem resultado na maior ingerência do empresariado sobre a educação, impulsionada por organismos econômicos internacionais (Tanguy, 1997c).

A pedagogia da alternância tem sido utilizada na busca pela superação de práticas de formação apoiadas unicamente nos conteúdos de disciplinas curriculares e como forma de aproximação entre teoria e prática. Trata-se de uma modalidade de formação dual, que implica a alternância de períodos de formação realizados em empresas e outros cumpridos em organismos específicos de educação. Diferencia-se dos modelos puramente escolares e busca uma complementação entre as capacidades que se alcançam através da experiência, oriunda da vida profissional e social, e a capacidade de reflexão ampla que confere os conhecimentos acadêmicos (Cereq, 1994; Delors, 1999).

As práticas de alternância são colocadas como alternativa de superação do ensino tradicional, organizado com base na decomposição e descontextualização dos conhecimentos, que resultaria pouco eficaz no campo da formação profissional (Cereq, 1994). Elas são apresentadas como possibilidade de desenvolvimento de saberes contextualizados e úteis.

Os projetos baseados na alternância seriam, então, conduzidos de modo a identificar situações-problema que requereriam, para serem resolvidas, a mobilização de

conhecimentos, habilidades e atitudes pelos indivíduos, transformando essas situações em situações didáticas.

As vantagens apresentadas pelas práticas de alternância seriam as de incrementar a qualidade da formação profissional (Gils, s.d.), de possibilitar o desenvolvimento do aprender a fazer (Delors, 1999), de favorecer o desenvolvimento individual e a autonomia profissional dos indivíduos e de desenvolver saberes práticos dificilmente identificados previamente (Cereq, 1994).

Para Mertens (1996), a combinação da formação por alternância com o ensino por resolução de problemas possibilitaria um ensino de tipo integral e dinamizaria a capacitação das pessoas.

O ensino modular constitui a base sobre a qual se montam os procedimentos formativos. Com ele, busca-se estabelecer as correspondências entre as competências identificadas nos processos de decomposição de tarefas e as demandas específicas das empresas.

Com relação aos procedimentos de ensino, são valorizados as práticas de trabalho em grupo, dramatizações e seminários voltados para o desenvolvimento das capacidades desejadas, recursos que possibilitariam estimular a autonomia e a capacidade de trabalhar sem que se tenham definidos os passos a serem seguidos. Outro elemento importante seria a adoção, como meios de ensino e recursos didáticos, dos mesmos instrumentos utilizados na atividade de trabalho.

A proposta de formação profissional através do desenvolvimento de competências salienta, ainda, a necessidade de garantir meios para que haja um processo contínuo de aperfeiçoamento do trabalhador, com a permanente atualização das suas capacidades de trabalho, necessária para o enfrentamento de situações novas e diferenciadas. Para tanto, o princípio da flexibilidade curricular é preconizado, visando substituir o conceito de formação de estoques de conhecimentos e habilidades em favor de um movimento dinâmico de ajustamento das capacidades de trabalho.

A proposição que defende a formação profissional através do desenvolvimento de competências tem, também, requerido uma redefinição dos papéis exercidos pelos sujeitos da prática educativa. Aos professores, é demandado que privilegie a aprendizagem em detrimento do ensino, que mude seu perfil de docente, abandonando as atitudes centralizadoras do conhecimento em sua pessoa e a ênfase em conteúdos, em favor do desempenho de um outro papel, o de estimuladores e provocadores do desenvolvimento dos alunos. Aos alunos, é solicitada maior responsabilidade pelo seu próprio processo de desenvolvimento de competências, sobre seu sucesso e fracasso, perspectiva que vem reafirmar a concepção meritocrática, própria do pensamento liberal de educação.

O orientador precisa abdicar de sua posição dominante de professor e assumir um papel de conselheiro e assistente. Não se trata apenas de renunciar a uma posição de “poder”, mas de transformar hábitos pedagógicos há muito tempo adquiridos. (...) O papel do orientador deve ser o de moderador, cuja tarefa consiste, essencialmente, na discussão de textos-guia e questões referenciais, na discussão de respostas e sugestões dos aprendizes, no estudo de problemas e na análise do resultado do aprendizado (Schmidt, 1991:56).

A formação profissional através do desenvolvimento de competências sugere, ainda, mudanças no campo institucional. O modelo apoiado em entidades de grande porte de formação profissional deveria dar lugar à disseminação de um conjunto de entidades de menor tamanho, sob o argumento de que essas seriam mais capazes de identificar e responder de forma mais ágil as demandas específicas das empresas e dos setores da atividade econômica (Zúñiga, 2000). O local de trabalho, cada vez mais, é considerado como espaço de formação das capacidades reais de trabalho e sobre essa premissa defende- se a idéia da empresa qualificante (Zarifian, 1999).

Defende-se, portanto, para o processo formativo, a constituição de um sistema aberto, organizado por módulos, sob o argumento de que isso facilitaria, aos estudantes, a

entrada ou saída de programas em qualquer momento, dependendo das suas necessidades de desenvolvimento de competências ou do contexto profissional em que estão inseridos.

Não só as aprendizagens são redefinidas em função das necessidades situadas, como as situações específicas passam a constituir os principais momentos e locais de formação das competências. Desta forma,

...a atividade de formação ao se desenvolver, deslocou-se de lugares especializados nessa função – como a escola – para outros lugares e em especial para as empresas que, tendencialmente, tornam-se lugares e agentes de formação e não só de produção de bens ou de serviços materiais ou culturais (Ropé e Tanguy, 1997b:18).

A formação profissional através do desenvolvimento de competências concede ao processo de avaliação uma grande importância, como instrumento necessário à validação dos saberes e capacidades desenvolvidas. As propostas de avaliação se apóiam em referências de medida e exigem a definição de objetivos em forma de verbos operacionais.

São propostas formas de avaliação que possam verificar os resultados práticos alcançados pelos discentes nas situações colocadas, o que uma pessoa é capaz de fazer, sob o argumento de que é preciso superar formas de avaliação que têm, como limite, apenas a promessa de eficiência (Gonczi, 1997; Mertens, 1996). Para isso, propõe-se que se concentre no desempenho, não nos conhecimentos, de modo a buscar perceber o desenvolvimento de capacidades efetivas de trabalho.

A questão central seria a de avaliar a capacidade de aplicação e de síntese do conhecimento e não a aquisição do conhecimento em si. A validade do saber apreendido seria determinada, portanto, pelo saber-fazer desenvolvido, pois não interessa reconhecer evidências de quanto o indivíduo sabe, mas o rendimento real que alcança, quer dizer, o saber fazer (Hetcher apud Mertens, 1996:87).

A medição das competências adquiridas se faz via provas ocupacionais realizadas em situações reais ou por simulação e a avaliação dessa aferição se efetua com base em indicadores de domínio pré-estabelecidos.

Caso um trabalhador alcance outro resultado, que não o especificado na descrição da competência normalizada, este é considerado ainda não competente pelas instituições avaliadoras (OIT, 1999). A avaliação pressupõe, portanto, a adequação clara a formas prescritas de desempenho competente.

São as demandas específicas das empresas que também passam a determinar a avaliação das competências adquiridas, pois estas devem ser consideradas como propriedades instáveis que devem ser validadas nos momentos de exercício do trabalho para serem reconhecidas. São marcadas, portanto, pela incerteza e temporariedade. A avaliação, assim, não se baliza mais em saberes disciplinares, mas sobre os saberes operacionais aplicados em dada situação.

Os métodos formativos, portanto, são propostos de modo a que possam ajudar os indivíduos a resolverem os problemas suscitados pelos contatos correntes com o ambiente de trabalho.

A partir da crítica à postura de passividade do aluno no processo de ensino, vista como marca da educação profissional de tipo até então prevalente, a Pedagogia das Competências reclama a utilização de métodos ativos de ensino e aprendizagem. Desta forma, o desenvolvimento das capacidades de trabalho passaria a estar focado na aprendizagem, ao invés do ensino, como tem se dado ordinariamente. Considera, ainda, que a auto-atividade dos alunos constitui uma condição fundamental para a formação do trabalhador criativo e autônomo, capaz de se antecipar aos problemas e de mobilizar suas diferentes potencialidades e capacidades na concretização de suas atividades de trabalho (Hyland, 1994).

Como as competências são tratadas como atributo do indivíduo, enfatizam-se os processos de formação centrados na aprendizagem, sendo a atividade e a experimentação consideradas como necessárias para o desenvolvimento do saber-fazer.

A valorização do exercício prático como base para o desenvolvimento do saber- fazer pode ser encontrada em Dewey. Este filósofo do pragmatismo colocou a noção de experiência como a referência de seus procedimentos formativos, acreditando que a partir da experiência, direta e indireta39, as aprendizagens ganham sentido. Estas deveriam ser

estruturadas sobre estratégias que valorizassem a atividade dos alunos de modo a lhes permitir momentos de experimentações e de análise onde se fizesse uma associação restrospectiva e prospectiva dos resultados das experiências, em um processo que permitisse aos alunos a reconstrução destas experiências (Dewey, 1936). Fatos, valores e teorias supridas pelo professor ganhariam sentidos (pessoais) quando conectados às experiências próprias dos indivíduos.

Dewey realçava, portanto, o papel do sujeito como agente de sua própria formação. Além de negligenciar o papel do objeto do conhecimento nos processos de construção da aprendizagem, não pressupunha uma teleologia para essa atividade, aliás, a sua teleologia era o utilitarismo. Conformava-se com a realidade e buscava desenvolver estratégias de aprendizagens pautadas em atividades voltadas para essa realidade negando a dimensão ontológica que caracteriza a atividade humana: a possibilidade de transformação da realidade e de si mesmo.

As idéias de Dewey estão presentes na Pedagogia das Competências: os programas educativos concebidos como meios de realização dos projetos, o seu método do

problema, transformando tanto os métodos de ensino quanto de aprendizagem em métodos

de pesquisa, e a idéia de uma escola-laboratório, onde, através do trabalho, cada criança pode desenvolver-se e adquirir os valores desejados (Brubacher, 1978). Os procedimentos formativos propostos por Dewey parecem não só se ajustarem às expectativas levantadas

39 Dewey (1936) refere-se à experiência direta, como aquela que tem o efeito de ser agradável ou

desagradável, atribuindo a esta o senso do real e a experiência indireta, como aquela que influencia as experiências posteriores, através dos símbolos.

pela Pedagogia das Competências, favorecendo processos adaptativos, como podem ser concretamente encontrados em algumas formulações de defensores desta pedagogia40.