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Consolidação normativa da matéria na ordem jurídica portuguesa e brasileira

2. OS DIREITOS DAS CRIANÇAS REFUGIADAS

2.1 Criança: evolução histórica do reconhecimento da infância e natureza conceitual

2.1.1 Consolidação normativa da matéria na ordem jurídica portuguesa e brasileira

O Direito das Crianças desenvolve-se numa área que não é exclusiva de direito público nem de direito privado. Situa-se, portanto, numa área de interpenetração entre o direito e o social, entre o direito e a psicologia, constituindo um ramo do direito em formação. O Direito das Crianças engloba as normas de todos os ramos de direito que incidem sobre a situação das crianças. Assim, os ramos do direito relevantes são, por exemplo, para além do Direito da Família e do Direito Civil, o Direito Internacional Público e o Direito Comunitário, o Direito Constitucional, o Direito Penal e o Processual Penal, o Direito do Trabalho, o Direito Fiscal e o Direito da Segurança Social200.

Ressalte-se, por ser de grande importância, as normas legais que disciplinam o sujeito do Direito das Crianças na ordem jurídica portuguesa e documentos internacionais: (1). No Direito Constitucional: as normas que consagram os direitos, liberdade e garantias da pessoa humana e os direitos económicos, sociais e culturais, além dos direitos fundamentais, tais como: à vida, à liberdade, à integridade pessoal e ao livre desenvolvimento (artigos 24º, 25º e 26º); art. 69º, n.º 1; arts. 17º e 18º201; (2) No Direito Civil: arts. 70º e ss.; arts. 122 e ss.; arts. 1878º, n.º 2; arts. 1885º e 1901º; (3) No Direito Penal e Processual Penal: Estatuto das Crianças Vítima de Crimes Violentos (vide crimes sexuais); Protocolo Adicional Facultativo à Convenção dos Direitos das Crianças (art. 8º, n.ºs 1 e 4, al.g); art. 271º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal; (4) Na Convenção sobre os Direitos da Criança de 1990 (arts. 1º e ss; vide art. 39º); (5) Na Organização Tutelar de Menores, o Estatuto do Aluno (Lei n.º 30/2002, de 20-12, com as alterações da Lei n.º 3/2008, de 18-01); (6) Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro); (7) Lei Tutelar Educativa (Lei n.º 166/99, de 14 de Setembro) e (8) Lei de Proteção de Testemunhas (Lei n.º 93/99, de 14 de Julho com as alterações subsequentes).

200 SOTTOMAYOR, Maria Clara. Temas de Direito das Crianças, Junho de 2014. Edições Almedina

S.A. pp. 45 e seguintes.

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, promulgada em 16 de Julho de 1934202, no Título IV, artigo 138 aduz o seguinte acerca da infância:

Art 138 - Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos das leis respectivas:

a) assegurar amparo aos desvalidos, criando serviços especializados e animando os serviços sociais, cuja orientação procurarão coordenar;

b) estimular a educação eugênica; c) amparar a maternidade e a infância; d) socorrer as famílias de prole numerosa;

e) proteger a juventude contra toda exploração, bem como contra o abandono físico, moral e intelectual;

f) adotar medidas legislativas e administrativas tendentes a restringir a moralidade e a morbidade infantis; e de higiene social, que impeçam a propagação das doenças transmissíveis;

g) cuidar da higiene mental e incentivar a luta contra os venenos sociais. (grifo nosso).

A Constituição da República de 1934, conforme Alberton, “foi o primeiro documento a referir-se, mesmo que de uma forma muito tímida, à defesa e à proteção dos direitos de todas as crianças e adolescentes203.”

O art. 16, inc. XXVII, da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 10 de Novembro de 1937, refere-se a competência da União para legislar sobre as matérias concernentes à defesa e proteção da saúde e da criança. O art. 127, do mesmo texto constitucional, menciona que a infância e a juventude são objetos de cuidado e de garantias especiais por parte do Estado204.

A Constituição da República Federativa do Brasil, de 24 de Janeiro de 1967, determina que fosse instituída por lei a assistência à maternidade, à infância e à adolescência, segundo reza o art. 167, § 4º do Título IV que trata “Da Família, da Educação e da Cultura205.” A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988206 apresentou um maior enfoque à proteção e garantias à criança e ao adolescente, ampliando essa responsabilidade à família, à sociedade e ao Estado,

202 BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 16 de Julho de 1934. Texto

disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 10.08.2016.

203 ALBERTON, Maria Silveira. Violação da infância: crimes abomináveis: humilham, machucam,

torturam e matam! Porto Alegre, RS: AGE, 2005. p. 58.

204 BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 10 de Novembro de 1937.

Texto disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 10.08.2016.

205 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 15 de Março de 1967. Texto disponível

em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 10.08.2016.

206 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de Outubro de 1988. Texto

declarando a proteção integral a toda a população infantojuvenil, conforme se encontra transcrito no caput do artigo 227. Além disso, no § 4º do mesmo dispositivo legal estabelece-se normas punitivas na forma da Lei acerca do abuso, violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.

No Brasil, a Lei n.º 8.069, de 13 de Julho de 1990, dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Para a norma brasileira, “considera-se criança, (…), a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.” (Título I, art. 2, Lei n.º 8.069/90)207. Ressalte-se que o Brasil é um país signatário da Convenção sobre os Direitos da Criança de 1990 e adota, também, o conceito de criança formulado pela Convenção sobre os Direitos da Criança de 1990.

Conforme a autora Alberton (ob.cit), com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, as crianças e adolescentes passaram a ser reconhecidos como “sujeitos de Direitos” de “prioridade absoluta”. Os direitos fundamentais tais como: o direito à vida, o direito à saúde, o direito à convivência familiar e comunitária encontram-se consubstanciados nos artigos 4º, 5º, 7º e no caput do artigo 19 do ECA208.

207 BRASIL. Lei n.º 8.069, de 13 de Julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do

Adolescente e dá outras providências. Texto disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm. Acesso em: 01.06.2016.

208 BRASIL. Lei n.º 8.069, de 13 de Julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do

Adolescente e dá outras providências. “Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. Art. 5.º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. Art. 7.º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. Art. 19, caput: É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral.” (Redação do art. 19, caput, dada pela Lei n.º 13.257 de 2016.)

Não obstante os múltiplos instrumentos internacionais produzidos, quer no âmbito da União Europeia, quer para além das suas fronteiras, certo é que ao sistema existente são ainda apontadas muitas insuficiências que importa superar.

A autonomia do Direito das Crianças, como disciplina jurídica, “abrange o estudo de todas as relações sociais em que a criança ocupa posição de sujeito ou de objeto de políticas sociais de proteção e de promoção dos seus direitos.” O Direito das Crianças, nas palavras de Sottomayor, “para além de uma importância prática, tem, também, uma importância simbólica, na promoção do valor e da dignidade humana das crianças, como pessoas, na mentalidade dos futuros profissionais do direito, e na criação de uma nova cultura da infância nos Tribunais209”.