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Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988

No documento UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS (páginas 83-88)

3.6 A CONSULTA PRÉVIA NO BRASIL

3.6.1 Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988

A Constituição da Republica Federativa do Brasil, foi emitida em 1988, representa

uma das constituições mais avançadas no relativo a meio ambiente e povos indígenas. No

entanto ser uma legislação que serve de referencia para outros Estados, Brasil tem enfrentado

uma série de problemas enquanto à efetivação dos direitos reconhecidos aos povos indígenas.

Antes da promulgação da constituição de 1988, o tratamento jurídico para os povos

indígenas seguia uma linha assimilacionista, o que quer dizer que o Estado pretendia,

seguindo a ideia que somente tinha que existir uma sociedade homogênea, que os povos

indígenas, através de um processo “civilizatório”, se adaptaram e integraram à sociedade

dominante, não índia.

Esta politica assimilacionista, pode-se observar no longo da legislação brasileira,

antes da promulgação da constituição de 1988. Por exemplo, no Código Civil de 1916, os

indígenas eram equiparados às pessoas de idade entre 16 e 21 anos, assim como os pródigos

45

,

e eram nominados com o termo ”silvícola”, que eram aqueles que moravam no mato, não

humanos, devido as sua peculiar forma de viver. Tem que ser tomado em consideração, que

na época de 1916, a politica integracionista era a dominante, e a relação paternalista do Estado

com os povos indígenas, a forma que se achava idônea para reconhecer alguns direitos destes

(MARÉS e BERGOLD, 2013, p. 68).

Ainda que seja atacada na atualidade, a forma retrógrada que a legislação regulava as

relações dos povos indígenas, é importante ressaltar que o Código Civil de 1916 trouxe

avanços em relação à lei de 1831, que outorgava aos Juízes de órfãos a tutela dos indígenas,

mas ainda estes eram tratados individualmente e não coletivamente. Assim mesmo, era

preciso que fosse regulada esta relação por uma lei especifica, o qual aconteceu em 27 de

junho de 1928, onde se termina com esta tutela orfanológica (MARÉS e BERGOLD, 2013, p.

68). Sobre isto Marés e Bergold (2013, p. 68) ressaltam o avanço da lei de 1928, onde as

relações dos indígenas com a sociedade deixam de ser privadas para tornar-se de natureza

pública:

A época era necessária a criação de uma lei que regulamentasse a situação dos indígenas nascidos no Brasil, veio então o Decreto 5.484 de 1928. Todavia este pouco inovou, mantendo as linhas gerais do Código Civil. Mas houve mérito, porque trouxe a concepção de que as relações entre índios e sociedade organizada soa de natureza pública e não privada. Insta lembrar que naquele tempo o Brasil tinha pouco menos de dez milhões de habitantes e um milhão eram índios.

O tratamento jurídico dos povos indígenas continuava a politica integracionista com

a criação do Estatuto do Índio o 19 de dezembro de 1973 na lei 6.001, o qual regula a forma

de integração harmoniosa e progressiva dos povos indígenas na comunidade nacional. Mas o

Estatuto do Índio será abordado mais adiante.

45 Pródigos que em palavras de Washington (pag. 120) tem a ver com a incapacidade relativa que é: Aquela que torna as pessoas dependentes de autorização de outra para que a pratica de seus atos sejam validas: os maiores de 16 e menores de 21 anos; as mulheres casadas, enquanto subsistir a sociedade conjugal; os pródigos; os silvícolas (CC, art. 6º, 147, 154 a 156). Comentário: Pela Lei n. 4.121, de 27 de agosto de 1962, ficou alterado o dispositivo contido no CC, sobre a situação da mulher casada, suprimindo dele o referente às mulheres casadas. Não fala sobre o que venha ser prodigo. Entretanto, vamos encontrar o sentido de tal expressão nas Ordenações do Reino (Portugal) que dizia que pródigo era aquele que desordenadamente gastava e destruía a sua fortuna. Para estes, o juiz, após constatação judicial, nomeava um curador a esse “incapaz” (...).

Continuando com a Constituição de 1988, esta estabelece um marco jurídico

avançado, outorgando um capitulo especifico sobre os direitos indígenas, esquecendo por

completo a politica integracionista, e reconhecendo o direito de diferença, direitos coletivos e

outorgando a capacidade de garantir estes direitos ao Ministério Publico em processos

judicias, assim como afirma Araújo (2006, pag. 38):

Os Constituintes de 1988 não só consagraram, pela primeira vez em nossa historia, um capitulo especifico à proteção dos direitos indígenas, como afastaram definitivamente a perspectiva assimilacionista, assegurando aos índios o direito à diferença. A Constituição reconheceu aos povos indígenas direitos permanentes e coletivos e inovou também ao reconhecer a capacidade processual dos índios, de suas comunidades e organizações para a defesa dos seus próprios direitos e interesse. Além disso, a Constituição atribuiu ao Ministério Publico o dever de garantir os direitos indígenas e de intervir em todos os processos judicias que digam respeito a tais direitos e interesses, fixando, por fim, a competência da Justiça Federal para julgar as disputas sobre direitos indígenas.

É assim que encontramos no Capitulo VIII, no artigo 231, o reconhecimento dos

direitos aos povos indígenas, relativos à sua organização social, costumes, línguas, crenças e

tradições, direitos originários sobre as terras ocupadas tradicionalmente, este estabelece:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarca-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

§1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

§2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existente.

§3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potencias energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.

§4º AS terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

§5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.

§6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse publico da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé.

Pode-se subtrair do artigo anterior uma série de questões que vale a pena analisar, já

que estabelece-se o âmbito de aplicação da terra indígena, Ou seja o que tem que ser

considerado como terra indígena.

Temos que encontra-se reconhecido o direito que as comunidades indígenas têm

sobre as suas terras, o direito originário, Ou seja continua com o instituto do indigenato. O

indigenato é uma instituição da época da colônia que pode se definir em palavras de Silva

(2005, p. 856) como:

(...) velha e tradicional instituição jurídica luso-brasileira que deita suas raízes já nos primeiros tempos da Colônia, quando o Alvará de 1º de abril de 1680, confirmado pela Lei de 6 de junho de 1755, firmara o principio de que, nas terras outorgadas a particulares, seria sempre reservado o direito dos índios, primários e naturais senhores delas.

Isto representa um avanço importante, já que aceitava-se que estes eram donos da

terra por nestas se encontrarem antes da chegada dos europeus.

Em segundo lugar temos que o artigo antes citado, adiciona o elemento da

tradicionalidade, não exigindo que as terras sejam ocupadas desde tempos imemoriais, nem

que exista uma data de ocupação, assim como afirma Viegas (2015, p. 56):

A Constituição Federal de 1988 manteve o instituto constitucional brasileira do indigenato, reconhecendo aos povos indígenas o direito territorial sobre as terras tradicionalmente ocupadas. Contudo, o texto constitucional foi além, desvinculou o direto das comunidades indígenas da perspectiva arqueológica e da linearidade temporal, não exigindo uma posse imemorial e nem a sua datação, mas a sua tradicionalidade.

O termo de “terras tradicionalmente ocupadas” que foi o produto de um embate

politico entre povos indígenas, organizações defensoras dos direitos dos povos indígenas e os

constituintes, nos qual existia um grande conflito de interesses, representou uma vitória para

os povos indígenas no reconhecimento seus direito ao território. Ao falar de tradicionalidade,

a Constituição refere-se à forma em que os povos indígenas relacionam-se com a terra, não o

tempo em que estes o habitam e sim os costumes e tradições que desenvolvem para habitá-la,

assim como afirma Silva (2004, p. 856):

O tradicionalmente refere-se, não a uma circunstancia temporal, mas ao modo tradicional de os índios ocuparem e utilizarem as terras e ao modo tradicional de produção, enfim, ao modo tradicional de como eles se relaciona com a terra, já que há comunidades mais estáveis, outras menos estáveis, e as que têm espaços mais amplos pelo qual se deslocam et. Daí dizer-se que tudo se realize segundo seus usos, costumes e tradições.

Além de reconhecer o direito originário, a tradicionalidade, se reconhece a posse

permanente das terras. Segundo Silva (2005, p. 858), o sentido que a Constituição dá ao termo

“posse permanente” é diferente ao tradicional sentido que o direito civil outorga-lhe. O termo

“posse” refere-se não a uma relação material entre coisa e ser humano, e sim com um poder:

A posse das terras ocupadas tradicionalmente pelos índios não é a simples posse regulada pelo direito civil; não é a posse como simples poder de fato sobre a coisa, para sua guarda e uso, como ou sem ânimo de tê-la como própria. É, em substância, aquela possessio ab origine que, no inicio, para os romanos, estava na consciência do antigo povo, e era não a relação material de homem com a coisa, mas um poder, um senhorio.

No relativo à Consulta Prévia, esta não se encontra regulamentada na carta magna

brasileira, mas no artigo 231 antes citado temos, no numeral 3, que se reconhece aos povos

indígenas o direito a serem “ouvidos” no relativo ao “aproveitamento dos recursos hídricos,

incluídos os potencias energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras

indígenas” (FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO, 2008, p. 44). Este numeral estabelece

que somente poderão ser aproveitados estes recursos em terras indígenas, quando exista

autorização do Congresso Nacional, reconhecendo o direito das comunidades a ser ouvidas e

respeitando a participação nos resultados da lavra.

No entanto este artigo não estabelece a Consulta Prévia, podemos encontrar como é

reconhecido o âmbito politico do direito de autodeterminação, ao segurar a participação das

comunidades, o qual contribui na proteção do direito à Consulta Prévia.

A omissão da regulamentação da consulta no texto constitucional ou na legislação

ordinária, emanada pelo Poder Legislativo, não teria que representar problema algum na

efetivação desta, já que existe legislação internacional ratificado pelo Brasil, como a

Convenção 169 da OIT e a Declaração das Nações Unidas sobre os direitos dos povos

indígenas. Mas isto não acontece assim, como afirma a Fundación del debido Processo (2015,

p.8) que a esta omissão, representa um problema para funcionários, particulares e operadores

de justiça:

Asimismo, desde un punto de vista práctico, es común encontrar funcionarios públicos, particulares y operadores de justicia que consideran que el derecho a la consulta se reduce a lo establecido en la legislación interna, aunque contenga aspectos que se apartan del estándar internacional, o simplemente que no es exigible, por no contar con una ley especifica que lo establezca.

No Brasil a Convenção 169 da OIT entrou em vigor no ano de 2003, pelo decreto

brasileira, se estabelece que a hierarquia que um tratado ou convenção internacional terá na

legislação nacional, dos quais o Brasil seja parte. No ano de 2004 a Emenda Constitucional Nº

45, adicionou um terceiro paragrafo o qual estabelece que todo tratado ou convenção que trate

sobre direitos humanos que sejam aprovados, em cada câmara do Congresso Nacional, em

duas sessões, por três quintos dos votos dos membros, serão equivalentes às emendas

constitucionais.

Segundo o Supremo Tribunal Federal, os tratados em direitos humanos ratificados

pelo Brasil, são hierarquicamente superiores às leis ordinárias, mas inferiores à Constituição

Federal. Somente aqueles tratados em direitos humanos que sejam ratificados pelo Congresso

da República com um quórum qualificado de três quintos dos votos, no Senado e na Câmara

de deputados terão a hierarquia constitucional.

No documento UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS (páginas 83-88)