3.6 A CONSULTA PRÉVIA NO BRASIL
3.6.3 Demarcação da terra indígena
O reconhecimento do direito ao território dos povos indígenas, no Brasil tem
recorrido um longo caminho, tanto na legislação como na efetivação desta. Depois da invasão
dos europeus no território americano, a situação dos povos indígenas, tem-se caraterizado por
uma vulneração sistemática das suas relações sociais e organizações culturais. Nos primeiros
séculos, o território invadido foi considerado de domínio português, deixando a um lado,
qualquer direito preexistente das populações que o habitavam, assim como afirma Araujo
(2006, p. 24):
Como se sabe, nos idos de 1500, Portugal considerou todo o território brasileiro como parte integrante do seu domínio. Em razão disso, durante praticante os dois primeiros séculos da historia do Brasil, não forma feitas sequer considerações sobre a necessidade de se assegurarem aos povos indígenas quaisquer direitos territoriais. Eram os tempos das tão arrojadas quanto arrogantes “conquistas”, em que simplesmente não se cogitava dar aos “conquistados” nenhum direito. Só com o Alvará Régio de 1º de abril de 1680 é que Portugal reconheceu que se deveria
respeitar a posse dos índios sobre suas terras, por serem eles os seus primeiros ocupantes e donos naturais.
Pelo que é estabelecido no Alvará Régio emitido o 1º de abril de 1680 (FUNDAÇÃO
NACIONAL DO INDIO, 2016) que as populações “descobertas” eram as donas naturais das
terras que habitavam, não estariam obrigados a pagar tributos, e teriam o direto a cultivar e
trabalhar a terra, sem ser afastados destas. Ainda que isto não se efetivasse, e os povos
indígenas continuassem sendo vulnerados, se reconhecia por primeira vez o direito originário
sobre as terras indígenas:
E para que os ditos Gentios, que assim decerem, e os mais, que há de presente, melhor se conservem nas Aldeias: hey por bem que senhores de suas fazendas, como o são no Sertão, sem lhe poderem ser tomadas, nem sobre ellas se lhe fazer moléstia. E o Governador com parecer dos ditos Religiosos assinará aos que descerem do Sertão, lugares convenientes para neles lavrarem, e cultivarem, e não poderão ser mudados dos ditos lugares contra sua vontade, nem serão obrigados a pagar foro, ou tributo algum das ditas terras, que ainda estejão dados em Sesmarias e pessoas particulares, porque na concessão destas se reserva sempre o prejuízo de terceiro, e muito mais se entende, e quero que se entenda ser reservado o prejuízo, e direito os Índios, primários e naturais senhores delas.
Posteriormente este reconhecimento foi limitado pela Carta Regia emitida em 2 de
dezembro de 1808, a qual estabelecia como terras devolutas aquelas que fossem
“conquistadas” dos índios, nas “Guerras Justas”; com isto se permitiu que a Coroa Portuguesa
outorgasse as terras a quem ela quisesse, já que ao ser terra devoluta esta seria de domínio
publico (ARAUJO, 2006, p. 25-27).
Além que a Constituição continuasse com o indigenato, se estabeleceu no artigo 231,
que as terras indígenas tradicionalmente ocupadas teriam que ser demarcadas pela União, isto
com o objetivo de não somente de efetivar o direto ao território, mas também como um
mecanismo de proteção ao meio ambiente.
A relação das comunidades indígenas com a natureza, permitiu que no Brasil a
demarcação de terras indígenas tivesse um elemento de preservação sobre os recursos
naturais, o qual representa uma vantagem mas também uma desvantagem para as
comunidades, assim como afirma Araujo (2006, pag. 55):
(...) o crescente protagonismo indígena vem impulsionar a sociedade na direção do resgate de algum erros do passado, permitindo também que se lance um novo olhar sobre as Terras Indígenas, reconhecendo a sua importância para a preservação dos recursos naturais e da biodiversidade um dos maiores patrimônios do pais. Imagens de satélite demostram que hoje, na Amazônia, as áreas de florestas mais preservadas estão dentro dos limites de Terras Indígenas, colocando os índios uma vez mais, para o bem ou para o mal, no centro das atenções. Por um lado, as Terras Indígenas tornam-se grandes alvos da pressão econômica que pretende a exploração da floresta
a qualquer preço. Por outro, entretanto, sabe-se que a relação harmoniosa que esses povos mantiveram com o seu ambiente ao longo dos tempos responde pela preservação das florestas e de seus recursos, o que tem levado grande parte dos que buscam soluções sustentáveis para o futuro do pais a estender o seus esforços às terras indígenas em promissórias parcerias com os povos que nelas habitam.
A demarcação de terra indígena é um procedimento administrativo, que compete à
União, isto se encontra regulado tanto na Constituição como no Estatuto do Índio, este tem
por objetivo garantir o direito indígena à terra, assim como estabelece o Instituto
Sociambiental (2016):
A demarcação de uma Terra Indígena tem por objetivo garantir o direito indígena à terra. Ela deve estabelecer a real extensão da posse indígena, assegurando a proteção dos limites demarcados e impedindo a ocupação por terceiros. Desde a aprovação do Estatuto do Índio, em 1973, esse reconhecimento formal passou a obedecer a um procedimento administrativo, previsto no artigo 19 daquela lei. Tal procedimento, que estipula as etapas do longo processo de demarcação, é regulado por decreto do Executivo e, no decorrer dos anos, sofreu seguidas modificações.