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A constituição histórica do ser humano

2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS: A EDUCAÇÃO DE JOVENS E

2.2 A teoria histórico-cultural – pressupostos teóricos metodológicos

2.2.1 A constituição histórica do ser humano

Vigotski explica o desenvolvimento da mente com base no materialismo histórico-dialético, concebendo o indivíduo como uma construção social. Nessa perspectiva, o ser humano se constitui como tal em sua relação com o outro social (VYGOTSKY, 1991).

Nas postulações de Vigotski, o desenvolvimento humano é o resultado de mudanças que ocorrem em quatro níveis históricos, que caracterizam o funcionamento psicológico do ser humano: filogênese, ou história da espécie humana; ontogênese, ou história do indivíduo humano; a sociogênese, ou história da cultural do homem e microgênese, ou especificidade de cada fenômeno psicológico de cada grupo cultural,

fazendo com que os determinismos biológico e cultural seja superados, possibilitando a compreensão da idiossincrasia dos seres humanos, dos grupos culturais (VYGOTSKY, 1991). Micro significa que há um foco definido de análise e gênese que essa análise deve ser histórica e levar em conta as transformações que ocorrem ao longo do tempo (GÓES, 2000).

Blank (1996, p. 43) aponta as asserções básicas da obra de Vigotski. Dentre elas, citam-se: a) atividade mental é o resultado da aprendizagem social, da interiorização de signos sociais e da interiorização da cultura e das relações sociais; b) as pesquisas realizadas por Vigotski buscaram conhecer como as pessoas, com a ajuda de instrumentos e símbolos, direcionam suas atenções, organizam a memorização consciente e regulam suas condutas; c) a essência do comportamento humano reside em sua mediação por instrumentos e símbolos; d) a linguagem é um dos instrumentos-chave para a organização do pensamento; e e) o conceito de interiorização possibilita a compreensão da determinação social. Este processo não consiste apenas na transferência de uma atividade externa para um plano interno; considera-se que ocorre uma mudança qualitativa em que as relações sociais transformam-se em funções psicológicas superiores (VYGOTSKY, 1934/1994).

Para Cole (1996, p. 87), o postulado fundamental na obra de Vigotski “é que as funções psicológicas humanas diferem dos processos psicológicos de outros animais porque são culturalmente mediadas, historicamente desenvolvidas e emergem da atividade prática.” Dessa forma, para Vigotski o desenvolvimento intelectual é consequência do processo de socialização em determinado contexto histórico (VYGOTSKY, 1991). Trata-se de um processo dialético e complexo, caracterizado por diferentes funções, a saber: “funções elementares”, de ordem biológica e vinculadas aos órgãos do corpo; “funções superiores”, ou seja, os modos de funcionar dos seres humanos, cujas ações são controladas, tais como: atenção voluntária, memória, lógica, pensamento abstrato e ação intencional.

As funções mentais superiores, que caracterizam o pensamento humano, desenvolvem-se a partir da inserção da criança no convívio social e cultural do seu meio. Ou seja, o ser humano constitui-se como tal em sua relação com o outro. A partir de sua interação com o mundo e de sua inserção na cultura, o indivíduo constrói processualmente sua estrutura conceitual, tornando-se, assim, capaz de interpretar o mundo objetivo. Nessa perspectiva teórica, cabe assinalar que com o processo de desenvolvimento das funções mentais superiores o indivíduo torna-se capaz de

representar simbolicamente. Desse modo, o funcionamento cognitivo não se constitui como um comportamento isolado do indivíduo sem história, e sim nas dimensões da vida social.

Segundo Vigotski, a aprendizagem quando bem organizada coloca em ação uma série de processos evolutivos internos capazes de operar quando o sujeito está em interação com o outro (VYGOTSKY, 1991). Então, o processo de desenvolvimento segue a aprendizagem e cria a “zona de desenvolvimento proximal”, assim definida pelo autor: é a distância entre o nível de desenvolvimento real do indivíduo, determinado a partir de sua independência na resolução de problemas, e o nível mais elevado, o desenvolvimento potencial, determinado a partir da resolução de problemas com a colaboração de um outro.

Explica Oliveira (1997):

A Zona de Desenvolvimento Proximal refere-se assim, ao caminho que o indivíduo vai percorrer para desenvolver funções que estão em processo de amadurecimento e que se tornarão funções consolidadas, estabelecidas no seu nível de desenvolvimento real. A Zona de Desenvolvimento Proximal é, pois, um domínio psicológico em constante transformação (OLIVEIRA, 1997, p. 60).

Para Prestes (2010), as traduções feitas do russo dos termos zona blijaichego razvitia para zona de desenvolvimento proximal não correspondem ao conceito elaborado por Vigotski. Para a autora, a tradução que mais se aproxima do termo é zona de desenvolvimento iminente:

[...] pois sua característica essencial e a das possibilidades de desenvolvimento, mais do que do imediatismo e da obrigatoriedade de ocorrência, pois se a criança não tiver a possibilidade de contar com a colaboração de outra pessoa em determinados períodos de sua vida, poderá não amadurecer certas funções intelectuais e, mesmo tendo essa pessoa, isso não garante, por si só, o seu amadurecimento (PRESTES, 2010, p. 168).

Prestes (2010) cita Vigotski19 e continua a sua argumentação dizendo:

Pesquisas permitiram aos pedólogos pensar que, no mínimo, deve-se verificar o duplo nível do desenvolvimento infantil, ou seja: primeiramente, o nível de desenvolvimento atual da criança, isto é, o que, hoje, já esta amadurecido e, em segundo lugar, a zona de seu desenvolvimento iminente, ou seja, os processos que, no curso do desenvolvimento das mesmas funções, ainda não estão amadurecidos, mas já se encontram a caminho, já começam a brotar;

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amanhã, trarão frutos; amanhã, passarão para o nível de desenvolvimento atual.

Pesquisas mostram que o nível de desenvolvimento da criança define-se, pelo menos, por essas duas grandezas e que o indicador da zona de desenvolvimento iminente e a diferença entre esta zona e o nível de desenvolvimento atual. Essa diferença revela-se num grau muito significativo em relação ao processo de desenvolvimento de crianças com retardo mental e ao de crianças normais. A zona de desenvolvimento iminente em cada uma delas e diferente. Crianças de diferentes idades possuem diferentes zonas de desenvolvimento. Assim, por exemplo, uma pesquisa mostrou que, numa criança de 5 anos, a zona de desenvolvimento iminente equivale a dois anos, ou seja, as funções, que na criança de 5 anos, encontram-se em fase embrionária, amadurecem aos 7 anos. Uma criança de 7 anos possui uma zona de desenvolvimento iminente inferior. Dessa forma, uma ou outra grandeza da zona de desenvolvimento iminente e própria de etapas diferentes do desenvolvimento da criança (PRESTES, 2010, p. 174).

Prestes afirma ainda que Vigotski “usa tanto a expressão ‘desenvolvimento atual quanto desenvolvimento real’ para referir-se ao nível de desenvolvimento efetivo da criança” (PRESTES, 2010, p. 174).

Para Vigotski, a aprendizagem e o desenvolvimento são processos distintos (VYGOTSKY, 1991). A aprendizagem se realiza em um contexto de interação, por intermédio da internalização de instrumentos e signos, possibilitando a apropriação do conhecimento.

Nessa perspectiva, Vigotski afirma que “o aprendizado adequadamente organizado resulta em um desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer” (VYGOTSKY, 1991, p. 101). Assim, o processo de aprendizado pode promover o desenvolvimento. Não há um determinismo de desenvolvimento, no entender de Vigotski.