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1.3. A FORMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA HISTÓRIA BRASILEIRA.

1.3.2. A Constituição Imperial de

Depois da criação das Escolas Jurídicas, ocorrida em 1827, uma em São Paulo e outra em Recife, outro fato que iria contribuir para consolidar a emancipação da cultura jurídica no Brasil, foi o desencadeamento do processo de elaboração de legislação própria tanto na área Pública como na Privada.

Inegavelmente, o primeiro grande documento normativo do período pós-independência foi a Constituição Imperial de 1824, imbuída de idéias e instituições marcadamente liberais, originadas da Revolução Francesa e de doutrinas do constitucionalismo francês, associadas principalmente ao publicista Benjamin Constant.

Tratava-se de uma Constituição outorgada, que institucionalizou uma monarquia parlamentar, impregnada por um individualismo econômico e um acentuado centralismo político. Naturalmente, essa Lei Maior afirmava-se idealmente mediante uma fachada liberal que ocultava a escravidão e excluía a maioria da população do país. A contradição entre o formalismo retórico do texto constitucional e a realidade social agrária não preocupava nem um pouco a elite dominante, que não se cansava de proclamar teoricamente os princípios constitucionais (direito à propriedade, à liberdade, à segurança), ignorando a distância entre o legal e o real da vida brasileira do século XIX, conforme dito por Wolkmer.30

Ocorre que a Constituição de 1824, além de restringir a participação popular à condição social de cada indivíduo, criou um quarto poder, o Moderador, que possuía a seguinte competência:

Art. 98 – O Poder Moderador é a chave de toda a organização política e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação e seu primeiro representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção de independência, equilíbrio e harmonia dos mais poderes políticos.

30 WOLKMER, Antonio Carlos. História do Direito no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1999,

Roberto Romano, filósofo, observa que a invenção desse ardil constitucional visava atenuar, ao máximo, a soberania popular além de produzir o mínimo de modificação na estrutura social. Com a desculpa de evitar ocorrência de “excessos” semelhantes aos cometidos pelos Jacobinos, na revolução francesa, o rei vigia o governo, o parlamento e o judiciário, e afirma; “A idéia mata, in nuce, o predomínio do povo soberano. É antidemocrática já na fonte” 31

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O Código Criminal de 1830, advindo das Câmaras do Império é de árdua realização. Tal estatuto era não só redigido segundo a melhor doutrina clássica penal, como também, se afinava com o espírito liberal da época. Representava um avanço, se comparado aos processos cruéis das Ordenações.

Porém, o formalismo oficial ocultava uma postura “autoritária e etnocêntrica” do legislador da primeira metade do século XIX, com relação a certos segmentos marginalizados e excluídos da cidadania. Tendo em conta essa realidade, assinala Carlos F. Marés32 que a análise do

Código Criminal “é muito reveladora, porque, por um lado mostra uma omissão em relação aos índios, não considera sequer sua ‘orfandade’. Já em relação aos escravos, omitidos totalmente na legislação civil, são tratados na lei criminal. É estranho, mas perfeitamente compreensível dentro do sistema: a lei penal – dedicada integralmente aos marginalizados sociais – não registra referência a mais marginal de todas as populações, os indígenas, porque ou estavam fora da sociedade, não lhes alcançando a ação penal o simples revide guerreiro, ou dentro da sociedade não se diferenciavam dos pobres marginalizados. Em relação aos escravos diz tão-somente que as penas de trabalhos forçados em galés e as de morte serão substituídas pela de açoites, para que o seu dono não sofresse prejuízo, isto é, a direção da norma é a proteção da propriedade do senhor, não a pessoa do apenado.

31 ROMANO, Roberto. Folha de São Paulo, 11/03/93.

32 MARES DE SOUZA FILHO, Carlos F. “ O Direito envergonhado ( O Direito e os índios no

Vê-se, portanto, que o poder judiciário era fraco e servil à elite agrária.

Ademais, determinados fatores contribuíram par dar singularidade à postura da magistratura no período que se sucede à Independência: o corporativismo elitista, a burocracia como poder de construção nacional e a corrupção como prática oficializada. (...) Esses profissionais formados na erudição e no tradicionalismo da Universidade de Coimbra assumiram, no Cotidiano da Colônia, procedimento pautado na superioridade e na preponderância magisterial. (...) distante da população, revelava tais agentes, mais do que fazer justiça eram preparados e treinados para servir os interesses da administração colonial. A arrogância profissional, o isolamento elitista e a própria acumulação de trabalho desses magistrados, aliados a lenta administração da justiça, pesada e comprometida colonialmente, motivaram as forças liberais para desencadear a luta por reformas institucionais, sobretudo para alguns, no âmbito do sistema de justiça. Daí resultaram o processo de constitucionalização (carta Imperial de 1824), a criação das faculdades de Direito (1827) e o primeiro código nacional de controle social (Código Penal de 1830).33

Por pressão da filosofia liberal registra-se a criação dos juízes de paz em 1827, e o estabelecimento do sistema participativo de jurados, é introduzido pela Carta Imperial de 1824 e consagrado pelo Código de Processo Criminal de 1832 alguns avanços políticos-jurídicos, como o sistema de júri popular e o de juízes locais leigos.

Anota Roberto Kant de Lima, citado por Thomas Flory34

, que além dos juízes de paz eleitos, constava do Código de Processo Criminal de 1832 a criação de juízes municipais e juízes de Direito nomeados e jurados, alistados anualmente por uma junta composta do juiz de paz, pároco e do presidente da Câmara Municipal, dentre os cidadãos que podiam ser eleitores.

33 WOLKMER, Antonio Carlos. História do Direito no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1999,

p.91.

34 FLORY, Thomas.El Juez de Paz y el Jurado en el Brasil Imperial. México: Fondo de

Este Código acabou com as devassas, transformou as querelas em queixas, tornando-se a denuncia o meio de ação do Ministério Público. A iniciativa do processo – ex officio – era mantida para todos os casos em que era cabível a denúncia.

A experiência imperial brasileira, sob o aspecto da formação do estado teve êxito. Impediu-se o desmembramento do território e deu-se inicio à construção de um ordenamento jurídico brasileiro.