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Ocorre que muitas destas leis que são violadas não poderiam ser, já que tratam da ordem jurídica, do regime democrático e dos

interesses sociais e individuais indisponíveis, objeto da destinação legal do Ministério Público.

Tem o Ministério Público atuação finalística, pois age em defesa de pessoas ou de grupos de pessoas (que se apresentam necessitadas ou intensamente inferiorizadas na vida social ou na relação processual) ou de toda a sociedade.

Pode-se observar que o Ministério Público possui um conjunto de atribuições que não são, simplesmente, o somatório de encargos, mas sim um conjunto harmonioso de atribuições conferidas a uma instituição que tem um fim a realizar no meio social, fim este que torna o Ministério Público brasileiro inconfundível e único no mundo inteiro, com muito bem salienta e demonstra um de seus maiores pensadores, Hugo Nigro Mazzilli.55

O Ministério Público não é mais um órgão do Estado destinado a intransigentemente defender a Coroa, ou a correspondente Fazenda Pública de hoje, nem, com maior razão, é hoje destinado à defesa dos governantes. Agora a Constituição deu liberdade e autonomia ao Ministério Público; a seus agentes deu independência funcional, inamobilidade e vitaliciedade, para que defendam intransigentemente os interesses da coletividade como um todo, para que zelem pelas liberdades públicas, para que defendam os direitos do cidadão até mesmo em face do Estado e dos governantes, ainda que para isto tenham que contrariar os interesses desses últimos.56

Alcança sua dimensão política por meio da propositura das ações civis e penais a seu cargo, usando o processo como instrumento político de participação da coletividade e, em especial das parcelas excluídas da sociedade.

55 MAZZILLI, Hugo Nigro. Visão crítica da formação e das funções do promotor. Formação Jurídica/ coordenação José Renato Nalini. – 2. ed. rev. e amlp. – São Paulo : Editora

Revista dos Tribunais, 1999, p. 67.

56 MAZZILLI, Hugo Nigro. Visão crítica da formação e das funções do promotor. Formação Jurídica/ coordenação José Renato Nalini. – 2. ed. rev. e amlp. – São Paulo : Editora

Mas, além de sua dimensão política, não negada, acreditamos possuir o Ministério Público brasileiro uma outra dimensão, a pedagógica.

A esta conclusão chegamos quando verificamos a imensa distância existente entre a destinação constitucional da instituição e o real e diário trabalho realizado por seus membros. Grande parte dos membros do Ministério Público ainda não acordou para o fato de que seu trabalho burocrático, de gabinete, embora de grande importância para o impulso da ação, para o equilíbrio do contraditório, não é o único. A nós parece que a ausência de cobrança ou de uma cobrança tímida de pequena parte da sociedade é um dos fatores responsáveis pelo comportamento da grande maioria dos membros do Ministério Público que, com seu comportamento, presta um desserviço à causa da cidadania que lhe compete defender. Diz Mazzilli:

Embora tenha ele um cargo, e relevante, aliás, o fundamental são suas funções e o modo pelo qual as exerce. Importa muito menos ser um cargo que desempenhar uma função. É muito mais relevante exercer o cargo e as funções como pessoa integrada no meio social em que vive, que fechar-se como se seu gabinete fosse um laboratório de peças exclusivamente técnicas, como se ele fosse desvinculado da sociedade onde vive. Afinal, ele trabalha para a sociedade e não apenas na sociedade.57

Como muito claramente diz Mazzilli, o fundamental não é o cargo e sim suas funções e o modo pelo qual são desempenhadas. Quanto às funções, encontram-se elas descritas na Constituição Federal, nas Constituições Estaduais e na legislação infraconstitucional e não constitui, seu estudo, objeto dessa pesquisa. Interessa-nos, sim, discutir o modo como

57 MAZZILLI, Hugo Nigro. Visão crítica da formação e das funções do promotor. Formação Jurídica/ coordenação José Renato Nalini. – 2. ed. rev. e amlp. – São Paulo : Editora

o Ministério Público se desobriga de suas funções. Qual sua prática? Em que ela pode contribuir para a construção da cidadania?

Citando ainda Mazzilli58

é imperioso que se diga: “que as garantias em si, não fazem uma instituição, se os homens que a compõe não as merece”.

Se se destinou ao Ministério Público a função de guardião do regime democrático e a defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, fez dele também co-responsável pela formação de cidadãos, já que é impossível a defesa daquele que sequer conhece os direitos que possui.

Se, é princípio do direito que “a ninguém é dado desconhecer a lei” e se cidadania é um conjunto de direitos e de deveres, é dever de todo cidadão reclamar a efetivação de seus direitos. Temos assim o binômio: direito do cidadão - dever de exigência do cidadão.

No caso dos direitos das crianças e dos adolescentes maior é a responsabilidade pedagógica do Ministério Público, já que os sujeitos destes direitos, devido a sua condição especial de pessoas em formação, dependem do agir de seus responsáveis para a exigência da efetivação de seus direitos.

Assim, se compete ao Ministério Público a defesa destes direitos de crianças e adolescentes, fica clara a necessidade de atuação junto à comunidade, através de uma ação pedagógica, para que a ignorância dos responsáveis, sua alienação, não seja a causa da não provocação59

do Ministério Público para a cobrança de direitos.

Assim, não se pode olvidar a dimensão pedagógica conferida ao Ministério Público com a nova ordem Constitucional, e que

58 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. São Paulo: Saraiva,

1993, p. 34.

59 PROVOCAÇÃO. Do latim provocatio, de provocare (mandar vir, chamar, desafiar, excitar,

fazer vir), geralmente entende-se toda ação ou fato, que tenha força ou possa ser causa ou motivo de alguma coisa. A provocação, assim, fará surgir ou resultar no fato novo ou em nova ação, de que foi o motivo ou a causa.(SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, Rio de Janeiro: Forense, 2000).

vinha sendo gestada pelo Ministério Público há pelo menos 20 anos. Muito antes da redemocratização do País já crescia, dentro da instituição, as futuras bases ideológicas que o transformariam, mais tarde, em “defensor da cidadania”.

Acreditando tratar-se de proposta exeqüível o desenvolvimento da função pedagógica do Ministério Público, utilizamos a presente pesquisa-ação para a realização de uma experiência concreta em três comunidades do Município de Ilhéus.