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A construção de cada aula-momento

No documento e formação docente (páginas 85-88)

3 Elementos para desenho do programa

3.4 A construção de cada aula-momento

Também para esse momento, o professor Garcez Ghirardi preparou uma série de perguntas-problemas a guiar os mestrandos para estruturar cada au-la-momento do curso. Foram elas: (i) qual o tema da aula, sua questão geral e como se articula com o tema geral do curso (aulas anteriores e posteriores)?; (ii) qual o problema da aula? Qual seu objetivo?; (iii) qual o enfoque da aula: teórico (saber), prático (fazer), teórico-prático (saber/fazer)?; (iv) qual a metodologia da aula? Isto inclui a) os modos de interação aluno-professor e aluno/alunos, b) os materiais a serem utilizados, c) as atividades a serem desenvolvidas pelos alunos (o que quero que eles façam e porquê; o tempo para cada atividade); e (v) qual o mecanismo de fechamento e/ou avaliação do que ocorreu em sala? (GHIRARDI, 2012c).

Segundo essas perguntas, em cada aula deve haver, em síntese: (i) tema, (ii) um problema, (iii) um enfoque (teórico ou prático), (iv) uma metodologia que pense na interação do aluno-professor, os materiais a serem utilizados e as atividades a serem desenvolvidas pelos alunos, e (v) o mecanismo de fechamen-to/avaliação de cada aula-momento.

O tema, como evidenciado, já estava definido, e as respectivas duplas ou trios que possuíam afinidades com eles. Para a primeira aula-momento que ti-nha como tema “as várias concepções sobre desenvolvimento”, o problema foi tornar palatável para os alunos o encaixe entre direito e as demais teorias eco-nômicas e institucionais, além de “abrir caminho” para as aulas seguintes. Para a segunda aula-momento, cujo tema foi “desenvolvimento econômico”, o proble-ma girava em torno de qual seria o modelo de Estado proble-mais adequado para esse tipo de desenvolvimento.

Já para a terceira aula-momento, cujo tema foi “desenvolvimento huma-no e social”, o problema gravitava em torhuma-no da pergunta “desenvolvimento eco-nômico para quê?”, cujo propósito era discutir o desenvolvimento ecoeco-nômico como um fim em si mesmo. Na quarta e última aula-momento, o problema foi o próprio tema da aula, saber quais transplantes institucionais deram ou não certo.

Quanto ao enfoque, a cada dupla ou trio cabia definir qual o enfoque de sua aula-momento, se partiria do abstrato para o concreto, ou do concreto para o abstrato, sendo o primeiro mais próximo do modelo de ensino mais tradicional e o segundo mais alternativo. Para escolher um caminho ou outro, tem-se que levar em consideração as características de cada modelo expostas no quadro abaixo:

Quadro 3 – O enfoque da aula

Do abstrato para o concreto Do concreto para o abstrato

Repertório conceitual prévio é condição para pensar

o mundo; Conhecimento prévio de mundo é base para a cons-trução do repertório conceitual; Aluno não dispõe desse repertório prévio; Aluno dispõe desse conhecimento prévio;

Exposição é o melhor método; Diálogo, problemas, são o melhor método; Dinâmica de aula: professor é o centro; Dinâmica de aula: aluno é o centro; Material: textos (doutrina, legislação, jurisprudência); Material: casos, problemas, jurisprudência; Avaliação: dissertação, questões conceituais; Avaliação: situações problema;

Habilidades: memorização, clareza. Habilidades: raciocínio, análise.

Fonte: Do Autor13

A escolha de começar pelo abstrato [teoria] ou concreto [prática], não elimina a possibilidade de um método participativo. Contudo, cada modelo de ensino vai produzir uma dinâmica diferente em aula, o que coloca sujeitos di-ferentes no centro dela – o professor, ou os alunos –, o que facilita ou não a utilização desse método. Nesse sentido, o modelo alternativo que coloca o aluno como centro da aula se aproxima mais do método participativo que tem como pressuposto o aluno como protagonista da construção do conhecimento.

O que se percebeu com a experiência de formular cada momento do curso foi que as duplas ou trios de mestrandos não necessariamente fizeram a escolha desse caminho de forma consciente. Maior parte pensara na técnica a ser utili-zada em virtude do objetivo planejado para aquele momento: se a prioridade era passar informações, considerando-se que os alunos não tinham repertório prévio conceitual sobre o assunto; ou se a prioridade era produzir uma reflexão, bem como que o repertório prévio do mundo seria o suficiente.

Após a formulação de cada momento pelas duplas ou trios, estas tiveram que apresentar para os demais mestrandos em aula, o que tinham planejado para esta aula-momento. Ao fazer isso, o professor Garcez Ghirardi que mediava o

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CAMPOS INOVADORES DO DIREITO POR ALUNOS DE PÓS-GRADUAÇÃO

trabalho foi anotando os momentos e as técnicas que atribuímos a eles. Assim, foi possível identificar e visibilizar quem era o centro da dinâmica da aula.

Quadro 4 – Centro da dinâmica de aula

Estrutura das aulas Técnica Dinâmica

Aula 1

- Retrospectiva histórica (criação e ideias implícitas de desenvolvimento); Exposição Professor - Apresentar conceitos chave, como reformas institucionais e path dependence; Exposição Professor Aula 2

- Conceitos de Estados: indutor, parceiro, que se abstém (casos ilustrativos,

não problematizar); Exposição Professor - “Debate aberto” sobre fraquezas e virtudes desses modelos; Debate (“role play”) (?) Aluno (?) Aula 3

- Problematização “desenvolvimento econômico para quê?”; Problema Aluno - A posição do Brasil em índices que avaliam o desenvolvimento e

con-ceitos de desenvolvimento humano (Amarthya Sem e Marta Nussbaum); Exposição e Caso de uma Política Aluno Aula 4

- Criticar os conceitos até então trabalhados, mostrando que não tem uma receita; Exposição Professor - Experimentalismo (ideias para o futuro, como arbitragem); Exposição Professor

Fonte: Garcez em aula.

A interrogação na proposta que seria um “debate” na aula 2 é, na verdade, o registro de uma observação feita pelo Garcez que diferenciava “ilustração” e “exemplo”. As ilustrações seriam uma espécie de “exemplos conceituais”, geral-mente utilizados quando se parte do abstrato para “demonstrar” as “virtudes e fraquezas de modelos”, por exemplo. Já os exemplos partem do concreto, de casos e não de teorias. Nesse sentido, eles servem para construir o conhecimento sobre algo, e não para expor um conhecimento prévio.

Visualizar esse quadro final foi importante não só para que os mestrandos identificassem, de forma consciente, a dinâmica que produziriam em cada aula, como também o que estavam a produzir como resultado final do curso. Nesse caso, o que estavam a reproduzir nesse curso: um modelo tradicional de ensino. Por maior que fosse, e que continue sendo, o desejo de romper com esse modelo tradicional, deixar de dar aulas exclusivamente expositivas e sair do centro da aula foi e continua a ser um desafio.

O fato é que acabou-se por reestruturar esse quadro e experimentar um caminho ou outro em cada instituição de ensino. Ainda assim, sentiu-se que era necessário passar alguns conceitos e com isso ter momentos expositivos,

seja pela necessidade desse repertório conceitual num campo de conhecimento relativamente novo para os brasileiros, seja por funcionar como momentos de “alívio mental” para os alunos – em especial na aula da Universidade São Judas (2013) que durará 4 horas.

E já que alguns estavam muito mais próximos do modelo tradicional, foi necessário tentar desconstruir a dinâmica de aula em que o professor é o deten-tor do saber e a dinâmica de aula é verticalizada. Mas, “como se fazer respeitado então?”, foi a preocupação de um dos mestrandos.

“Um pacto!”, essa foi a resposta do Garcez Ghirardi. Para o professor “tempo é poder, quem tem a palavra tem poder” e isso determina quem é sujeito e quem é objeto nessa relação. Você tem que buscar situar sua autoridade num pacto, sendo importante pensar no protagonismo do aluno. “Quanto tempo de trocas verticais e horizontais? Geralmente a gente se acha mais interessante fa-lando, do que realmente somos” (Aula em 18 de outubro de 2012).

Quanto à utilização de materiais para as aulas-momentos, todas as du-plas e trios selecionaram slides como material – o que não necessariamente os colocava no centro dessa relação – em que os slides podem servir apenas como roteiro, para exibir vídeos, ou mesmo chamar atenção para algum ponto. Mas, não só isso. Uma das duplas também optou por distribuir pequenos textos para provocar debates em aula, e outra por usar textos preparatórios para que pudes-sem trabalhar com conceitos em aula.

Restava ainda um ponto crucial a ser resolvido: “Como avaliar a partici-pação?”. Mas, este foi tema de duas aulas específicas e assunto a ser tratado no próximo tópico.

No documento e formação docente (páginas 85-88)