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Para analisar o processo de formação de educadoras/es ambientais realizado pelo COEDUCA, houve a necessidade de criar parâmetros de análise de Comunidades Aprendentes (CAs), os Indicadores de CAs. Estes indicadores foram construídos pautados nos conceitos que permeiam as experiências das CAs e que constam nos documentos oficiais, como o ProFEA, e o livro Encontros e Caminhos: pertencimento (SÁ, 2005), participação (JACOBI, 2005), potência de agir (SANTOS; COSTA-PINTO, 2005), alteridade (MAKIUCHI, 2005) e liderança democrática (BRASIL, 2005).

Cabe salientar que estes conceitos pautaram a construção do Projeto Político Pedagógico (PPP) do COEDUCA e, por isto, o olhar mais focado nos mesmos.

Sá (2005), ao conceituar o que é pertencimento, nos mostra que

o princípio do pertencimento traz em seu bojo a questão da subjetividade como uma dimensão intrínseca do conhecimento vivo e humano, e que integrá-la é condição de acesso à objetividade, isto é, à possibilidade de um conhecimento que se sabe pertencente e se quer compatível com a complexidade do vivido (SÁ, 2005, p. 253).

Para um processo que tem como pressuposto a atuação na coletividade, o sentido de pertencimento do indivíduo ao grupo é fundante, pois se o mesmo pretende atuar na mudança da sociedade do qual faz parte e contribuir de forma significativa ao processo, estar presente, no sentido de pertencer, é crucial.

Segundo aquela mesma autora, pertencer é sentir-se parte do grupo sem perder a sua identidade, comunicar-se na base da afetividade, contribuir, ouvir e ser ouvido. Para trilhar o caminho de práticas pedagógicas que possibilitem o aflorar do sentido de pertencimento é importante que, segundo ela, haja a reflexão sobre a sua prática, enquanto indivíduo do grupo, constantemente; que as convivências com as relações de antagonismo aconteçam no sentido de complementariedade; que se perceba a relatividade, a diversidade, os limites e os potenciais; o cuidado com as relações com o outro e com o meio e a solidariedade no lugar das imposições de poder e a capacidade de auto-organização das pessoas e dos grupos para lidar com as mudanças (incertezas e riscos).

Esse sentimento de pertencimento é um importante elemento nos processos de formação de educadoras/es ambientais, pois o mesmo potencializa os indivíduos e o grupo em processos de participação.

Segundo Jacobi (2005, p. 232), “a participação deve ser entendida como um processo continuado de democratização da vida dos cidadãos” sendo um eixo estruturante das práticas de Educação Ambiental, “essencial para a transformação das relações entre sociedade e ambiente”(p. 233).

Neste sentido, para o autor, os processos participativos devem ser espaços onde se fortaleçam as relações de interdependência e enraizamento; que se enfatize a co-responsabilidade das/os cidadãs/ãos; onde práticas cooperativas, pela concepção horizontal, reforcem o pertencimento, a reciprocidade, a confiança no outro e a atuação em redes de sociabilidade; um espaço onde as/os participantes apontem as suas prioridades e desejos de aprendizagem; que se mantenham canais de comunicação democráticos; de compromisso com os atores envolvidos ampliando os processos de aprendizagens sociais, individuais e institucionais. Nesses espaços "as ações e atividades devem mobilizar o sentimento de pertencimento e estimular as comunidades a caminhar, por meio do exercício ativo de cidadania, rumo à sua autonomia e emancipação" (Op. cit, p. 235).

Esse estimular as comunidades rumo a autonomia e emancipação, acontecem pela nossa capacidade, nossa potência de agir.

Segundo Santos e Costa-Pinto (2005, p. 297), a nossa potência de ação (PA) está relacionada "à nossa capacidade de agir no mundo e de transformar a realidade em que vivemos na direção do que desejamos".

Segundo as mesmas autoras, existem duas dimensões da PA, uma individual (auto-conhecimento) e uma coletiva (composição do sujeito, abertura para o aprendizado a partir do outro).

Considerando os processos coletivos, a

associação de humanos (...) potencializa o seu direito natural de existir (...) e é na busca de liberdade e felicidade que, com base na experiência e na reflexão, viabilizamos diferentes formas de organização da vida coletiva (Op. cit., p. 298).

Segundo Costa-Pinto (2003) apud Santos e Costa-Pinto (2005), para Espinosa o coletivo possui uma potência de agir muito maior considerando-se as potências individuais.

Neste sentido,

a incorporação do conceito de potência de ação às práticas educativas em Educação Ambiental visa o fortalecimento dos sujeitos (individuais e coletivos), o que implica que estas sejam baseadas em princípios democráticos e nos desejos e conhecimentos daqueles que a integram; exige que educandos e educadores compartilhem suas experiências e se apropriem do processo de transformação que se deseja realizar internalizando suas causas, uma vez que tal processo dever ser construído e implementado coletivamente. (Op. cit, p. 299)

Portanto, estes espaços que buscam a potência de agir, segundo as autoras, deve estimular o que Espinosa chama de bons encontros, onde há compartilhamento de experiências, transformação do que se deseja, a revisão de conceitos e pré-conceitos, mudanças de postura; pautados por uma prática pedagógica não impositiva e construída de forma participativa, reconhecendo os saberes das/os participantes num espaço de comunicação baseado na confiança dos sujeitos permitindo que os mesmos expressem seus desejos e sentimentos e, assim, possam construir projetos pela reflexão, pelo esforço e adesão voluntária e responsável das/os envolvidas/os (capacidade de planejar, construir e implementar projetos comuns).

Estar em espaços promotores de bons encontros, é estar em locais onde nos sentimos acolhidos, portanto "este ambiente que nos acolhe, também é alteridade" (MAKIUCHI, 2005, p. 30). Para Makiuchi (2005, p. 29), "somos o que somos porque o outro existe e sua existência nos afirma".

Portanto, a partir do que a autora nos traz como subsídios para a construção de espaços permeados pela alteridade, pode-se dizer que os mesmos devem trabalhar com o princípio da precaução (impossibilidade de saber tudo e da possibilidade de ser surpreendido pelo outro), ter o diálogo como premissa, estimular os vínculos de confiança e responsabilidade que se estabelecem entre seus membros, promover encontros como promotores de mudança, elaborar de discursos e saberes a partir das realidades ofertadas no encontro, ser um espaço de coexistência na diversidade e a mediação positiva de conflitos e formação de estruturas organizacionais des-hierarquizadas no processo de ensino-aprendizagem e nas ações de gestão socioambiental.

Nesse processo de constituir grupos permeados pelo pertencimento, participação, potência de agir e alteridade é importante que o processo de constituição das lideranças desses grupos seja pela democracia.

Segundo o ProFEA (2005), as lideranças democráticas atuam com as/os outras/os e não para as/os outras/os, numa perspectiva passageira já que todos têm o direito e devem participar das definições, possibilitando que os diferentes processos transformadores de realidade "sejam orientados pelos diferentes atores e grupos sociais, sem hierarquias nas relações educadora/educador- educanda/educando" (BRASIL, 2005, p. 13).

A partir dos conceitos acima apresentados e que permeiam o processo de constituição de Comunidades Aprendentes, a pesquisadora elaborou 14 indicadores de CAs para analisar o processo de formação de educadoras/es ambientais, pautado pela constituição de grupos (Coletivos Locais de Ação Socioeducativa), realizado pelo COEDUCA. Os indicadores são:

1. alternância de lideranças: identificação do potencial de cada participantes e estímulo a sua participação como protagonista de processo em determinados momentos e a capacidade em ceder espaço para que outras/os assumam a liderança;

2. espaço solidário (busca pela não imposições de relações de poder); 3. sentir-se acolhido como parte do grupo sem, para isto, perder a sua identidade;

4. estar em um grupo onde o diálogo permeia o processo; 5. comunicação na base da afetividade (ser afetado pelo outro); 6. ser contribuinte no processo de ação socioeducativa;

7. espaço de convivência com as relações de antagonismo; coexistência na diversidade e mediação positiva de conflitos;

8. auto-organização do grupo e das pessoas para lidar com as mudanças (incertezas e riscos);

9. práticas pedagógicas não impositivas e construídas coletivamente, pelo esforço, adesão e responsabilidade dos envolvidos;

10. reconhecimento do saber do outro;

11. encontros que estimulem a confiança no outro de forma a se constituir em um espaço onde se possa expor os seus sentimentos e o seus desejos;

12. espaço de encontros promotores de mudanças;

13. elaboração de discursos e saberes a partir da realidade dos encontros; 14. formação de estruturas organizacionais des-hierarquizadas no processo ensino-aprendizagem e nas ações de gestão socioambiental.

Com base nestes indicadores, foi elaborado o questionário aplicado junto as/os participantes do curso do COEDUCA (2007-2009), as PAPs3 (Pessoas que Aprendem Participando).

Ao sistematizar as respostas dos questionários e iniciar a análise dos mesmos pelos indicadores, percebeu-se que estes indicadores desvelam dimensões de análise de CAs. Com isto, foram construídas as dimensões de análise de comunidades aprendentes, que serão enunciadas a seguir.

Numa primeira tentativa de construção das dimensões de CA, a partir da análise de cada indicador e a compreensão de que dimensão de um processo formador o mesmo deflagrava, chegou-se a quatro que são:

• Dimensão Educadora; • Dimensão Dialógica; • Dimensão Política; e

• Dimensão Auto-gestionária

Uma análise mais aprofundada destas dimensões, a partir do referencial teórico dessa dissertação, possibilitou reorganizar as mesmas pelas suas complementariedades.

Neste sentido, foi importante para o processo de construção das dimensões, apreender que a Comunidade Aprendente, enquanto uma comunidade, nos permite propor um espaço que seja de indivíduos interdependentes (BAUMAN, 2003), de se sentirem participantes de um espaço-tempo (TÖNNIES, 1995), de viver em si-mesmo e no outro (BUBER, 1987), um espaço de decisão política e de relações de poder (FOUCAULT, 1985), onde buscam uma vivência comum (BUBER, 1987) pela constituição não de um grupo mas de uma comunidade (HELLER, 2008). E que enquanto aprendente, esta comunidade seja um local permeado por experiências que nos tocam (LARROSA, 2002), um espaço de memória, de sujeitos históricos capazes de reconstruir a sua história através da afetividade, um lugar de compreensão da complexidade humana (MORIN, 2003), um espaço centrado nas experiência respeitosas de liberdade (FREIRE, 2007), promotor da autonomia de suas/seus participantes e potencializador do indivíduo coletivo e da coletividade, onde o diálogo permeia todo o processo chegando a capacidade de auto-análise e auto-gestão (BAREMBLITT, 2002).

• Dimensão educadora/dialógica • Dimensão política/auto-gestionária

Entende-se por dimensão educadora/dialógica, o conjunto de aspectos onde os Coletivos Locais de Ação Socioeducativa (CLs), enquanto uma Comunidade Aprendente (CAs), proporcionaram o fortalecimento do potencial de cada uma/um estimulando-a/o a contribuir e a protagonizar processos de ação socioeducativa em determinados momentos, assim como a capacidade em ceder espaço para que outras/os assumissem a liderança do processo (liderança democrática). As práticas pedagógicas, construídas pelos CLs, foram planejadas de forma não impositivas e, sim, construídas coletivamente pelo esforço, adesão e responsabilidade dos envolvidos com avaliação constante. Nesta dimensão, considera-se ainda que os CLs são um espaço de busca pela não imposição de relações de poder; o sentir-se acolhida/o como parte do grupo sem, para isto, perder a sua identidade; estar em um grupo onde o diálogo permeia o processo e a comunicação acontece na base da afetividade (ser afetado pelo outro); a constituição de um espaço de convivência com as relações de antagonismo, a coexistência na diversidade e a mediação positiva de conflitos; o reconhecimento do saber do outro; a elaboração de discursos e saberes a partir da realidade dos encontros, sendo estes estimuladores da confiança no outro de forma a se constituir em um espaço onde se possa expor os seus sentimentos e os seus desejos.

A dimensão política/auto-gestionária nos permite compreender que os CLs são espaços de encontros promotores de mudanças e de articulação com diferentes atores na busca pelo bem-comum; onde a capacidade de auto- organização do grupo e das pessoas para lidar com as mudanças (incertezas e riscos) e a formação de estruturas organizacionais horizontais no processo ensino- aprendizagem e nas ações de gestão socioambiental são processos de busca constante e de amadurecimento ou transformação das relações existentes.

É importante ressaltar que as dimensões aqui enunciadas foram construídas à partir do afunilamento conceitual e da análise das respostas dos questionários. Estes dois processos analíticos levaram às duas dimensões que possibilitaram a análise final dos dados de campo à luz das mesmas.