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1. TRANSPARÊNCIA, CUSTOS E EFICIÊNCIA

1.3. Relação simbiótica da constituição do crédito tributário

1.3.1. Construção do fato tributável

Neste ponto, questiona-se qual é a função do Direito e como se processa o raciocínio jurídico. Segundo Karl Engisch, basicamente, a função do Direito para a vida de qualquer pessoa é que ele nos diga como se deve ou não agir (2001, p. 76).

26 Anexos 1 a 10.

Ou seja, o dever-ser dependerá intimamente de como é visto o direito pelo seu destinatário, sendo ele contribuinte, agente fiscal ou julgador.

Pode-se afirmar que, na prática jurídico-tributária, a noção de legalidade é dependente de significados ou entendimentos práticos do sujeito passivo (contribuinte ou responsável tributário). E por esse motivo, a lei é apenas um dos vários elementos que concorrem para formação do pensamento do dever-ser no caso concreto (ENGISCH, 2001, p. 79).

Entretanto, a lei, como veículo introdutor de normas28, tem a função de

fornecer ao seu destinatário a informação do dever-ser pré-pronto, reduzindo incertezas. Logo, será a lei o instrumento de medida e construção da igualdade de tratamento entre os administrados.

Não é demasiado afirmar que a transparência da Administração Pública acaba por se tornar um ponto necessário para realização de igualdade de tratamento. A lei busca padronizar condutas. Quando, no processo prático de subsunção e obtenção da norma concreta, a norma abstrata é opaca, possibilita a desigualdade de tratamento. A realidade é fornecedora de elementos e questões novas, por sua vez, gerando normas novas, mesmo sob o aspecto de subsunção da mesma norma abstrata. Para cada elemento novo da premissa menor, a norma geral e abstrata deverá ter previsto tal alteração (ENGISCH, 2001, p. 96-98).

Os entendimentos da Fazenda Pública, na interpretação da legislação tributária em face dos casos concretos, têm como função a qualificação de conceitos e elementos não totalmente qualificados pelo texto legal. Dessa forma, quando qualificados, os conceitos e os elementos legais acabam por gerar novas premissas, o que também serve para a exclusão da norma tributária in concreto, o equivalente à absolvição do réu em direito penal. A exclusão da norma tributária in concreto não é equivalente a declarar que houve uma nova norma ou que o fato não teria ocorrido, mas que o fato ocorrido não seria capaz de desencadear a consequência jurídica (ENGISCH, 2001, p. 100-101). Ou seja, como quando ocorre proliferação de casos

28 Nesse ponto, adota-se que a “lei” como texto oriundo das autoridades legiferantes como suporte

físico referente a objetos do mundo (significado) e de onde se extraí o conceito ou juízo (significação), em que pode se obter o conteúdo de norma, como já ensinado por Paulo de Barros Carvalho (BARROS DE CARVALHO, 2000, p. 8-10).

decididos pelos tribunais, de acordo com a divulgação dos entendimentos da Administração Tributária, crescem as possibilidades de comparação, aumentando a segurança e a controlabilidade com as quais se pode entender qual decisão deve ser tomada pelos aplicadores e onde estariam os espaços livres, onde ainda reside a insegurança (LARENZ, 1997, p. 411).

Dos textos de Alberto Xavier, chega-se a concluir que o dever de transparência da Administração Pública seria o fornecimento da interpretação da autoridade fiscal sobre atos e normas jurídico-tributárias, assumindo a função de peças básicas da construção da liberdade do indivíduo (XAVIER, 2002, p. 33), fundada na concretização do direito em seu dia a dia. No direito tributário, opera-se mediante a tipicidade fechada, como trata Alberto Xavier com base em Karl Larenz (normas tipo), e teria como seu pressuposto normas em que suas hipóteses são compostas de descrição (XAVIER, 2002, p. 19). Entretanto, ao contrário de outras áreas de concentração, normas componentes do Direito Tributário, em geral, têm como objeto outras relações jurídicas. O fato que sofre a subsunção normativa tributária não é propriamente um evento, mas outra norma individual e concreta oriunda da subsunção de uma norma qualquer sobre um fato da vida (XAVIER, 2002, p. 35-37).

Mas o que se pretende afirmar com isso? Observa-se que as normas de direito tributário têm suas hipóteses de incidência abstratas compostas de eventos econômicos, os quais também estão presentes em outras relações jurídicas e que tem aqueles como objetos de seus efeitos próprios. Como colocado por Geraldo Ataliba, trata-se de normas de sobreposição, pois as normas tributárias incidem sobre outros fatos que outras normas regulam, especialmente as relações privadas (ATALIBA, 2001, p. 73). Por exemplo, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (art. 155, II, da CF/1988), em sua norma abstrata, tem como hipótese de incidência o termo econômico de circulação, que pressupõe movimentação e tradição de mercadoria, que por sua vez é bem ofertado por mercador (comerciante profissional, conforme interpretação consolidada pelo Supremo Tribunal Federal), ou juridicamente previsto como relação jurídica de compra e venda de bem móvel em que, no mínimo, tenha um vendedor ou comprador profissional. Com base no exemplo, não há incidência do ICMS sobre um contrato de compra e venda de um

veículo realizado por duas pessoas que não são comerciantes (profissionais/habituais), justamente porque se retira a qualificação dos sujeitos de direito da relação como comerciantes e, por sua vez, a qualificação de mercadoria do bem objeto da relação jurídica. O negócio jurídico em questão não estaria previsto na hipótese abstrata da norma tributária, logo a qualificação do objeto da relação jurídica excluiu a incidência daquela.

A interpretação do fato previsto na norma tributária deve ter um tratamento interpretativo de um negócio jurídico ou de declarações jurídico-negociais, pois, enquanto a aplicação da norma tributária é constituidora de um ato jurídico em sentido estrito (ato administrativo vinculado – art. 142, do CTN), a subsunção ocorre geralmente sobre outra relação jurídica em que o Estado não participa, consubstanciada em um negócio jurídico. Ao verificar a subsunção da norma tributária, cabe ao Fisco analisar efetivamente a vontade das partes que causaram a subsunção das normas de relacionamento privado. Conforme Larenz, isso ocorre porque essas normas de relação privada não tratam apenas de situações de fato em que a lei determina as consequências jurídicas (LARENZ, 1998, p. 409), mas indicam o seu próprio conteúdo suplantador da própria legislação, e que pode não ser afetado pela hipótese da norma tributária29.

Contudo, o problema ainda reside no esclarecimento pela Administração Tributária de como ela interpreta os elementos constituintes do fato gerador (ou hipótese de incidência), os quais possam ser considerados para a constituição do crédito tributário quando estes não são de conteúdo qualificado. As normas tributárias alimentam-se, conceitualmente, de instituições ou conceitos privados, ou melhor, de fatos econômicos, os quais recebem atenção especial por parte tanto do texto constitucional quanto infraconstitucional. A atenção é representada pela vedação expressa ao legislador tributário para alterar, via legislativa (ou infralegal), os conteúdos e os alcances dos conceitos de institutos privados para fins de

29 A gravidade da natureza de sobreposição das normas de direito tributária é flagrante no disposto

art. 116, do CTN: Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador

e existentes os seus efeitos: I - tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios; II - tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável. Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária. (Incluído pela LC nº 104, de 2001)

aumento de arrecadação (arts. 109 e 110 do CTN). Exemplo: a qualificação dos termos de origem econômica circulação e mercadoria definem toda uma hipótese de incidência, com base quase exclusiva daquele ramo do conhecimento. Por isso, o desvirtuamento do conteúdo econômico do fato tributável pode gerar uma falha à aplicação da norma tributária.