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Parte II: O Debate sobre o Efeito V2 na História do Português

3.4 Descrição dos Dados

3.4.4 Panorama das Construções V3

3.4.4.2 Construções V3 nos Séculos 18 e 19

Para a amostra de dados dos séculos 18 e 19, observamos que as sequências V3 passam a ser mais frequentes na forma de estruturas com sujeito pré-verbal, seja em orações encaixadas, onde de fato já tínhamos essa dinâmica, seja em orações principais, onde se instaura esse novo padrão. Inicialmente, apresentamos os casos de ordem linear SXV, com exemplos de orações principais em (51) e exemplos de orações encaixadas em (52). (51) a. [Estes corações] [nas companhias públicas] estão como se estivessem sós;

(Cavaleiro, 05.88)

b. [A sua origem e o seu curso] [jamais] cessam, conservando sempre a graça da novidade. (Cavaleiro, 07.125)

c. [A vaidade] [por ser causa de alguns males], não deixa de ser princípio de alguns bens: (Aires, 14.152)

d. [A vaidade] [logo] traz consigo o desembaraço, (Aires, 21.324)

e. [As suas filhas], [se fossem felizes], saberiam muito menos, (Marquesa, 54.772)

f. [Dona Maria Antónia e Dona Bernarda Campos], [mostrando-se muito minhas amigas e muito minhas interessadas], quiseram saber logo (Marquesa, 60.820)

g. e [outros], [educados entre religiosos], seguiram depois a carreira das armas. (Marquês, 11.119)

h. [A Marquesa de Vianna] [já] faleceu. (Marquês, 18.218)

i. [O Joaquim] [também] me escreve uma carta enorme (Ortigão, 49.73) j. E [Sarah Bernhardt], [num retrato dela que me deu] pôs esta dedicatória,

(Ortigão, 71.353)

(52) a. digo-lhe que [o caso] [para mim] tem pouco de extraordinário. (Cavaleiro, 09.157)

b. É verdade que [o amor ilícito], [necessitando nas suas acções de máscara e de disfarce], necessita ao mesmo tempo de saber a língua do país,

(Caveleiro, 09.160)

d. com a diferença de que [esta nossa terra, ou esta terra do homem], [naturalmente] produz esperança, (Aires, 78.1723)

e. persuadia que [o Santo] [nela] saberia pouco mais de nada; (Marquesa, 07.54)

f. Não imagine Vossa Excelência que [eu], [fixa no que Vossa Excelência me diz a mim], me não ocupe de outra cousa. (Marquesa, 12.125)

g. acredito que [Sua Alteza], [apesar de ter em Mafra cem frades arrabidos à sua disposição], se tinha lisongeado com a idéia (Marquês, 09.94)

h. constar-lhe que [Sua Majestade] [dentro em pouco] lhe mandaria licença para voltar à pátria. (Marquês, 113.1783)

i. é sorte minha que [ninguém] [em família] se importa com o que eu aconselho. (Ortigão, 129.1021)

j. imaginando que [eu] [já] teria partido de Paris. (Ortigão, 132.1066)

Sequências SXV correspondem à ordem de palavras mais utilizada no âmbito das estruturas V3 a partir do século 18, nos dois contextos sintáticos que investigamos. Nas matrizes, considerando o total de orações com dois sintagmas precedendo o verbo finito, o índice de uso da ordem SXV é de 36,50% no século 18 e de 46,04% no século 19. Nas dependentes, registramos o valor de 54,20% no século 18 e de 50,91% no século 19.

Como segunda ordem de palavras V3 mais utilizada a partir do século 18, temos as sequências XSV. Exemplos dessa sequência linear são apresentados em (53) e (54), relativos a orações raízes e encaixadas, respectivamente.

(53) a. [À sua curiosidade] [nada] escapa, (Cavaleiro, 04.48)

b. [Quando a extravagância dos sentidos domina], [o amor] fenece, (Cavaleiro, 04.64)

c. [finalmente] [outros] hão-de reparar, (Aires, 07.61)

d. e [conhecendo todos a vaidade alheia], [nenhum] conhece a sua: (Aires, 13.131)

e. [Das filhas do Conde de Óbidos] [a mais velha] é sumamente estimável. (Marquesa, 06.33)

f. [Depois das provas que Vossa Excelência tem sofrido], [eu] obraria de acôrdo com os seus verdugos, (Marquesa, 45.589)

g. e, [embora os amos quisessem], [os bolieiros] não obedeciam: (Marquês, 07.57)

h. [À sua entrada] [todos] se levantavam. (Marquês, 45.650)

i. [Enquanto se esperava pelo almoço] [eu] saí com um cão, (Ortigão, 46.18) j. [Além disso] [Sarah] deixa Paris amanhã. (Ortigão, 70.331)

(54) a. Não sabeis (. . . ) que, [sendo semelhante à visão dos espíritos], [todo o mundo] fala dele, (Cavaleiro, 01.3)

b. Vossa Mercê sabe que [na minha terra] [nem uma nem outra coisa] é peixe podre. (Cavaleiro, 16,280)

c. é certo que [então] [o aplauso] não procede de justiça, (Aires, 09.84) d. sempre nos inspira que [aos ousados] [a fortuna] favorece. (Aires, 49.952)

e. e disse a Sua Majestade, que, [vistos os dissabores que o Conde de

Oyenhausen tinha experimentado na província], [eu] não podia deixar de lembrar-lhe (Marquesa, 59.811)

f. segurei-lhe que, [para provar a Sua majestade que a tinham enganado], [eu] respondia pela aceitação do Conde, (Marquesa, 63.855)

g. e receavam que, [rejeitando o nosso Governo as suas pretensões, [os

exércitos de Napoleão, que tinham ocupado e mesmo conquistado uma parte da Europa], invadissem Portugal (Marquês, 25.357)

h. declarou que, [sem ordem positiva de El-Rei], [os seus pupilos] não saíam do país. (Marquês, 62.942)

i. Disse-me (. . . ) que [nunca] [condecoração conferida a um português] caiu tão bem (Ortigão, 92.684)

j. O que é consolador é que [afinal] [essa justiça] chega. (Ortigão, 171.1712) Para a ordem XSV, no âmbito de orações matrizes V3, obtivemos os índices de 35,88% e de 29,21% nos séculos 18 e 19, respectivamente. No universo de sentenças dependentes V3 que analisamos, essa sequência linear representa 28,24% dos dados no século 18 e 36,36% no século 19.

Sentenças V3 com um sujeito nulo também são atestadas nesse período. A se- guir, apresentamos exemplos da ordem XXV em orações matrizes (cf. (55)) e orações encaixadas (cf. (56)).

(55) a. [Finalmente], [descendo a sua locução a certos termos que me foram mais inteligíveis], disse que os pés da princesa de Valáquia não pareciam pés de Viena. (Cavaleiro, 25.428)

b. [Desta forma] [confessando que há paixões, tão arreigadas em alguns homens, que são irremediáveis], mostram que há outras (Cavaleiro, 37.631)

c. e [enquanto não chega a feliz hora de vermos na mão de Vossa Majestade o Ceptro universal], [já] vemos que Vossa Majestade é digno dele; (Aires, 05.44)

d. [antes] [ nas disposições de uma pompa fúnebre], dá ao nosso cuidado uma aplicação, (Aires, 12.108)

e. [Uma irmã chamada Clara, que é mais velha], [também] dizem que os faz, (Marquesa, 06.36)

f. mas, [apesar disso], [sempre] faz grande serviço aos curiosos. (Marquesa, 15.170)

g. e [aí], [depois de grandes promessas, presentes de bonitos e muito doce], conseguiram despir-me o fato de viagem, (Marquês, 08.74)

h. e [por isso], [cuidando nos nossos arranjos de fortuna], ocupou-se depois da nossa educação literária. (Marquês, 12.134)

i. [Enfim] [cá] estamos esperando. (Ortigão, 58.163)

j. [Ontem], [por exemplo], fui de tarde ao Retiro em carruagem descoberta (Ortigão, 92.675)

(56) a. pode ser que [daqui a oito dias] [ainda] saiba dizer menos nesta matéria. (Cavaleiro, 08.141)

b. prova de que, [sendo velho ou sendo menino], [também] fui homem. (Cavaleiro, 58.880)

c. basta saber que, [contra a esperança de todos], [à força de método], vou fazendo viver uma mulher em estado perigosíssimo. (Marquesa, 13.144) d. Respondeu que [no conselho] [já] não podia dizer mais do que tinha dito,

(Marquesa, 66.884)

f. Compreendo que [em poucos anos] [(se chegasse a vivê-los)] não poderia cá voltar (Ortigão, 156.1517)

Em relação às orações raízes V3, a ordem de palavras XXV corresponde a 19,88% no século 18 e a 18,46% no século 19. No que diz respeito às orações encaixadas V3, a ordem XXV representa 7,63% dos dados no século 18 e 9,09% no século 19.

Para as estruturas V3 com posposição do sujeito, primeiro destacamos os casos de ordem XXVS(X), com exemplos de orações matrizes em (57) e exemplos de orações encaixadas em (58).

(57) a. [Se Vossa Mercê se encerra na sepultura], [então] poderá o contrário, fàcilmente e com toda a segurança, murmurar do seu valor. (Cavaleiro, 105.1460)

b. e [este] [se tira], fica o remédio sem virtude. (Aires, 118.2770)

c. [se o não fosse], [apenas] teria a terra liberdade para fazer nascer, (Aires, 171.39.22)

d. E, [a dizer a verdade], [mais] temia eu a impertinência da contenda (Marquesa, 71.942)

e. [No dia seguinte], [ao almoço], eram estas notícias o assunto da discussão entre minhas tias e o Abade, (Marquês, 57.857)

f. [Em geral], [quando um país luta para sustentar a sua nacionalidade], é ele natural (Marquês, 73.1116)

g. [Ontem] [com uma noite frigidíssima] estiveram as ruas cheias de povo (Ortigão, 81.467)

(58) a. Tenho assentado em que [nesta matéria de favores] [tanto] enfastia muita facilidade, como desgosta a grande dificuldade. (Cavaleiro, 119.1649) b. persuadem, que [se há uma arte de reinar], [essa] não podem os Monarcas

aprender, (Aires, 04.24)

c. Muitos escreveram (. . . ) que [indo depois Menelau ao Egipto], [lá] lhe entregara Proteu a Helena, (Aires, 165.3821)

Para a ordem de palavras XXVS(X), os índices de frequência obtidos em sentenças matrizes e encaixadas se mostraram bem semelhantes. No século 18, tendo em conta o

universo total de sentenças raízes V3, a ordem de palavras XXVS(X) representa 5,54% dos dados, ao passo que, no universo total de sentenças encaixadas V3, obtivemos o índice de 5,34%. No século 19, há um ligeiro decréscimo, já que registramos a frequência de 4,87% em orações matrizes e de 3,64% em orações dependentes.

Finalmente, mostramos a última ordem de palavras V3, a saber, as sentenças com inversão românica do sujeito. Exemplos da sequência XXVXS em orações raízes são apresentados em (59), ao passo que exemplos de orações encaixadas são apresentados em (60).

(59) a. [Assim como é justa a vaidade de um Rei justo], [também] é iníqua a vaidade de um tirano: (Aires, 35.607)

b. [como só o presente é nosso], [por isso] não nos serve de alívio o bem futuro, (Aires, 38.674)

c. e [nestas] [ainda] tem lugar a pena; (Aires, 50.976)

d. [Sem embargo disto], [ainda] durou muitos dias a indecisão, (Marquês, 71.943)

e. [Na eça], [ao meio da igreja], estava colocada a grande edição primitiva do Dom Quixote (Ortigão, 114.771)

f. [Quando leres estas linhas] [já] terá entrado a revoada das borboletas azuis. (Ortigão, 181.1789)

(60) a. eu digo que [para a não amar] [também] não é necessária outra coisa. (Cavaleiro, 152118)

b. presumem, que [ainda que deles não depende a existência do mundo], [contudo] depende deles a ordem, e a economia das cousas: (Aires, 32.548) Para a ordem XXVXS, os índices de frequência são ainda mais baixos. Em orações raízes, por exemplo, considerando o total de sentenças V3, registramos que o percentual de sequências com inversão românica do sujeito corresponde a 2,20% no século 18 e a 1,42% no século 19. No universo de sentenças encaixadas V3, apenas nos textos do século 18 é que encontramos casos de ordem linear XXVXS, que representam 4,58% dos dados.

3.5 Sumário

Neste capítulo, em primeiro lugar, apresentamos o corpus da pesquisa, que consiste em um conjunto de textos de autores portugueses nascidos entre a primeira metade do sé- culo 16 e a primeira metade do século 19. Num segundo momento, explicitamos alguns aspectos relativos à metodologia empregada no presente trabalho para a coleta e des- crição dos dados. Por fim, numa terceira parte, fizemos uma apresentação sistemática de todo o material linguístico coletado.

Com relação a essa terceira parte, sintetizamos agora alguns dos pontos apresen- tados. No que diz respeito à nossa amostra do PM, isto é, os textos dos séculos 16 e 17, atestamos um padrão que privilegia estruturas com inversão germânica em relação a estruturas com inversão românica, particularmente em orações matrizes. Além disso, no caso de sentenças com ordem linear V2, notamos que sequências com um sujeito pré-verbal são nitidamente a ordem de palavras preferida em orações dependentes, mas não em orações raízes. Destacamos também que, no caso de estruturas V1 e V3, o Português dos períodos quinhentista e seiscentista apresenta diferenças significativas em relação a estruturas V1 e V3 de línguas V2 prototípicas. Já no que diz respeito aos séculos 18 e 19, observamos que, em termos de posposição do sujeito, além do de- créscimo geral atestado, passa a haver uma distribuição mais equilibrada de casos de inversão germânica e inversão românica, especificamente em sentenças principais. No âmbito das orações dependentes, sequências com inversão germânica e sequências com inversão românica apresentam frequências de uso muito próximas, tal como havia sido atestado para os séculos 16 e 17. Destacamos também que, no âmbito das estruturas lineares V2, a ordem de palavras SV passa a ser generalizadamente a sequência mais empregada, contrastando com o período dos dois primeiros séculos, quando, apenas em orações dependentes, tal ordem de palavras apresentava o maior índice de frequência. No próximo capítulo, retomaremos os aspectos principais da descrição feita neste ca- pítulo, procurando apresentar uma análise que explique satisfatoriamente as diferenças do PM dos séculos 16 e 17 em relação ao Português dos séculos 18 e 19.

Capítulo 4

Posição do Verbo, Efeito V2 e

Mudança no Português

4.1 Introdução

Neste capítulo, o objetivo é propor uma análise para o conjunto de dados que foram descritos no capítulo anterior. Olhando inicialmente para o Português Médio, isto é, os séculos 16 e 17, discutiremos aspectos relacionados à sintaxe da posição do verbo e ao fronteamento de XP’s. A intenção é mostrar que o Português desse período pode ser caracterizado como um sistema V2, ainda que manifestando certas particularidades. Na sequência, discutiremos o Português dos séculos 18 e 19, mostrando que, nessa fase, a língua não mais apresenta características de um sistema V2.

O capítulo está estruturado da seguinte maneira. Na seção 4.2, apresentamos a nossa hipótese para a sintaxe dos textos referentes aos séculos 16 e 17. Mostraremos que, em relação à posição do verbo, o Português Médio se comporta como línguas V2 rígidas, isto é, com movimento do verbo para o sistema CP em orações matrizes, mas não em sentenças dependentes. Nessa seção, apresentaremos também uma análise para a sintaxe de fronteamento de XP’s, desenvolvendo uma implementação teórica que dê conta das particularidades do Português quinhentista e seiscentista em relação a uma língua V2 prototípica. Na seção 4.3, abordamos a sintaxe dos textos dos séculos 18 e 19. Para essa fase, mostraremos que há um distanciamento em relação a sistemas gramaticais V2. Especificamente no que diz respeito à sintaxe da posição do verbo, mostraremos que o Português Europeu desse período já apresenta as características da língua contemporânea.