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1.2 Aspectos Relativos à Teoria Sintática

1.2.3 O Programa Minimalista

Além da visão de periferia à esquerda da sentença que assumimos aqui, apresenta- remos agora algumas das idéias do Programa Minimalista, tal como desenvolvido a partir da década de 90 (cf., por exemplo, Chomsky 1995, 2000, 2001, 2004), e que serão pressupostas ao longo dessa tese. Enquanto um desdobramento da Teoria de Princípios e Parâmetros (cf. Chomsky 1981 e trabalhos subsequentes), o Programa Minimalista assume a idéia de que a espécie humana é dotada de uma faculdade da linguagem, isto é, um conjunto de traços e capacidades cognitivas que fazem parte da mente/cérebro de cada indivíduo. Essa faculdade compreende um estado inicial, deter- minado geneticamente e comum a todos os seres humanos, que passa por um processo de desenvolvimento até atingir um estado final, que reflete a habilidade do falante em avaliar expressões linguísticas da língua adquirida. O estado inicial corresponde ao que se tem designado de Gramática Universal (GU): o núcleo da faculdade da linguagem que engloba propriedades universais das línguas. O estado final alcançado, que corres- ponde à gramática de uma língua específica, resulta da interação do estado inicial com a experiência ante a qual o falante, no processo de aquisição da linguagem, é exposto. Ou seja, a idéia é que todas as crianças nasçam com os mesmos princípios universais de gramática, os quais correspondem às propriedades invariáveis entre as línguas, já que a GU é algo inato à espécie. Entretanto, além desse arcabouço comum, a GU de cada falante também apresentaria um conjunto específico de parâmetros linguísticos, os quais, durante o processo de aquisição da linguagem, teriam seus valores fixados pela criança conforme o input recebido, explicando assim o que é particular de cada língua.

3A proposta do CP cindido, tal como acabamos de expor, insere-se em uma linha de trabalhos que,

fortemente influenciados por estudos pioneiros que propuseram cisões para as categorias sintáticas tradicionais (por exemplo, Abney 1987 para a categoria NP e Pollock 1989 para o domínio de IP), têm procurado traçar um mapa detalhado das estruturas funcionais da oração (cf. Cinque 1999, 2002, 2006; Rizzi 1997, 2001, 2004; Belletti 2004b). Este empreendimento, conhecido como Projeto Cartográfico, tem contribuido para a identificação de um articulado e rico conjunto de projeções nos mais diversos níveis da estrutura oracional. Para uma apresentação do desenvolvimento histórico dessa linha de pesquisa, incluindo suas bases metodológicas, cf. Cinque & Rizzi (2008).

O Programa Minimalista também propõe que a faculdade da linguagem é com- posta de um léxico e de um sistema computacional. O léxico corresponde a um reposi- tório que armazena todo o material lexical e funcional de uma determinada língua. O sistema computacional é uma maquinaria mental que gera as expressões linguísticas. Léxico e sistema computacional estão interligados na medida em que, a partir da nu- meração, isto é, um processo de seleção de elementos do léxico que farão parte de uma determinada derivação sintática, o sistema computacional é abastecido a fim de gerar as expressões que serão enviadas ao sistema conceptual-intencional através de uma in- terface semântica (Logical Form) e ao sistema articulatório-perceptual através de uma interface fonética (Phonological Form).

No processo de derivação sintática realizada pelo sistema computacional, as sen- tenças são construídas a partir de duas operações básicas. Uma delas é a operação de concatenação (merge), que é responsável por combinar dois objetos sintáticos para formar uma estrutura binária (nos moldes da teoria X-barra). A operação de concate- nação é de natureza recursiva, já que pode ser aplicada sobre o output de uma operação anterior de concatenação. A outra operação básica é designada de movimento (move), que, inicialmente, foi definida como um mecanismo que desloca os elementos sintáticos de uma posição para outra no transcorrer da derivação computacional (cf. Chomsky 1995). Mais recentemente, a idéia de movimento tem sido compreendida como o resul- tado da aplicação de dois mecanismos distintos: uma operação de duplicação de uma certa expressão linguística (copy) e sua posterior concatenação em uma nova posição (cf., por exemplo, Nunes 2004). Todas essas operações pelas quais os objetos linguísticos são submetidos ao longo da derivação devem obedecer a princípios rígidos de economia, como por exemplo a idéia de que um movimento ocorre apenas quando motivado (last resort) e a idéia de que a operação de concatenação tem preferência sobre a operação de movimento (merge over move).

Os itens do léxico que são selecionados para fazer parte da derivação sintática apresentam-se na forma de traços, representando informações de natureza fonológica, semântica e estritamente formais. Assim, um objeto linguístico qualquer correspon- derá a uma combinação de traços semânticos, que codificam as informações legíveis no sistema conceptual-intencional, de traços fonológicos, que codificam as informações legíveis no sistema articulatório-perceptual, e de traços morfosintáticos, que codificam informações puramente gramaticais relevantes na composição estrutural de um objeto. Em Chomsky (2001, 2004), assume-se também que, ao longo da derivação compu- tacional, os traços especificados nos itens lexicais precisam ser valorados. A operação de

valoração de traços ocorre mediante uma relação de c-comando à distância entre uma sonda (probe) e um alvo (goal). Um alvo é acessível a uma determinada sonda se ambos compartilham os traços relevantes para a valoração e se não houver nenhum elemento intervindo estruturalmente entre os dois no domínio de c-comando da sonda. Mais es- pecificamente, entende-se que uma sonda é um núcleo sintático com um determinado traço não valorado. Um alvo é um objeto sintático que, além de estar no domínio de c-comando de uma sonda, compartilha do mesmo valor de traço da sonda, podendo, desse modo, valorá-lo.

No âmbito dessa teoria de valoração de traços, assume-se que o movimento sintá- tico é motivado sempre que uma sonda vem especificada com o EPP, o qual é entendido como um requerimento estrutural demandando o movimento de um determinado alvo para a posição de especificador da sonda.4 Ou seja, o movimento sintático ocorre se, entre uma sonda e um alvo que estabelecem uma relação de valoração de traços, há também a propriedade EPP na sonda determinando que o alvo se desloque até o es- pecificador da sonda. A título de exemplificação, vejamos como essa motivação para o movimento sintático acontece numa sentença como (15) do Inglês.

(15) John was washing the car.

Em certo momento da derivação, o núcleo T onde se encontra o verbo was seria inserido na estrutura sintática, com o DP sujeito John ainda em sua posição base SpecvP. O núcleo T viria especificado com traços φ, assim como John. Por conta disso, os dois estabeleceriam uma relação de valoração de traços. Como um aspecto adicional, porém, o núcleo T no Inglês também apresentaria a propriedade EPP, o que demandaria o movimento de John para a posição SpecTP. Essa derivação é ilustrada em (16).

4A idéia de EPP na teoria minimalista é uma evolução teórica do Princípio de Projeção Extendida

(Extended Projection Principle - EPP) de Chomsky (1982), o qual determinava que todas as sentenças apresentassem um sujeito sintático.

(16) TP

John[φ] T’

was–T[EPP,φ] vP

(John[φ]) v’

washing the car

Com relação ao movimento de núcleos, uma hipótese aceita é a de que isso não ocorre na sintaxe visível. Na realidade, como sugere Chomsky (2001), o movimento de núcleos seria a manifestação de requerimentos do componente fonético, não apresen- tando nenhuma relação com o movimento de sintagmas plenos, como, por exemplo, o deslocamento de um XP para a posição SpecTP no Inglês. Nesta tese, porém, assumi- remos que o movimento de núcleos é um tipo de operação que ocorre na sintaxe visível, e não apenas um reflexo de requerimentos da interface fonológica da gramática (cf., por exemplo, Branigan 2011).

Em linhas gerais, esses são os pressupostos do Programa Minimalista que teremos em mente no decorrer do nosso trabalho. Na sequência, abordaremos questões de diacronia, focalizando alguns pontos teóricos relativos à mudança linguística, com ênfase em aspectos da evolução do Português Europeu.

1.3 Teoria da Mudança Linguística e Periodização do