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CAPÍTULO 2. ESTRATEGIA METODOLÓGICA

2.1. Construindo um pensamento: as narrativas numa perspectiva fenomenológica

O estudo fenomenológico possibilita uma maior aproximação do pesquisador com as experiências vividas pelos sujeitos entrevistados no seu cotidiano, apreendendo os significados por eles atribuídos na situação vivenciada.

Etimologicamente, a fenomenologia pode ser descrita como o estudo ou a ciência do fenômeno (phainomenon, origem grega, significa aquilo que se mostra a partir de si mesmo). Desta forma, tem como objetivo apreender as experiências tal como elas se manifestam, interagindo dialeticamente com o sujeito na busca de um sentido para àquele fato vivido, sendo este percebido e manifestado através da linguagem (BICUDO E ESPOSITO, 1997).

Cabe ressaltar que a busca da compreensão desse vivido não pode ser interpretado como uma verdade incontestável, já que, como dito anteriormente, não cabe à fenomenologia postular verdades e, sim, conhecer os significados que os sujeitos atribuem à sua experiência, significados estes que se descobrem a partir das descrições dos sujeitos. Para isto, este estudo buscará através da entrevista narrativa alcançar os universos simbólicos que ordenam as experiências vividas

pelas gestantes diabéticas e compreender as diferentes formas de atribuição de significados partindo do contexto histórico e social inerente a cada sujeito.

É na linguagem que a pessoa procura articular-se com os vários aspectos do mundo, num todo significativo para ela e para o mundo, a dar sentido para expressar, na intersubjetividade, a experiência vivida no cotidiano (FREITAS, 2003, p. 42).

Para Schutz (2012), dizer que uma situação é biograficamente determinada é afirmar que ela possui uma história: “ela é a sedimentação de todas as experiências prévias do indivíduo, organizadas como uma posse que está facilmente disponível em seu estoque de conhecimento” (op. cit. p. 85). Desta forma, o narrador ao contar sua história a (re) constrói, já que a mesma está carrega de significados que constituem o seu estar-no-mundo, cujo ser-aí se revela e se encobre nas palavras, principal articuladora da sua compreensão em um modo de existência.

A compreensão do ser-no-mundo, não pode ser vista como algo definível, já que o próprio ser, a partir de seus relatos narrados ou escritos, entra em um processo de desconstrução e perda do “eu”, concomitante à sua reconstrução no descobrimento de sua verdadeira identidade, reflexo da

sua interação histórico-social (DUTRA, 2002; GADAMER, 2004). Através da narrativa, uma

história é criada e verbalizada com o intuito de verificar se somos quem pretendemos ser visando alcançar uma coerência e continuidade em meio à desordem de nossas experiências ao longo do tempo (BRUNER, 2002).

A temporalidade merece destaque entre as narrativas dos adoecidos crônicos pois, segundo Hyden (1997), as narrativas oferecem uma oportunidade de unir os eventos perdidos no tempo, para construir um novo contexto e para encaixar a interrupção provocada pela enfermidade em uma moldura temporal. Assim, as narrativas passam a recriar um contexto temporal que havia sido perdido e assumem um significado como parte de um processo de vida, através do reposicionamento destes sujeitos na continuidade das suas trajetórias.

Para Good (1994) a perda de horizonte temporal, devido o surgimento de uma enfermidade crônica, torna difícil avaliar e compreender os sintomas da enfermidade e seus eventos, pois a falta de um “final”, devido às incertezas futuras provocadas pelo surgimento da doença, gera um problema central em relação as narrativas: elas estão sempre buscando um sentido. Assim, a narrativa da enfermidade é construída a partir da possibilidade de um final novo ou diferente, o que significa que a enfermidade é sempre ambígua, uma negociação contínua.

É o enredo que permite ordenar os eventos e conectá-los a outros, gerando um quadro sequencial de relações significativas, pelas quais as experiências vividas vão sendo conectadas gerando uma

história coerente. Bruner (2002) afirma que ao narrar um acontecimento, há uma tentativa deste narrador em relacionar uma sequência ordenada de eventos para um ou mais ouvintes. O narrador seleciona certos eventos e organiza-os de modo a formar um pensamento com início, meio e fim, envolto de sentido. Ele cria um enredo e, ao relatá-lo, vai testando a compreensibilidade do dito através dos desdobramentos da história, ou seja, busca no ouvinte a confirmação da coerência do que está sendo narrado.

Cabe ressaltar que à medida que o doente crônico narra sua história, ele o faz partindo de um processo disruptivo em que há uma necessidade de reconstruir o seu mundo vivido (BURY, 1991). Assim, acontecimentos do passado e presente vão sendo ressignificados e passam a adequar-se ao novo enredo criado e (re) contado, em um processo de busca do eu e negociação dialética entre este e o mundo (re) criado. Desta forma, através da narrativa, cria-se e recria-se sua identidade, a fim de atender às necessidades das situações com que os indivíduos se deparam. Para Bruner (2002), as formas e os modelos narrativos são culturalmente delineados e, com isso, modelam culturalmente os processos de significados pessoais e sociais. Good (1994) revelou que as narrativas do adoecimento são estruturadas em termos culturais e que, a partir destas distinções subjetivas, o sujeito passa a refletir de modo singular as possibilidades de viver a experiência do adoecimento.

A vantagem de estudar as narrativas de enfermidades é que elas tornam possível compreender a experiência a partir de diversos pontos de vista: como uma construção social e cultural, como uma transformação e expressão de sofrimento corporal, e, acima de tudo, como uma tentativa da pessoa em sofrimento construir seu mundo, para encontrar sua própria vida profissional e contexto de vida (HYDEN, 1997).

Assim, a narrativa destas mulheres permitirá uma compreensão acerca da experiência gestacional de risco vivida por elas e dos significados atribuídos às práticas alimentares, podendo o estudo aproximar-se das distintas dimensões de mundos e realidades apreendidas e compreendidas por estes sujeitos.