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Construindo um telejornal: as fontes de informação

4 A “FÁBRICA” DE NOTÍCIAS PARA TV

4.1 TELEJORNAL DE “SEGUNDA EDIÇÃO” NA REDE GLOBO

4.3.2 Construindo um telejornal: as fontes de informação

A preparação efetiva do telejornal, depois da distribuição das tarefas, diz respeito a um momento de redação silenciosa e de muita imersão de cada jornalista em seu trabalho, uma vez que o tempo (prazos) se estabelece sempre como um imperativo a ser vencido. Por conta disso, o silêncio não significa tranqüilidade já que o clima torna-se tenso à medida que as horas passam e se aproxima o dead-line do telejornal.

Nesse processo de produzir e editar as matérias, observa-se que os editores alternam suas telas de edição de texto no computador com consultas contínuas aos sites de notícia da Internet e a qualquer site que eventualmente possa também servir como fonte de pesquisa de informação149. Essa observação também permite concluir, como dizem Ramonet (1999) e Marcondes Filho (2002), que a consulta à Internet em busca da atualização contínua é mais um exemplo de que a notícia, inserida dentro da lógica da velocidade, vale mais por ser

149 Durante a visita foi possível verificar que, por conta da consulta à Internet feita pelos jornalistas, não há mais

recente e atualizada. Um valor que parece estar acima da precisão e de confiabilidade, já que na rede, qualquer informação pode ser postada, seja verdadeira ou falsa.

Além disso, atendendo a demanda da velocidade, os jornalistas cumpridores de tarefas, conforme se pontuou, tendem a cada vez mais automatizar as decisões comprometendo, segundo Marcondes Filho (2002) e Moretzshon (2007), em conseqüência disso, a interpretação e a análise dos fatos.

Alguns exemplos dos dias de visita à redação ilustram bem essa dinâmica em que as fontes formais de informação se mesclam às fontes oriundas da rede, afetando de forma evidente o trabalho na redação. O primeiro deles diz respeito à cobertura dos conflitos no Líbano150 para a qual não seria possível, naquele dia, contar com o correspondente internacional para o Oriente Médio, que estava fora do seu horário de trabalho, além de já ter enviado produções para os três telejornais do dia151.

Diante da necessidade de dar esta notícia e ainda ter que apresentá-la de uma maneira diferente do “Jornal Nacional”, o “Jornal da Globo” decidiu trazer as últimas informações do Líbano a partir de blogs de internautas que estavam vivenciando a crise no local e a estavam reportando virtualmente em seus diários. O telejornal então usou, ao final de cada bloco, um excerto do texto do blog de cada um dos internautas, selecionados aleatoriamente na rede, que dessem conta da situação vivida no local e das conseqüentes dificuldades da população durante o conflito e nomeou a pequena série de “Pílulas da Guerra”.

Chamou a atenção, neste caso, a decisão editorial tomada, tanto por conta da informação ser oriunda da rede, como sobretudo o fato de nem ter mesmo vindo de uma agência de notícias, e sim de blogs de internautas que não têm comprometimento com a fiabilidade dos fatos em suas transcrições, pontuadas por subjetividades e avaliações pessoais. Ou seja, neste caso, o risco de se usar uma informação pouco precisa era grande. No entanto, o Editor-Chefe, ao ser perguntado sobre o assunto, entendeu que o uso da Internet como fonte

150 A crise no Líbano, em julho de 2007, foi desencadeada depois que a milícia xiita do país, o Hezbollah,

seqüestrou dois soldados israelenses, desencadeando uma violenta retaliação por parte de Israel que respondeu com um mês de ataques ao país.

151 O correspondente internacional, conforme a editora de internacional, já havia feito matérias sobre o conflito

para os jornais “Bom dia Brasil”, “Jornal Hoje” e “Jornal Nacional” além de, por conta da diferença de fuso horário, encontrar-se no Oriente Médio em plena madrugada durante a produção do telejornal.

de informação, seja em sites de notícias ou não, faz parte da dinâmica de cobertura noticiosa atual em que correr o risco “faz parte do jogo”.

Outro exemplo diz respeito ao tratamento dispensado à notícia da morte do ator Raul Cortez. Conforme as decisões editoriais, a equipe de externa traria para a redação imagens e informações sobre o velório do ator, enquanto a editora na redação ficaria responsável por levantar imagens de arquivo da peça “Rei Lear” encenada por Raul Cortez. O material de arquivo de Cortez em cena, segundo as instruções do Editor-Chefe, deveria encerrar a matéria. Para tanto, foi selecionada uma imagem do ator sozinho no palco, interpretando Rei Lear no momento exato em que a personagem fala da sua morte. E sobre as imagens da interpretação foi colocado em caracteres (texto sobre a imagem) referente à fala do ator.

Nesta situação, mais uma vez, o que chamou a atenção foi o fato de o texto da peça Rei Lear de William Shakespeare ter sido buscado na Internet. A editora jogou as palavras- chave em um site de busca até encontrar o texto que se apresentava como “Rei Lear” e utilizou o fragmento desejado, sem discutir o fato de que a Internet seja uma fonte sob suspeita quanto à sua fiabilidade. Ou seja, uma vez encontrado, acreditou-se que aquele era o texto original de William Shakespeare.

Em outra situação, a editora de internacional, ao receber o material do correspondente Jorge Pontual, sobre a repercussão da crise do Líbano nos Estados Unidos, refez o texto do repórter, atualizando-o, porque quando o material chegou à redação o cenário já era outro, segundo ela. E a atualização, naquele momento, deu-se com base em informações oriundas dos sites das agências de notícias.

Esses exemplos reafirmam a busca pela atualização contínua da notícia, além do valor jornalístico implícito na lógica das redes que trata justamente da necessária interconectividade na produção do telejornal. Dar a última informação significa ratificar o telejornal enquanto instância representativa da idéia de interconexão com o mundo conforme Ramonet (1999) ou de vigilância como diz Fechine (2006), onde nada escapa ao programa em termos de cobertura. Mais do que isso, recuperando Ramonet (1999) mais uma vez, o balizamento das informações pela Internet traduz-se em exemplo do que a atuação em rede gera, e que o autor nomeia de mimetismo midiático. A mídia fala da própria mídia produzindo um jogo de espelhos, onde os mesmos fatos acabam reafirmados ao serem repercutidos, enquanto outros

“deixam de existir” por não integrarem esse ciclo. Ou seja, a Tv corrobora as notícias da Internet e esta por sua vez, também as notícias da Tv que depois serão reafirmadas nos jornais e assim por diante.

Outra questão importante verificada a partir dos exemplos citados é o fato de as redes oportunizarem a necessária flexibilidade que essa atuação rizomática permite, tanto na busca pela atualização das notícias demandada pelas organizações contemporâneas, quanto nas possibilidades geradas em formatos inovadores de narrativa. Ou seja, diante dos novos acontecimentos conforme diz Machado (2007), a Internet se apresenta como fonte de informação e de recursos com infinitas possibilidades e trajetórias para construir o que o autor chama de hipernarrativa. E é exatamente o caso dos exemplos citados, onde a construção da notícia resultou de uma combinação de recursos de áudio, vídeo e texto provenientes das fontes convencionais de informação em associação às possibilidades oferecidas pela Internet.

O apresentador William Waack corrobora a proposição de Machado (2007) quando fala do impacto das novas tecnologias no seu fazer, bem como das facilidades que a disponibilidade de dados da Internet proporciona. Mas, ao mesmo tempo, agrega novas repercussões ao uso da rede na redação. Waack preocupa-se com a relação estabelecida entre os repórteres da “nova geração” e a redação a partir da introdução da Internet no trabalho. Para ele que tem mais de 25 anos de experiência em reportagem, a Internet pode ser boa, mas é ruim para os novatos por desenvolver o que chama de dependência:

Para repórteres veteranos como eu, ela (Internet) simplificou um trabalho de buscar um bando de dados. É o lado bom. Fonte boa ou não sempre foi um problema que a Internet não mudou. (...) Mas (a Internet) também mudou (o trabalho jornalístico) para pior. (Com a Internet), aqui em São Paulo ou no país, o repórter manda para a redação o texto para que seja corrigido. O repórter tem que ser autônomo. Tem que avaliar a matéria se vale ou não. Ou seja, a Internet dá poder para a redação, um poder que ela não deveria ter.

Ainda tratando das redes, também a Intranet vai definindo uma nova forma de trabalho na redação. Através do inews152, todos os editores podem acompanhar o andamento de todas as matérias de seus pares, além de todos eles poderem também mexer efetivamente no texto de qualquer um dos colegas. Para tanto, o software nesse caso possui um recurso de marcação da última alteração feita na matéria, bem como de indicação de quem fez a mudança e quando a fez.

Essa dinâmica representa bem a idéia de velocidade e agilidade que as organizações precisam ter em tempos globais. Assim, o trabalho em linha de produção verticalizado e centralizado está em alguns momentos associado à estrutura capilar e horizontal da rede permitindo a necessária flexibilidade e agilidade nessa operação. E esta dinâmica, por sua vez, possibilita também a mudança e a atualização constante das informações por qualquer um dos editores.

Segundo Machado (2007), esta é a típica situação de uma organização jornalística que ao atuar em rede e, portanto, a partir de uma Base de Dados, permite esse acesso simultâneo ou concorrente por vários usuários na produção da notícia, bem como a interação entre si. No entanto, é possível verificar que este sistema mais uma vez não é aplicado em sua integralidade no caso do “Jornal da Globo”, porque segundo o autor, isto requereria o fim da segmentação, por exemplo, das editorias em suas especializações, a fim de que o trabalho pudesse ser ainda mais ágil e descentralizado.

Assim, a atuação por editorias específicas como se pôde observar na redação do “Jornal da Globo” não só não combina com o trabalho interativo e em rede dos jornalistas, como na verdade obstaculiza a otimização do recurso capilar que a nova estrutura oferece especialmente em termos de flexibilidade, de redução da hierarquia e descentralização dos processos, onde mais pessoas poderiam desempenhar mais tarefas, melhor se adaptando por isso a sistemas flexíveis e dinâmicos (MACHADO, 2007).

Por essa razão, mais uma vez, reafirma-se nestes exemplos que o “Jornal da Globo” precisa ser compreendido como um telejornal resultante de um modelo “híbrido”, porque toda sua organização está pautada pela mistura, pela convivência alternada de duas organizações diferentes. Nessa situação, as redes misturam-se a estruturas ainda verticalizadas e hierárquicas, assumindo o papel apenas de suporte na produção, ao contrário de algumas organizações jornalísticas que já operam integralmente sob a estrutura das redes passando a ser constitutiva nos processos de trabalho.

No caso do “Jornal da Globo”, a interatividade entre os editores proporcionada pelo inews, além dos serviços de comunicação virtuais do sistema e do uso do rádio, segundo Brêtas (2007), significam economia e praticidade para a redação onde estão vários jornalistas. As novas formas de comunicação dão agilidade à equipe tanto quanto estão em seus

computadores, como quando precisam se deslocar pelos vários setores fisicamente dispersos da redação durante a produção do telejornal. No entanto, vê-se que, mesmo podendo ser claramente identificáveis, as operações baseadas na estrutura das redes são algumas instâncias pontuais do processo produtivo do telejornal que é marcado na maior parte do seu fazer por uma estrutura ainda convencional da redação, onde as funções permanecem bem divididas e segmentadas.

No entanto, do ponto de vista da redação, as mudanças da prática jornalística a partir das novas tecnologias nem sempre entram em sintonia com o entendimento dessa questão por parte dos jornalistas que vivenciam essa realidade. Ou seja, no que diz respeito ao processo produtivo do telejornal e aos impactos sofridos a partir dos avanços tecnológicos e do surgimento de um novo tipo de experiência societária, os jornalistas dizem não enxergar grandes mudanças, acreditando inclusive que as tecnologias, entendidas como ferramentas, não alteram a essência da prática jornalística. Segundo Brêtas (2006):

Eu acho que as ferramentas, tanto faz se são ferramentas, se é uma máquina de escrever, se é um computador, se é um servidor, se é uma fita, se é um disco óptico. Isso não mudou o essencial de nossa profissão. (...) Mas em linhas gerais, eu acho que a mudança de ferramenta, ela não interfere fundamentalmente nas premissas éticas e estéticas do nosso trabalho hoje (BRÊTAS, 2006).

Erick Brêtas e Mariano Boni reconhecem o impacto das novas tecnologias – neste caso a Internet e especificamente a possibilidade de envio de imagens através do sistema de banda larga – em um aspecto muito particular do jornalismo de televisão que diz respeito ao trabalho do correspondente internacional. Segundo eles na cobertura jornalística internacional as mudanças são visíveis em termos de praticidade, de redução de custo, de trabalho em rede e a partir da rede, promovendo uma atuação mais descentralizada e, eventualmente, “encolhida” da equipe por conta do surgimento do “kit correspondente”:

Mudou fantasticamente para melhor. (Kit correspondente) é um equipamento que foi desenvolvido pela própria Globo que permite que você faça transmissão de som e imagem pela internet; que mudou inclusive a própria estrutura da emissora da cobertura internacional da Globo. Antigamente a gente tinha dois escritórios, um em Nova Yorque, outro em Londres. Tinha um repórter na Itália que fazia matéria de vez em quando. Hoje a Globo tem correspondente. Isso é melhor porque antigamente você tinha que cobrir o assunto da Alemanha, por exemplo, a partir de Londres. Se fosse o caso, se fosse um grande evento, você até poderia mandar teu correspondente aí se tivesse disponível uma facilitie para fazer a transmissão ao custo astronômico de 4.000 dólares, 5.000 dólares, dependendo da coisa. Em alguns anos isso acontecia. Nós cobrimos a queda do muro e o fim, o colapso da União Soviética desse jeito em Moscou, pagando um custo altíssimo. Só que você não faz

isso numa cobertura de cotidiano, faz para grandes coberturas. Então, se a gente não tivesse tecnologia hoje, poderia até cobrir a eleição na Alemanha mandando teu repórter uma semana antes. Mas se surge uma política nova... Ângela Merkel... Essa mulher é uma personagem interessante para a gente fazer matéria dela, para mostrar esse novo personagem na política alemã que tá surgindo. Se a gente não tivesse a tecnologia que a gente tem hoje, talvez a gente não fosse mandar o repórter lá só para fazer uma matéria porque eles não sabem se, não têm certeza se ela vai vingar ou não. Hoje não. Hoje a gente pode fazer (BRÊTAS, 2006).

Boni (2006) lembra que neste caso a tecnologia já interfere editorialmente na cobertura jornalística, reduzindo a equipe e fazendo com que cada integrante assuma mais tarefas, ou seja, terceirizado mas, sobretudo, tornando-a mais barata e ágil, e podendo estar presente, por isso, em mais lugares, bem de acordo com as tendências de flexibilização das organizações jornalísticas contemporâneas:

O fator econômico, tecnológico mudou o jeito de trabalhar no telejornalismo. A cobertura de inter (internacional), o barateamento dos equipamentos de banda larga da internet no mundo permitiu que a Rede Globo descentralizasse tremendamente a cobertura. Antes você tinha dois grandes escritórios de repórteres, correspondentes internacionais de Londres e Nova Yorque. Hoje nós temos 5, 6 repórteres em Pequim, Jerusalém, Buenos Aires, Paris, Roma, Berlim. Uma solução mais leve e mais econômica. É um jornalista, uma câmera, um laptop com acesso à banda larga contratando localmente o trabalho de um frila de cinegrafista quando é necessário. Se fosse muito legal você pagava passagem para o cara ir lá com cinegrafista. Hoje não. Você tem que estar baseado lá acompanhando o dia-a-dia do país. Aí chega a mexer um pouco no editorial. Você cobria isso com imagens e texto de agência Reuters que a gente assina. A gente tem repórter brasileiro da Tv Globo lá interpretando aquilo, segurando o logo (logotipo) da Globo, fazendo perguntas que nós faríamos (BONI, 2006).

O reconhecimento da mudança substancial do trabalho telejornalístico do correspondente internacional expressa muito significativamente a configuração de como estão acontecendo as alterações no jornalismo de televisão nesse tempo de transição. A existência das redes dentro da redação e de seus impactos ainda que pontuais no trabalho – como no caso específico do correspondente internacional – está produzindo modificações que, mesmo ainda iniciais, mostram-se aparentemente isoladas, mas que tendem ao longo do tempo a tomarem cada vez mais espaço, importância e interconexão com as estruturas já estabelecidas. Em outras palavras, as marcas do Industrialismo e sua organização vertical e mecânica vão pontualmente cedendo espaço a estruturas em rede, descentralizadas e capilares que o trabalho em rede exige e tende a tornar irreversível.