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CONSTRUINDO VÍNCULOS ENTRE A CIDADANIA E O EMPREENDEDORISMO

Saber como o empreendedorismo fomenta a cidadania demanda um recorte conceitual, uma vez que a relação direta entre esses dois construtos gera conflitos epistemológicos pela natureza distinta de ambos. Para proporcionar pontos de interseção do empreendedorismo com a cidadania, é necessário seccioná-lo para que aproximações possam ser realizadas.

Um primeiro aspecto a considerar é a polarização do empreendedorismo entre suas duas vertentes principais: uma tradicional, de cunho economicista, e outra mais recente, de caráter social. Apesar desta aparente dicotomia, não se pode separar todas as organizações empreendedoras em um polo ou em outro: existe um continuum que as posiciona de maneira mais próxima ou distante dos polos comercial e social, como foi proposto na Figura 1 (página 52).

A aproximação da vertente social do fenômeno com a cidadania se dá por meio do recorte do empreendedorismo mais amplo. Entretanto, mesmo no empreendedorismo social, existem várias formas de entendimento e variações conceituais. Optou-se pela vertente do empreendedorismo social a partir da lógica de empresa social, compilada no Quadro 3, em que foram sintetizados os entendimentos sobre tal perspectiva a partir da construção de quatro categorias principais sobre o fenômeno e seus respectivos indicadores.

Quadro 3 - Categorias e indicadores da pesquisa empírica

CATEGORIAS INDICADORES

MISSÃO SOCIAL

Declaração da missão institucional Valores

Visão

Relação com a área crítica de atuação

ÁREA CRÍTICA DE ATUAÇÃO Razões de escolha Ações desenvolvidas Melhorias percebidas NOVAS RELAÇÕES COM O ESTADO Recursos recebidos Suporte burocráticos Incentivos

Participação nas políticas públicas

CONSCIÊNCIA CIDADÃ

Entendimento de cidadania Papel na sociedade Conscientização dos indivíduos

Fonte: Quadro adaptado a partir da perspectiva de empresa social (DESS, 1998; KERLIN, 2006; DEFOURNY, NYSSENS, 2010; BARKI, 2015; BRONZO; TEODÓZIO; ROCHA, 2012).

A missão social é uma categoria direcionada à empresa social e é entendida como institucional, preocupada em contemplar elementos de ordem social que estejam relacionados com a área crítica de atuação na comunidade. E quais valores emergem desta missão? Existe uma declaração formal de tais valores? São indagações inerentes à investigação empírica realizada. Além disso, pretendeu-se reconhecer a capacidade visionária, ou seja, como a missão social contribui para o futuro da organização e, sobretudo, para o futuro da comunidade (DESS, 1998; KERLIN, 2006).

As áreas críticas de atuação na comunidade emergem como uma categoria de ordem causal/operacional, pois buscou-se conhecer, junto aos agentes, as motivações para intervenção em uma dada realidade, as ações desenvolvidas e os resultados esperados. Por outro lado, será que estes resultados são percebidos pelos beneficiados? É importante frisar que a análise dos resultados não foi encarada como uma avaliação da política pública atuante sobre as organizações estudadas, mas sim de como essas ações estão despertando a cidadania nos indivíduos beneficiados e nos agentes de disseminação (DEFOURNY; NYSSENS, 2010; BARKI, 2015).

A categoria referente às novas relações com o Estado é entendida bilateralmente, a partir dos seguintes aspectos: quais recursos e incentivos as empresas sociais têm recebido do governo e como elas têm participado das diretrizes formadoras das políticas de bem-estar promovidas pelo Estado? A partir desta categoria, busca-se conhecer quais recursos e

incentivos estas empresas sociais proporcionam para os beneficiados, como estes indivíduos participam das estratégias das empresas sociais e, mais importante que isso, como a ação das empresas sociais tem auxiliado os beneficiados a participar das políticas de Governo (BRONZO; TEODÓZIO; ROCHA, 2012).

A consciência cidadã, elo principal com o construto da cidadania, a priori, é a principal característica que vincula o fenômeno da cidadania à empresa social, pois ela permite o despertar do sujeito enquanto agente vigilante de políticas desenvolvidas pelos representantes políticos, demonstrando conscientização política e seu papel na sociedade (KERLIN, 2006; BARKI, 2015). Para que a consciência cidadã seja melhor compreendida, optou-se aqui por vincular seu entendimento à visão de cidadania adotada neste trabalho.

Os direitos civis relacionam-se com a empresa social por meio do direito à propriedade e, neste caso, à empresa e ao patrimônio advindo desta. Os direitos civis também garantem o ato de fazer contratos e de ter acesso ao Estado. É importante que seja salientado que tais garantias também buscam alcançar outros sujeitos e organizações, mas como nesta seção o foco está nas relações entre cidadania e empresa social, pelo menos a priori, direcionam-se os direitos de cidadania para a tipologia de empreendedorismo social escolhida.

Os direitos políticos estão relacionados à participação política de tais empresas, isto é, até onde elas possuem influência sobre a formação das diretrizes das políticas públicas e dos benefícios destinados às áreas de risco. Nessa dimensão, também é importante que se analise a postura dos sujeitos que fazem parte das organizações, como também o despertar político que elas proporcionam nos indivíduos beneficiados, tornando-os mais conscientes do seu papel junto às autoridades políticas locais.

Os direitos sociais se referem ao bem-estar: saúde, lazer, meio ambiente, infraestrutura e segurança são áreas em que tais empresas sociais geralmente atuam e para as quais buscam melhorias, diminuindo o risco econômico provocado pelos efeitos de ordem utilitária das práticas capitalistas neoliberais. Entende-se que os direitos sociais são capazes de promover laços de solidariedade entre indivíduos e possuem grande importância no entendimento do empreendedorismo social. Tais laços foram melhor compreendidos a partir dos estudos sobre empreendedorismo solidário.

2.7 EMPREENDEDORISMO SOLIDÁRIO: UMA MANIFESTAÇÃO DO