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Consumo, consumismo e sociedade de consumo

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1 A TEOLOGIA DA PROSPERIDADE: ORIGENS, DEFINIÇÕES E PRINCIPAIS

3.1. Consumo, consumismo e sociedade de consumo

O consumo está presente na história da experiência humana desde seus primórdios, ―todos os seres humanos, ou melhor, todas as criaturas vivas ‗consomem‘ desde tempos imemoriais‖ (BAUMAN, 1999, p. 87). O ser humano sempre se utilizou do consumo, pois precisa alimentar-se, vestir-se, proteger-se, tudo isso para fins de subsistência, ou seja, para a satisfação de suas necessidades básicas. É necessário explicar que o consumo não se restringe apenas à satisfação das necessidades básicas, mas também está ligado ao desejo.

O fato é que o consumo satisfaz às necessidades, bem como aos desejos, e está conectado tanto a bens essenciais, quanto aos supérfluos. Pode-se consumir desde arroz e feijão, medicamentos e transporte coletivo (necessidades), por um lado, até uma sofisticada feijoada, Viagra e automóveis com ar-condicionado (desejos), por outro. O consumismo, por seu turno, busca saciar somente os desejos, estando sempre conectado ao supérfluo, e se diferencia do consumo em uma questão de grau, exagero e dependência [...] (SCHWERINER, 2008, p. 24).

Existe dificuldade em se definir o que é consumo, isso devido à ambiguidade na própria etimologia do termo. De acordo com Barbosa e Campbell,

Consumo deriva do latim consumere, que significa usar tudo, esgotar e destruir; e do termo inglês consummation, que significa somar, adicionar. No Brasil, o significado do termo consumo ficou mais próximo da primeira dimensão, que tem sentido negativo, enquanto consumação, com sentido positivo de realização e clímax, ficou mais restrita ao ato sexual (BARBOSA; CAMPBELL, 2006, p.21).

Ainda, os autores supracitados, quando tratam do consumo, declaram que ―é ambíguo porque por vezes é entendido como o uso e manipulação e/ou como experiência; em outras, como compra, em outras ainda como exaustão, esgotamento e realização‖ (BARBOSA; CAMPBELL, 2006, p.21).

Percebe-se que o tema consumo, constitui-se num dos assuntos mais importantes para se compreender a sociedade contemporânea. Essa relevância se dá pelo fato de que o consumo ―deixa de ser apenas um resultado do desenvolvimento econômico e assume uma posição de centralidade na organização social e cultural do mundo contemporâneo [...]‖ (RETONDAR, 2007, p.17-18).

Devido à centralidade do consumo na sociedade contemporânea, é importante compreender seu superlativo, o consumismo, que ―é nos tempos atuais, um novo modus vivendi‖ (SANCHEZ, 2012, p. 109). O autor continua:

Isto significa dizer que o consumismo não é apenas o consumo exagerado de objetos colocados à nossa disposição no mercado. Esse modus vivendi configura-se como

uma determinada forma de viver que abarca tanto a vida dos indivíduos como a vida dos grupos e da própria sociedade (SANCHEZ, 2012, p. 109).

Dessa forma, o consumismo dita o comportamento da sociedade contemporânea, tornando-se uma espécie de influencia que afeta todas as pessoas, tanto ricos como os pobres. De acordo com Lyon, o ―consumismo é global, não no sentido de que todos podem consumir, mas no de que todos são afetados por ele‖ (LYON, 2005, p.104). Essa influencia global é notada pelo fato da sociedade ser denominada sociedade de consumo, tema que estaremos abordando mais adiante em nossa pesquisa.

Quanto à definição do termo consumismo, Bocock explica que:

[...] é o consumo extravagante ou espúrio de bens e serviços. Trata-se de um fenômeno humano de cunho individual ou grupal mas influenciado por empresas, instituições, grupos e organizações públicas. Manifesta-se no comportamento de pessoas quando da aquisição ou usufruto de bens, ambientando-se em um conjunto de práticas sociais, culturais e econômicas (BOCOCK, 2000 apud GIACOMINI FILHO, 2010, p. 53).

Para Bocock o consumismo surge quando o consumo ultrapassa os limites das reais necessidades e sofre influencias exteriores. Giacomini Filho confirma a legitimidade econômica e social do consumo, mas denuncia que o consumismo é gerado por uma distorção do consumo, que acaba causando impactos negativos nas próprias pessoas, nas instituições e no meio ambiente (GIACOMINI FILHO, 2010, p. 54). Ao estabelecer relação entre o consumo e o consumismo, Bauman refere-se ao último como um atributo da sociedade quando declara:

De maneira distinta do consumo, que é basicamente uma característica e uma ocupação dos seres humanos como indivíduos, o consumismo é um atributo da sociedade. Para que uma sociedade adquira esse atributo, a capacidade profundamente individual de querer, desejar e almejar deve ser, tal como a capacidade de trabalho na sociedade de produtores, destacada (―alienada‖) dos indivíduos e reciclada/reificada numa força externa que coloca a ―sociedade de consumidores‖ em movimento e a mantém em curso como uma forma específica de convívio humano, enquanto ao mesmo tempo estabelece parâmetros específicos para as estratégias individuais de vida que são eficazes e manipula as probabilidades de escolha e conduta individuais (BAUMAN, 2008, p. 41)

Dessa forma a sociedade de consumo se estruturou movida pelo desejo amplificado dos indivíduos. Esse desejo leva ao consumismo, porque não está voltado apenas para a

satisfação das necessidades, mas está associado à felicidade gerada por desejos sempre crescentes. Sobre isso Bauman explica:

[...] o consumismo, em aguda oposição às formas de vida precedentes, associa a felicidade não tanto à satisfação de necessidades (como suas "versões oficiais" tendem a deixar implícito), mas a um volume e uma intensidade de desejos sempre crescentes, o que por sua vez implica o uso imediato e a rápida substituição dos objetos destinados a satisfazê-la (BAUMAN, 2008, p.44).

Assim percebe-se o hedonismo, antes combatido na modernidade sólida, agora é legitimado pela sociedade de consumo. De acordo com Lyon (2005, p. 101), ―O prazer, uma vez visto como o inimigo da industriosidade capitalista, agora desempenha uma função indispensável‖ (LYON, 2005, p. 101).

A sociedade de consumo tem como objetivo criar desejos em escala contínua e constante, por isso novos produtos são lançados num ritmo alucinante para atender uma população cada vez mais ávida por novidades. Esses produtos diferentemente das épocas anteriores são feitos para a satisfação imediata, são descartáveis, feitos para durar pouco tempo. De acordo com Bauman em tempos da modernidade sólida, havia segurança através de produtos duráveis, que eram estocados e acumulados e se esperava que durassem a vida toda. Esse autor ainda explica que

Na época em que Thorstein Veblen o descreveu com vivacidade, no começo do século XX, o "consumo ostensivo" portava um significado bem distinto do atual: consistia na exibição pública de riqueza com ênfase em sua solidez e durabilidade, não em uma demonstração da facilidade com que prazeres imediatos podem ser extraídos de riquezas adquiridas, sendo pronta e plenamente usadas, digeridas e saboreadas, ou removidas e destruídas[...] (BAUMAN, 2008, p. 43).

Com tantos produtos a disposição do consumidor, o desejo tornou-se o combustível da sociedade de consumo. Por isso, faz-se ―necessário relembrar que o pensamento econômico está assentado sobre o conceito de desejos e não de necessidades‖ (ROSSI, 2008, p.186). Com o estímulo do desejo vários consumidores são condicionados a adquirir, de preferência imediatamente os produtos desejados. É comum nos deparar com pessoas que chegam até dormir na fila de uma loja a fim de comprar o mais novo lançamento tecnológico dos últimos meses. As agências de marketing tem um papel fundamental na fomentação do desejo, até sua veiculação através de vários tipos de mídias. Uma crítica recorrente é a de que não há limites para o desejo. De acordo com Sung, ―Quando se pensa a partir dos desejos não há limites, se busca o ilimitado. E quando se deseja o ilimitado nunca sobra nada para partilhar; sempre

falta‖(SUNG, 2010, p.57). Sobre a manutenção da sociedade de consumo, Bauman explica que,

A sociedade de consumo prospera enquanto consegue tornar perpétua a não-

satisfação de seus membros[...]. O método explícito de atingir tal efeito é depreciar e

desvalorizar os produtos de consumo logo depois de terem sido promovidos no universo dos desejo dos consumidores (BAUMAN, 2008, p. 64).

A fim de se perpetuar a sociedade de consumo marca a validade se seus produtos, até quando chegar o ponto de depreciar e desqualificar o produto outrora novo, para assim lançar um novo produto no mercado, e isso acontece sucessivamente.

Ao tentar reconstituir a trajetória do desenvolvimento da sociedade de consumo Retondar (2007) remete seu inicio ao século XVIII,

O atravessamento constante entre cultura e mercado passou, neste caso, a ser uma das marcas mais fortes da modernidade, numa relação de complementariedade e contradição que se acentuou a partir dos séculos XVIII e XIX e que vai se radicalizar durante todo o desenvolvimento do século XX.

A discussão sobre a época do surgimento da sociedade de consumo é controversa, uns dizem que seu começo remonta ao século XVI e outros apontam para o século XVIII. Sobre o momento do surgimento da sociedade de consumo Barbosa (2004, p.18-19) comenta que ainda que ocorram divergências sobre quando a sociedade de consumo começou, algumas mudanças ocorridas a partir do século XVI geram um relativo consenso. A autora continua dizendo que algumas dessas mudanças afetaram a cultura material da época, tanto na quantidade, quanto na modalidade dos produtos disponíveis. Esses produtos não eram produtos considerados de necessidade para a época, pois incluíam itens como louças domésticas, fivelas de cinto, brinquedos, jogos, novos produtos alimentícios, produtos de beleza dentre outros. Mudanças de ordem cultural também ocorreram tais como, o aparecimento do romance de ficção, a prática de leitura silenciosa, preocupação com novas formas de lazer e a expansão da ideologia individualista são algumas mudanças notadas na época. Barbosa também ressalta o notório desenvolvimento de novos processos e modalidades de consumo bem como sistemas e práticas de comercialização que tinham como meta alcançar novos mercados de consumidores. A Revolução Industrial, ocorrida a partir do século XVIII na Europa, influenciou as mudanças ocorridas nos padrões de consumo, primeiramente na Europa, que depois se espalharam por várias outras partes do mundo.

Além da Revolução Industrial outro evento que contribuiu para a consolidação da Sociedade de Consumo foi a Segunda Guerra Mundial. De acordo com Giacomini Filho,

[...]foi após a Segunda Guerra Mundial que a ascensão de uma forte sociedade de consumo nos Estados Unidos e Europa ocidental estimulou um moderno sistema de consumo massivo. Nesse sentido, empresas, governos e organizações incrementam conceitos como marketing, obsolescência planejada, pesquisa de mercado, de forma a sustentar condições para uma sociedade intensamente regulada pelas relações de consumo (GIACOMINI FILHO, 2010, p. 55).

Diante do texto citado acima, é possível perceber um estímulo ao consumo em tempos pós-guerra para alavancar a economia, isso se tornou evidente principalmente nos Estados Unidos e Europa Ocidental. É possível estabelecer uma relação com a época do surgimento da Teologia da Prosperidade. De acordo com Mariano: ―Reunindo crenças sobre cura, prosperidade e poder da fé, essa doutrina surgiu na década de 40‖ (MARIANO, 2010, p.151). Num contexto em que o consumo era incentivado, surge uma teologia que correspondia com o pensamento vigente da época, em que as lógicas do mercado de consumo iriam ser assimiladas, diluídas e propagadas em forma de pensamento legitimado pela religião.

3.1.1. O Capitalismo e a Sociedade de Consumo

A sociedade de consumo se estrutura e se consolida dentro do capitalismo, pois, o consumo já existia no seio do capitalismo industrial, contudo era menos importante que a produção. Atualmente, a produção torna-se complementar ao consumo. No capitalismo em sua primeira fase ―o consumo era gerado por causa da produção excessiva; no momento atual, a gestação do consumo independe da produção [...]‖ (SOUSA, s.d., p.3). Tratando sobre a mesma questão, Bauman chama a sociedade atual de sociedade de consumo e na sua fase industrial de sociedade de produtores (BAUMAN, 1999, p. 87-88). Dessa forma, o consumo, e não a produção, passa ser o elemento central da sociedade.

O pensamento puritano ascético era antagônico à sociedade de consumo, contudo não subsistiu contra a mesma. Daniel Bell, em sua obra Las Contradicciones Culturales del Capitalismo, trata sobre algumas mudanças culturais profundas que a sociedade passava nessa época. Bell afirma que nos primórdios do capitalismo, o puritanismo e a ética protestante controlavam com suas restrições a dinâmica econômica desenfreada e capitalista. Contudo a ética protestante foi destruída pelo capitalismo quando este usou mecanismos para fomentar o consumo, como o pagamento em prestações, propiciando o crédito imediato. A ideia de poupar para comprar foi sucumbida quando os cartões de crédito entraram em cena, possibilitando ao consumidor a possibilidade de alcançar uma gratificação imediata. Ocorreu assim a transformação do sistema para a produção em massa, e a criação de novas necessidades e de meios para poder atingi-las. O autor continua explicando que: ―A ética

protestante serviu para limitar a quantidade de acúmulo (mas não a acumulação de capital). Quando a ética protestante foi retirada da sociedade burguesa, restou o hedonismo e o sistema capitalista perdeu sua ética transcendental (BELL, 1989, p.33)‖.

O consumo passou a ocupar a centralidade na sociedade a ponto do ser humano ser valorizado conforme sua capacidade de consumir. Canclini afirma:

As lutas de gerações a respeito do necessário e do desejável mostram outro modo de estabelecer as identidades e construir a nossa diferença. Vamos afastando-nos da época em que as identidades se definiam por essências a-históricas: atualmente configuram-se no consumo, dependem daquilo que se possui, ou daquilo que se pode chegar a possuir (CANCLINI, 2010, p.30).

Assim percebe-se que a identidade do indivíduo passa a ser redefinida de acordo com os bens adquiridos, bem como sua aceitação pela sociedade. Sung declara que: ―Nas sociedades capitalistas, uma ação ou alguém vale na medida em que produz um valor econômico ou consome algo valorizado pelo mercado‖ (SUNG, 2005, p.12). O autor continua dizendo:

A construção da identidade e das diferenças, tanto na escala vertical – o superior e o inferior – quanto nas diferenciações horizontais – pertencer a um grupo diferente do outro na mesma escala vertical – se dá fundamentalmente pela capacidade de consumo e pelos gostos diferenciados (SUNG, 2005, p.32-33).

A questão da identidade do sujeito é discutida por Zigmunt Bauman que afirma: ―Na sociedade de consumidores, ninguém pode se tornar sujeito sem primeiro virar mercadoria [...]‖ (BAUMAN, 2008, p.20).

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