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Religião como legitimação da sociedade de consumo

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1 A TEOLOGIA DA PROSPERIDADE: ORIGENS, DEFINIÇÕES E PRINCIPAIS

3.3. Religião como legitimação da sociedade de consumo

Conforme já mencionado anteriormente, a religião contemporânea está inserida na sociedade de consumo e é influenciada por ela, estando vulnerável à suas ofertas. Inserida na sociedade de consumo a religião passa por uma série de transformações para se adequar à sociedade. Sobre essa questão Berger afirma que,

(...) a tradição religiosa, que antigamente podia ser imposta pela autoridade, agora tem que ser colocada no mercado. Ela tem que ser ―vendida‖ para uma clientela que não está mais obrigada a ―comprar‖. A situação pluralista é, acima de tudo, uma situação de mercado. Nela, as instituições religiosas tornam-se agencias de mercado e as tradições religiosas tornam-se comodidades de consumo. E, de qualquer forma, grande parte da atividade religiosa nessa situação vem a ser dominada pela lógica da economia de mercado (BERGER, 1985, p. 149).

Conforme observado por Berger, a religião tornou-se um produto a ser apresentado na sociedade de consumo e como tal deve estar à disposição da clientela. Existe um rompimento com a tradição, pelo menos nos moldes antigos, da forma como era propagada. Para Hervieu- Leger a ―transmissão regular das instituições e dos valores de uma geração a outra é, para toda a sociedade, a condição de sua sobrevivência no tempo‖ (2008, p. 57), contudo, mesmo diante da transmissão das tradições ocorrem adaptações e ressignificações na mensagem original, gerando assim uma crise que segundo Hervieu-Leger se dá porque,

As lacunas que se observam entre o universo cultural das diferentes gerações não correspondem mais apenas aos ajustamentos que a inovação e a adaptação aos novos dados da vida social tornam necessários. Elas representam verdadeiras rupturas

culturais que atingem profundamente a identidade social, a relação com o mundo e as capacidades de comunicação com os indivíduos. Elas correspondem a um remanejamento global das referências coletivas, as rupturas da memória, a uma reorganização dos valores que questionam os próprios fundamentos dos laços sociais.[...] A escola, a universidade, os partidos políticos, os sindicatos, as igrejas, todos também são atingidos (HERVIEU-LEGER, 2008, p. 58).

As instituições acabam por ter que responder aos anseios da sociedade onde estão inseridas, assimilando assim suas principais características. O hedonismo, o individualismo, o imediatismo, entre outros pensamentos, antes evitados e condenados no meio cristão, na sociedade de consumo são sacralizados e legitimados pela Teologia da Prosperidade. De acordo com Oro,―O êxito econômico das empresas religiosas neopentecostais encontra legitimação ideológica na Teologia da Prosperidade, que também incentiva o progresso econômico dos seus fiéis‖ (ORO, 2001, p.77).

Quando falamos sobre legitimação através da religião, estamos falando sobre a capacidade que a religião tem em tornar legítimo, ou na linguagem religiosa, tornar sagrado aquilo que antes era profano. Na tentativa de explicar o tema legitimação na religião, dois teóricos se sobressaem, Pierre Bourdieu e Peter Berger. Para os dois estudiosos a ordem social é legitimada pela religião. De acordo com Berger,

[...]a religião foi historicamente o instrumento mais amplo e efetivo de legitimação. Toda legitimação mantém a realidade socialmente definida. A religião legitima de modo tão eficaz porque relaciona com a realidade suprema as precárias construções da realidade erguida pelas sociedades empíricas (BERGER, 1985, p. 45).

Para esse autor, a legitimação religiosa é um escudo à anomia que dá sentido sobrenatural ao cosmos, envolve um processo de ocultamento e alienação. Já Pierre Bourdieu, quando fala sobre legitimação religiosa, afirma que a religião, por ser um sistema simbólico estruturado, constrói a experiência de seus seguidores. E seu êxito se dá através da consagração, ou legitimação das instituições sociais que vão determinar a visão de mundo absolutizando o relativo e legitimando o arbitrário. Para esse autor,

[...] a religião está predisposta a assumir uma função ideológica, função prática e política de absolutização do relativo e de legitimação do arbitrário, que só poderá cumprir na medida em que possa suprir uma função lógica e gnosiológica consistente em reforçar a força material ou simbólica possível de ser mobilizada por um grupo ou uma classe, assegurando a legitimação de tudo que define socialmente este grupo ou esta classe. Em outros termos, a religião permite a legitimação de todas as propriedades arbitrárias que se encontram objetivamente associadas a este grupo ou classe na medida em que ele ocupa uma posição determinada na estrutura social

(efeito de consagração como sacralização pela naturalização e pela eternização) (BOURDIEU, 2005, p. 46).

Dessa forma a legitimação religiosa teria o poder de conduzir as massas ideológicamente em prol de um grupo dominante, tudo isso feito em nome de Deus. Como as igrejas são absorvidas pela cultura, ou quais seriam os fatores históricos, sociais e econômicos que levariam a isso, é motivo de discussão no meio acadêmico. Sung, ao discutir sobre o tema O cristianismo entre dois desejos, aborda o dilema sofrido pelas igrejas cristãs. Ou se adequam à sociedade de consumo em busca de crescimento numérico, legitimando suas práticas, ou se tornam fiéis, ao projeto inicial do Evangelho, que é a missão de anunciar boas novas aos pobres, o que os leva a se opor à sociedade de consumo, que condena os pobres por não serem consumidores. Quando o cristianismo opta por aderir aos padrões da sociedade de consumo, para assim multiplicar seus fiéis, normalmente usa as técnicas de marketing e, ao executar essas técnicas de modo eficaz, tem como resultado ―a sacralização dos valores e o modo de vida da sociedade vigente. Uma forma de falsidade ideológica, pois coloca-se a ‗assinatura‘ou o ‗carimbo‘ de Deus naquilo que na verdade é um mero desejo humano que reproduz valores dominantes na sociedade‖ (SUNG, 2005, p.19).

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