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CONTATANDO HISTÓRIAS

No documento Série: ESCRITOS DA DANÇA (páginas 31-34)

Janaína Ferrari1

1 Janaína Ferrari é artista independente, bailante, pesquisadora, professora e per-former, movente do contato improvisação em Porto Alegre, integrante do coletivo Sapedo de Arte Menor.

O texto a seguir decorre de curiosidades e inquieta-ções da autora em conhecer e contar a história do contato improvisação2 (doravante ci) na cidade de Porto Alegre e da tentativa de encaixar o máximo possível de informações re-colhidas em 20.000 caracteres. Talvez isso não influencie em nada a tua prática em ci, ou a minha, mas busca resgatar e lembrar de quem iniciou esse movimento aqui em Porto Ale-gre.

A construção deste texto se dá em entrecruzar as informações obtidas em referenciais teóricos sobre a temá-tica, as experiências de praticantes de ci e a narrativa de Fernanda Hübner de Carvalho Leite Sehn3, que se deu no dia 12 de abril de 2017, em sua casa e espaço de trabalho, no-meado de Espaço Livre – Arte Corpo Mente, localizado na Avenida Cristóvão Colombo, em Porto Alegre.

-x-Em 1998, Fernanda vai para Nova Iorque estudar teatro e lá conhece K.J. Holmes4, no Movement Research5, onde faz sua primeira aula de ci. Para ela, essa aula trouxe à tona diversos sentimentos: “[...] resgatou em mim esse lugar lúdico, brincalhão, divertido, arriscado... e aí eu disse: é isso

2 Contact improvisation. No Brasil, chamado de contato improvisação. 3 A entrevistada que, a partir de agora, chamarei apenas de Fernanda

é atriz e bailarina portoalegrense, formada em Ciências Biológicas, pós-graduada em Peda-gogias do Corpo e Saúde, autora do artigo “Contato improvisação (contact improvisation) um diálogo em dança”, organizadora da primeira jam e de festival de ci na cidade de Porto Alegre. Atualmente, é mestranda em Artes Cênicas pela UFRGS. Fernanda autorizou a divulgação de seu nome neste trabalho através de um termo de consentimento informado. 4 Bailarina, cantora, atriz e poeta independente, pesquisadora de Body Mind Century, estudou ci com Steve Paxton e Lisa Nelson, integrantes da primeira geração do ci. 5 Um dos maiores laboratórios de investigação em dança e movimento do mun-do, localizado em Nova Iorque, valoriza o artista individual, seu processo criativo e seu papel vital na sociedade.

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que eu quero fazer!” (F.L.). Ao retornar à Porto Alegre,

Fernan-da fazia aulas no espaço Buraco Relações de Dança, dirigido por Andrea Druck, a quem relatou sobre as aulas de K.J. Hol-mes. Andrea Druck, então, ao Lado de Lúcia Brunelli, produziu a vinda e o workshop de K.J Holmes em Porto Alegre, no final do ano de 1999, sendo este o primeiro workshop internacio-nal de ci em Porto Alegre. Depois disso, a busca de Fernan-da pelo ci torna-se inevitável: ela viaja para São Paulo, onde Tica Lemos6 já disseminava a prática de ci no Brasil, no estúdio

Nova Dança, e onde também haviam arquivos da Contact

Quartely7. Com esse material e com outras oportunidades de aulas de ci, Fernanda segue estudando até que, em 2001, or-ganiza a primeira jam8 de ci em Porto Alegre.

A primeira jam de ci de Porto Alegre ocorreu no Coda, espaço criado e dirigido por Eva Schul. A jam fora anun-ciada em jornais e Fernanda contratou fotógrafos e músicos, sendo um sucesso, com um grande número de participantes. A partir de então, Fernanda começa a organizar mensalmen-te as jams na cidade, sempre em locais diferentes: Casa de Cultura Mário Quintana, Largo Glênio Peres, entre outros. No Forúm Social Mundial de 2001, também fora organizada uma prática e uma jam de ci, no Parque Moinhos de Vento. Lem-brando que não havia prática de ci na cidade; muitos nem sabiam do que se tratava:

[...] eu procurava levar músicos que improvisassem jun-tos, sabe... como estímulo praquilo, assim, que era tão novo aqui, que ninguém sabia o que era... e eu fazia uma condução também no início, pra começar, pra saber da onde ir, porque não tinha referência... vamos dançar contato cada um... niguém sabia começar, o que fazer... então eu propunha alguns exercícios e de-pois deixava solto, daí a gente terminava, fazia círculos para conversa (F.L.).

Além das jams, nos anos seguintes, Fernanda come-çou a organizar oficinas com professores de ci que passavam

6 Introdutora da técnica Contato Improvisação no Brasil e uma das fundadoras e diretora do Estúdio Nova Dança e da Cia Nova Dança 4

7 Revista voltada ao Contato Improvisação ofertando informações de calendá-rios, professores e eventos do mundo todo.

8 Termo adotado do jazzjazz after midnigth” utilizado para denominar o espaço livre de prática de contato improvisação, um encontro de bailarinos para praticar juntos.

pelo Brasil. Ralph Jaroschinski, Daniela Schwartz e Eckhard Müller foram alguns deles.

Em 2005, o Brasil recebe seu primeiro festival de Con-tato Improvisação, organizado em Brasília:

Em Brasília, eu conheci o Ricardo Neves, de São Pau-lo, que hoje encabeça o maior movimento lá e pelo Brasil. Conheci a Cristina Turdo e outros argentinos. E a Cris produzia o festival de contato improvisação em Buenos Aires, que tava na sexta edição, em 2005, e ela me convidou, na ocasião do festival de Brasília. Teve um professor que não pode ir e eu acabei dando uma aula. Conheci também Fernando Nedder, que era do Rio de Janeiro, que, ah, passou a fazer o Contact in Rio... Então, desse primeiro festival foi uma ponte mui-to interessante com... com Rio, São Paulo e Argentina. Quando eu fui pra Argentina, bom... naquele ano en-tão eu já comecei a elaborar um projeto pra trazer a Nancy Stark Smith em 2006 (F.L.).

Ainda em 2005, de volta a Porto Alegre, Fernanda segue suas estratégias de divulgação do ci em Porto Alegre. Segundo ela:

Então eu pensei: bom, oficinas, aulas, jams, professores vindos de fora, workshops, esses projetos fumproarte,

fiz uma pós-graduação em Pedagogias do Corpo e

da Saúde, na UFRGS, com o objetivo de aproveitar o material todo que eu tinha de literatura de

con-tato improvisação, fiz essa pós-graduação com o

objetivo de revisar esse material, não tinha muita coisa em português então acabei decidindo como

metodologia fazer uma revisão bibliográfica baseado

principalmente no Sharing the dance Contact Impro-visation and American Culture e também nas revistas

Contact Quarterly, a minha experiencia, então,

resul-tou nessa monografia Improvisação por Contato (con-tact improvisation) – o ensino e aprendizagem de uma dança (F.L.).

Em 2005, a monografia, derivada de sua pós-gra-duação, vira o artigo “Contato Improvisação (contact im-provisation) um Diálogo em Dança” e é publicada na revista Movimento, sendo o primeiro registro oficial sobre ci escrito em Porto Alegre.

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Smith, representante da primeira geração do ci. O projeto,

baseado no modelo de workshops feitos no Earth Dance9 em Massachusetts, recebe financiamento do Fumproarte10 e tem duração de 10 dias. O workshop faz muito sucesso. Segundo Fernanda, Porto Alegre passou por coisas muito significativas em dança nessa época.

Paralelo a esse projeto, ainda em 2005, aulas regu-lares de ci já aconteciam em Porto Alegre, no espaço Meme, também ofertadas por Fernanda. O ano de 2005 marca, ain-da, o início do GrupoTATO, grupo de estudo e pática em ci composto inicialmente por Fernanda, Alexandre Bado, Vera Carvalho e Sandro Solas. Segundo Fernanda, a criação do GrupoTATO fora uma das ferramentas para divulgar o ci em Porto Alegre. A entrada regular do GrupoTATO na Usina do Gasômetro, em 2007, como usuários da sala 209, marca o segundo período de aulas regulares de ci em Porto Alegre, ocorrendo duas vezes por semana.

Dentro do projeto Usina das Artes11 havia uma pro-posta de performance aberta todos os meses. Como o Gru-poTATO estava engajado no projeto, começaram então ex-perimentos cênicos a partir do estudo de ci. As performances tratavam de estruturar uma ideia e improvisar para o público.

Fernanda lembra muito bem de uma performance específi -ca, em companhia de músicos no terraço da Usina do Ga-sômetro:

[...] nós quatro, a gente se vestiu com roupas coloridas, colocamos joelheiras, tênis porque era no cimento e vamos improvisar, vamos lá, bora... e aí pôr do sol, um monte de gente, e a gente fez aquela performance que durou umas 2 horas uma jam, assim, a gente dan-çando e se relacionando e parando, e beber água, entrava, saia, e aí criança entrou, algumas pessoas também começaram a dançar junto, e foi assim até o anoitecer, foi incrível (F.L.).

Após o sucesso do workshop de Nancy, em 2006, ou-tro projeto de Fernanda recebe financiamento do

Fumproar-9 Espaço localizado em Massachusetts onde oficinas, residências artísticas e vi -vências são organizadas como foco em vida sustentável e vida em comunidade. 10 Edital de financiamento para projetos de bolsas de pesquisa e produção artísti -co-cultural no município de Porto Alegre.

11 Projeto de Ocupação de grupos e companhias nas salas de ensaios e espetá-culos da Usina do Gasômetro de Porto Alegre.

te, em 2009. Dessa vez, Porto Alegre recebe a primeira edi-ção do Sul em Contato. O festival teve duraedi-ção de 9 meses, trazendo 12 professores:

[...] cada professor vinha por três dias, e tinha aula, tinha uma performance deles ou uma apresentação de vídeos, um bate papo e jams... e a cada duas se-manas vinha um novo professor, foi um projeto que durou nove meses... na verdade, um ano letivo (F.L.). O Sul em Contato, então, torna-se o primeiro festival internacional de ci organizado em Porto Alegre.

O ano de 2009 também é marcado pelo trabalho “Ato ao Acaso”, do GrupoTATO, já com nova formação. O GrupoTATO apresenta seu primeiro trabalho ao público ten-do no elenco Viviane Lencina, Linten-don Shimizu, Juliana Vicari, Luciano Tavares e o músico Guenther Andreas. O trabalho consistia em jogos de improvisação estruturada onde havia cinco cenas que seriam sorteadas em ordem aleatória e com o público. Durante a temporada de “Ato ao Acaso”, o GrupoTATO é convidado para dançar em São Paulo, onde desenvolveram a sequência nomeada “:Depois do Acaso”, com Fernanda agora no elenco. O quinteto aproveitou a ex-periência da temporada de “Ato ao Acaso” para construir uma sequência em que as cenas experimentadas ganhas-sem mais sentido, surgindo então o “:Depois do Acaso”.

Em 2010, Fernanda recebe o prêmio Décio Freitas12, onde ganha uma bolsa para estudar por 3 meses em Nova Iorque. Durante esse período, Fernanda desenvolve sua pes-quisa “ContactViewpoints: perspectivas de treinamento do bailarino ator”, onde une ci, performance e ferramentas de

viewpoints como treinamento para atores e bailarinos. Ainda em 2010, Juliano Motta organiza jams de ci no Namastê, espaço localizado na Cidade Baixa em Porto Alegre.

Em 2011, ao retornar ao Brasil, Fernanda e o grupo saem da Usina do Gasômetro após 5 anos de trabalho lá, migrando para a Casa de Cultura Mário Quintana, durante a gestão de Marcos Barreto. Lá, Fernanda volta a oferecer

12 Financiamento de bolsas com foco em pesquisa de temas, metodologias, pro-cessos e resultados em Audiovisual, Artes Visuais, Artes Cênicas, Patrimônio Cultural Imaterial, Moda e Música.

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