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Contato de uma assistente social com a família problemática de uma adolescente

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A terceira etapa da sessão de psicodrama (sociodrama, jogos e papéis etc.) caracteriza-se pela troca ou compartilhamento dos integrantes do grupo com o protagonista ou protagonistas das vivências ou experiências mobilizadas neles durante a dramatização.

2A

FASE:DRAMATIZAÇÃO

Personagens: esposa representada por ASS46/8o; marido representado por ASS1/9o; filha representada por ASS22/9o; assistente social (AS) representada por ASS15/9o. Outros componentes da equipe: ASS3/9o e ASS5/9o.

Obs: A dramatização se processa com cenas mudas. Primeiro: namoro e casamento de um casal. Depois nascimento do filho. Terceiro, brigas constantes. Por último, a dramatização se encerra com a imagem do casal de costas um para o outro e a assistente social estagiária diante da cena, estagnada e em seguida encolhendo-se lentamente até o chão.

Diretora do grupo (professora/pesquisadora para a AS) - O que tem você?

AS- Sinto-me impotente, pois me encontro diante de uma cena que vivencio no meu cotidiano

familiar.

3A FASE:COMPARTILHAMENTO

Professora/pesquisadora para o grupo- Quem também já se sentiu impotente diante de uma situação profissional?

ASS25/9o: Eu já me senti impotente várias vezes. Porém houve uma coisa que aconteceu

comigo no estágio que eu nunca esqueci. Eu trabalhava com portadores de deficiências e uma vez eu estava realizando os atendimentos e... quando o portador de deficiência vai até X, que é a instituição, a gente preenche uma ficha né? De tipo uma triagem, assim [gesticulando com

a mão] né? e nós perguntamos qual a origem da deficiência dessa pessoa. E... a... mulher que

foi lá chegou pra mim e eu perguntei a ela né: qual a origem da sua deficiência? Ela abaixou a cabeça e estava com o filho adolescente, o filho baixou a cabeça também e começou a chorar. Aí eu fiquei... [me sentindo imobilizada] aí ela perguntou pra mim “por que você está me perguntando isso?”. Eu falei: são normas daqui que... a gente precisa preencher esses questionários e não se preocupe que essa informação é sigilosa. Aí ela, tá bom. Aí ela chegou pra mim foi meu marido que num ataque de raiva pegou o facão e fez isso na minha mão. Eu fiquei assim [gesticulando e tocando na usuária], não tive como, o que falar para essa pessoa. Dizer é isso aí, vá lá, encare a vida. Não! O que dizer pra uma pessoa dessa? Eu fiquei sem ação. Aí o filho adolescente relatou que assistiu a tudo. Uma violência sem tamanho. Eu senti falta de uma atitude mais profissional da minha parte. O que eu fiz, eu achei que foi uma porcaria. Aquela sensação de impotência, né? Você se vê diante daquele quadro e diz: meu

Deus, eu vou fazer o quê? Aí ela estava com um pano cobrindo a mão, eu cheguei para ela e fiz assim: mas, a Sra. não deveria usar este pano. Tentando estimular a auto-estima, levantar um pouco da auto-estima dela. Não, não pode ser assim. Enfim, terminei o questionário e ela foi embora e tal. Mas aquilo me marcou e até hoje eu não esqueço daquilo. Porque, na verdade o que me deu vontade de fazer foi entrar no senso comum mesmo: “Oh! Não fique assim...” aquela coisa de passar uma força para a pessoa. Mas, não no sentido profissional que não pode se envolver com o cliente. Sabe? A vontade que eu tive foi essa. Mas eu não fiz. Fiquei na retaguarda mesmo. Quer dizer... é meio complicado! A gente não sabe como agir.

ASS32/9o: Eu acho que quando a situação acontece com o aluno, a gente, quando vai para o

campo de estágio, a gente não sabe como agir emocionalmente para ver aquilo daquela forma. Eu fiz o meu estágio junto com M., na mesma instituição A gente teve várias experiências, de várias pessoas que já chegaram lá. Teve uma também que me marcou. Foi um que chegou lá na cadeira de rodas, começando a gritar que não tinha moradia que queria uma casa, lembra M? Que estava morando embaixo de uma marquise, que estava criando um menino de rua. Ele chegou lá assim... gritando mesmo. Eu fiquei assim parada, calada, imobilizada. Aí a técnica de apoio começou a intervir: não, não é bem assim. Onde você mora? Ele: mas eu quero uma casa para morar mesmo. A técnica disse: mas aqui ninguém dá casa para ninguém morar. Aí ele foi embora. Quando ele foi embora, ele encontrou a coordenadora. Aí ela perguntou por que vocês não o atenderam? Nós dissemos que tínhamos atendido. Aí ele se acalmou e disse que tudo que ele estava dizendo era mentira. Que, na verdade, ele morava num barraco cedido por um amigo. Que aquele menino era um menino de rua, que já tinha passado pelo projeto nossos filhos, que ele estava criando e, na verdade, o que ele queria era uma cadeira de rodas e uma cesta básica para ele poder viver. Aí a gente vê o quanto eles também estão emocionalmente despreparados para reivindicarem seus direitos. E quando chegam para a gente, e, é, aqui na faculdade como M. mesmo falou, é aquela coisa de preparo teórico de qualidade e tudo, mas, emocionalmente, eu me sinto um zero à esquerda... Então é um tratamento realmente de choque.

ASS21/9o: É, mas.. a gente tem de aprender na tora. Com a gente mesmo!

Professora/pesquisadora: Como é que vocês acham que o espaço acadêmico poderia lidar com essas situações?

ASS29/9o: Eu acho que com laboratórios, como eu ouvi dizer que existem em alguns cursos

de Psicologia. Lá, o estagiário, tendo contato com a sua clientela, pode trazê-la no discurso e ouvir a opinião dos colegas e professores. Não obtivemos essa experiência na Escola. Foi nos campos de estágio que fui me preparando emocionalmente para lidar com situações chocantes.

Acredito que nenhum curso prepara o aluno emocionalmente para exercer a profissão. Esse preparo é o tempo, a experiência e o amadurecimento que nos dá enquanto profissionais. Nossos campos de estágios são um pouco os nossos laboratórios e o espaço de supervisão, de uma certa forma, também permite nossos desabafos, norteando-nos.

ASS2/9o: Eu acho que a relação entre a universidade e as técnicas de apoio é uma relação

muito fraca mesmo. Acho que a supervisão deveria ter um contato mais de perto com os ambientes que oferecem os estágios. Ter um conhecimento maior da nossa prática também. Eu acho que o pecado taí. Porque essa questão da sala de aula, a experiência que a gente traz, o que a gente conta e o que a pessoa vê... no caso, um supervisor que nunca compareceu num campo de estágio e fica só sala de aula e... estudante; sala de aula e estudante, a gente pode sair contando tudo, só que nunca ele vai ter a noção realmente do que é que a gente vive ali, né? Da realidade que a gente vive no cotidiano. Eu percebo que aqui na Universidade tem muito isso. O supervisor tá bem distante do campo de estágio, e da relação com o técnico de apoio ser muito frágil.

ASS15/9o: É, parece que os professores se centram em dizer: academia... academia! e come

livro pra cá e tome livro pra lá. Estudem, vocês não estudam! E se esquecem um pouco de ver como é que está lá a realidade da gente.