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O SIGNIFICADO DO MOVIMENTO DE RECONCEITUAÇÃO NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL DE SERVIÇO SOCIAL

Há fatores que complicam e até mesmo impedem uma análise completa a respeito do Movimento de Reconceituação do Serviço Social na América Latina, como: a extensão e

diversidade da área geográfica atingida; a complexidade do desenvolvimento do seu processo histórico, assim como o seu “significado político e teórico” (FALEIROS, 1987, p.1). Entretanto,

para contextualizá-lo, se faz mister situar os países latino-americanos dos anos 60 a 80 na sua relação de dominação/dependência com os Estados Unidos, como toda conjuntura política desenvolvida na América Latina nesse período. Neste sentido, observa-se que o Movimento de Reconceituação não representa um movimento revolucionário isolado, mas sim, conforme o autor, “[...] um processo vivo e contraditório de mudanças no interior do Serviço Social latino-americano” (FALEIROS, 1987, p.2). É no processo de separação dos laços imperialistas,

na luta pela liberdade nacionalista e nas modificações da estrutura excludente, capitalista, concentradora e exploradora, que a ruptura do Serviço Social tradicional se inscreve. Assim, para o autor, o Movimento de Reconceituação reflete contradições e confrontos das lutas sociais no bojo das quais se debatem diversas tendências, como as de conciliação e de reforma contra as de transformação da ordem vigente, presentes no cerne do processo revolucionário, associadas àquelas que visam modernizar e minimizar a dominação.

Para Vicente Faleiros (1987), a Reconceituação do Serviço Social não se caracterizou como uma revolução linear do assistencialismo à transformação, mas na luta constante e cotidiana no interior das instituições, por uma sociedade mais igualitária, transformando as relações pessoais, políticas, econômicas e ideológicas da profissão. Diva Costa (1987) concorda com esse autor, quando afirma que a Reconceituação, embora caracterizada como um movimento, não se constitui em um bloco hegemônico de idéias, sofrendo influências de várias correntes como o psicologismo filosófico, o positivismo e o neopositivismo, o existencialismo e o marxismo. Apesar disto, a autora destaca como característica geral deste movimento o combate ao Serviço Social tradicional, baseado no modelo católico europeu e no modelo norte americano.

Sintetizando, o Movimento de Reconceituação tentou dar conta de: uma referência teórica e de modelos metodológicos adequados para uma prática de Serviço Social latino-

americano; um quadro referencial teórico que desse elementos para a formação de um conhecimento crítico e global da realidade, com uma nova concepção do ser humano e da sociedade:

Neste sentido segundo os autores da época, os profissionais de Serviço Social buscavam uma nova fundamentação teórica que servisse de apoio às suas ações interventivas, em razão de uma tomada de consciência, da inadequação do preparo profissional para atender às condições do subdesenvolvimento brasileiro; [...] Se antes o Serviço Social se voltava para os problemas individuais, grupais e comunitários, isolados do contexto social vigente, o movimento de reconceituação, passou então a considerar a problemática, a nível individual – grupal – comunitário, numa visão de conjunto, inseridos no contexto, isto é, relacionando-os com os problemas estruturais e conjunturais da sociedade brasileira (Latino-Americana). (COSTA,D., 1987, p.69).

Para Marilda Iamamoto (1999), a contestação trazida por este Movimento ao tradicionalismo profissional ocorreu por este não ser capaz de responder aos desafios emergentes da Contemporaneidade, manifestados por mudanças no mundo do trabalho, na esfera do Estado e no campo da cultura. O Movimento de Reconceituação representa, desta forma, um questionamento global da profissão, abrangendo desde seus fundamentos ideológicos e teóricos até seu modus operandi. Tornou-se necessário, a partir daí, a criação de uma nova subjetividade profissional − teórico-crítica, técnico-política e ético-humanista − embasada em uma teoria social crítica identificada com o marxismo e tida como desveladora dos fundamentos da produção e reprodução da situação social. Esta teoria deveria ser capaz de fomentar pesquisas e ações que possibilitassem construir respostas profissionais eficazes para agregar as forças sociais, os sujeitos individuais e coletivos, fazendo-os construtores da história, na defesa radical da democracia.

Na ótica de Marilda Iamamoto (1999), o enfrentamento das assistentes sociais com as idéias implementadas pelo Movimento de Reconceituação ocorreu, no Brasil, no auge da crise da ditadura, no momento em que a sociedade civil revigorada rompeu com as amarras da repressão política e da mudez a que havia sido submetida durante todo o processo ditatorial. Esse cenário fez com que o embate do Serviço Social no universo acadêmico optasse pela

modernização da profissão, atualizando sua herança conservadora, adequando-se às demandas tecnicistas das grandes empresas e do Estado, como também à ideologia dos governantes. Suas atividades tornaram-se mais burocratizadas. Impedido de questionar-se política e socialmente, o Serviço Social questionou-se metodologicamente.

Na década de 80, emergiu em pequenos núcleos universitários de formação profissional de Serviço Social a necessidade de apropriação teórica e metodológica do marxismo, pois consideravam que esta teoria oferecia uma melhor leitura de realidade. No final dessa década, travaram-se lutas permanentes no meio acadêmico das escolas de Serviço Social brasileiras pela hegemonia da teoria marxista. Na arena dessa discussão, despontava o conflito de como conciliar um debate teoricamente plural com as múltiplas tendências teóricas que atravessavam a produção das ciências sociais, tais como os paradigmas da subjetividade, a hermenêutica etc., sem resvalar para os efeitos danosos derivados do ecletismo teórico, que poderiam potencializar uma herança intelectual e política de raízes positivistas conservadoras, da qual o Serviço Social era partidário e contra a qual o Movimento de Reconceituação se insurgiu (IAMAMOTO, 1999).

Esse movimento, segundo alguns estudos como os de Liliane Almeida (1984), Diva Costa (1987) e Vicente Faleiros (1972), possibilitou ao Serviço Social dar um salto qualitativo, mudando o papel da profissão de mantenedora do status quo do sistema, para uma posição política de análise e crítica da realidade social, configurando, desta forma, uma subjetividade profissional capaz de reconhecer a profissão inserida num contexto histórico- sócio-político-econômico mais amplo, responsável pela sua determinação. De solucionador de problemas sociais, através da aplicação dos recursos técnicos da profissão, de acordo com o prescrito na Lei Nº. 3.252, de 27 de Agosto de 1957 (VIEIRA, 1977), para adaptar o indivíduo

ao sistema social ou adaptar o sistema social ao indivíduo, esse profissional assumiu, paulatinamente, através da formação profissional, a consciência de que o contexto social e suas determinações definem seu papel, assim como as possibilidades de intervenções e

criações de políticas sociais públicas e privadas. As transformações do perfil profissional do assistente social podem ser constatadas em documentos oficiais do CFE: nos artigos 3o. e 4o.32 da Resolução No. 06, de 26 de setembro de 1982, do Parecer No. 412/82, e no artigo 4o.33 da Lei No. 8.662/93, publicada no Diário Oficial da União, no dia 08 de Junho de 1993 (BRASIL, 2003a).

Neste sentido, Marilda Iamamoto (1999) aponta para o Assistente Social como o profissional que historicamente tem assumido o papel de agenciador e de implementador de políticas sociais públicas. O Assistente Social tem sido um executor dessas políticas, atuando diretamente com a população usuária desses serviços. O que se requer, entretanto, do Assistente Social na atual conjuntura é que acrescente ao papel de executor um outro imprescindível, o de criador de “[...] políticas públicas e gestor de políticas sociais.” (IAMAMOTO, 1999, p.21). Este perfil profissional corresponde ao definido no Parecer No. 492/2001 (BRASIL, 2003b) exarado pelo Conselho Nacional de Educação, e pelo Conselho Estadual de Serviço Social, aprovado em 03 de abril de 2001, em vigor. Nesta legislação, o profissional de Serviço Social é aquele que atua nas expressões da questão social, formulando

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“Art. 3o. O ciclo básico visará conduzir o aluno ao conhecimento do contexto social brasileiro, das organizações que expressam a ordem institucional da Sociedade e possibilitam a formação do Assistente bem como da realidade da clientela em suas relações sociais de trabalho, cidadania e cultura.

Art. 4o. O ciclo profissional deverá conduzir o aluno à aquisição de conhecimentos sistemáticos do objeto e objetivos da intervenção do Serviço Social, da sua prática, de seus elementos constitutivos e das estratégias de intervenção em contextos institucionais diferenciados.” (BRASIL, 1984, v.2, p. 71-73).

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“Art. 4º - Constituem competência do Assistente Social:

I - elaborar, implementar, executar e avaliar políticas sociais junto a órgãos da administração pública direta ou indireta, empresas, entidades e organizações populares;

II - elaborar, coordenar, executar e avaliar planos, programas e projetos que sejam do âmbito de atuação do Serviço Social com participação da sociedade civil;

III - encaminhar providências, e prestar orientação social a indivíduos, grupos e à população; IV- (VETADO);

V - orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de identificar recursos e de fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa de seus direitos;

VI - planejar, organizar e administrar benefícios e Serviços Sociais;

VII - planejar, executar e avaliar pesquisas que possam contribuir para a análise da realidade social e para subsidiar ações profissionais;

VIII - prestar assessoria e consultoria a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades, com relação às matérias relacionadas no inciso II deste artigo; IX - prestar assessoria e apoio aos movimentos sociais em matéria relacionada às políticas sociais, no exercício e na defesa dos direitos civis, políticos e sociais da coletividade;

X - planejamento, organização e administração de Serviços Sociais e de Unidade de Serviço Social; XI - realizar estudos sócio-econômicos com os usuários para fins de benefícios e serviços sociais junto a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades.” (BRASIL, 2003).

e implementando propostas de intervenção para seu enfrentamento, com capacidade de promover o exercício pleno da cidadania e a inserção criativa e propositiva dos usuários do