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CONTEXTO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: DA EDUCAÇÃO INDIFERENCIADA À EDUCAÇÃO ESPECÍFICA

“Assim, não há um problema de educação indígena, há sim uma solução indígena ao problema da educação”. (MELIÁ, 1988) Pretendemos que o capítulo contemple discussões do campo educacional, das políticas públicas do momento da implementação da Constituinte Escolar e da luta pelo reconhecimento da diversidade, da diferença, o direito à Educação Escolar Indígena,

específica, diferenciada, bilíngue, comunitária e intercultural, que respeite o uso das línguas

maternas e processos próprios de aprendizagem. O processo de estruturação de uma política de valorização deste tipo de ensino nas escolas das áreas indígenas no município de Dourados, aos poucos foi sendo pensada e organizada a partir de um discurso que privilegiava uma Educação Escolar Indígena conforme tais preceitos.

No Brasil, como vimos no Capítulo I, a política indigenista apresentada aos povos indígenas pelo governo esteve pautada, por séculos, numa perspectiva de integração e assimilação. No século XX, para tanto, foram criados diversos órgãos federais para a implantação desta ideologia, como a criação em 1910 do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), que operou em diferentes formatos até 1967, quando foi substituído pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), que vigora até os dias atuais.

A fundação do SPI se deu em um período altamente crítico para os povos indígenas. Naquele contexto, havia diversas frentes de expansão para o interior, ao longo de todo o país e faziam-se guerras contra os nativos, defendendo-se o extermínio dos que resistissem ao avanço da civilização ocidental, promovendo-se grande revolta em diversos setores da sociedade civil. É nesse sentido que, em 1908, “o Brasil fora publicamente acusado de

massacre aos índios no XVI Congresso dos Americanistas ocorrido em Viena18”.Foi neste contexto que se deu origem, a criação do Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN) o qual,

18 Texto disponível no site Povos indígenas no Brasil: http://pib.socioambiental.org/pt/c/politicas-

Visava tanto a proteção e integração dos índios, quanto a fundação de colônias agrícolas que se utilizariam da mão-de-obra encontrada pelas expedições oficiais (Decreto nº. 8.072, de 20 de junho de 1910). Na base da unificação destas funções estava a ideia de que o 'Índio' era um ser em estado transitório. Seu destino seria tornar-se trabalhador rural ou proletário urbano. Em 1918 o SPI foi separado da Localização de Trabalhadores Nacionais (Decreto-Lei nº. 3.454, de 6 de janeiro de 1918). Entretanto, mesmo com a separação, a premissa da integração pacífica dos índios continuou a basear a atuação do órgão19.

A política de administração dos índios pela União foi formalizada no Código Civil de 1916 e na lei nº 5.484 de 27 de junho de 1928, os quais estabeleceram sua relativa incapacidade jurídica e o poder de tutela ao SPI. Como tais dispositivos partiam de uma noção genérica de Índio, não foram formulados critérios objetivos que pudessem dar conta da diversidade de situações vividas pelos povos indígenas no Brasil. Por um lado, visava-se proteger as terras e as culturas indígenas, mas na realidade o que houve foi a transferência dos territórios tradicionais dos nativos para liberar áreas destinadas à colonização e a imposição de alterações em seus modos de vida.

Portanto, as contradições no tratamento da questão indígena se revelavam também no próprio arranjo institucional do SPI no âmbito mais abrangente do Estado. Em 1940, o SPI voltou a ser integrado ao Ministério da Agricultura. Na estrutura interna do órgão ainda refletia-se a proposta de integração dos povos e seus territórios: “as divisões administrativas

foram organizadas conforme as diversas fases de passagem do isolamento à civilização: atração, pacificação, sedentarização e nacionalização (integração)20”, semelhantes aos

aldeamentos missionários formados desde o século XVI. Dessa forma, é possível dizer que,

O SPI foi formado em continuidade com premissas coloniais. Seu modo de atuação, formado a partir de doutrinas positivistas, incorporou técnicas missionárias tais como: distribuir presentes, vestir os índios e ensinar-lhes a tocar instrumentos musicais ocidentais. Os valores de bravura, coragem, calma e disciplina militar nas expedições pelos sertões, ressoam as clássicas imagens do explorador e do bandeirante21.

Um dos principais personagens deste processo foi o sertanista Marechal Cândido Rondon (1865-1958), que foi o primeiro presidente do órgão e exerceu grande influência na condução de suas políticas ao longo de praticamente toda sua história. Rondon não apenas concebeu como também levou à risca tais posturas. Sua prática indigenista se originou de sua atuação à frente da CLTEMTA - Comissão de Linhas Telegráficas Estratégicas do Mato

19 Povos indígenas no Brasil:http://pib.socioambiental.org/pt/c/politicas-indigenistas/orgao-indigenista-oficial/o-

servico-de-protecao-aos-indios-(spi) - Acesso em 22 de agosto de 2014)

20 Idem. 21 Idem.

Grosso ao Amazonas (1907-1915), na qual experimentou diversas das técnicas de relacionamento com os índios que posteriormente os transferiu ao SPI.

Outros personagens, como o alemão Curt Nimuendajú (1883-1945), também se destacaram. Nimunendajú, ao longo de diversas expedições, produziu uma vasta obra fundamental aos estudos das populações indígenas de diversas regiões do país. Também entre as décadas de 1940 e 1960 destacaram-se os irmãos Villas Boas, famosos por suas expedições no Brasil Central, estando à frente do processo de pacificação dos Xavante (MT) e da concepção, implantação e gestão do Parque Indígena do Xingu.

A partir da década de 1940, após a instituição do Conselho Nacional de Proteção aos Índios - CNPI (Decreto nº. 1.794, de 22 de novembro de 1939), antropólogos renomados passaram a atuar na formulação das políticas indigenistas brasileiras. Personagens como Heloísa Alberto Torres, Darcy Ribeiro, Roberto Cardoso de Oliveira, Eduardo Galvão, entre outros, tentaram levar ao SPI as premissas antropológicas da época, questionando os cânones e práticas sertanistas. De forma geral, acreditavam que,

Embora considerassem inevitável a integração dos índios à sociedade nacional, defendiam que o órgão indigenista não se comprometesse a estimular este processo. As discussões que propunham estavam em consonância com os debates latino- americanos e internacionais mais amplos realizados no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), que, em 1957, promulgou, através da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Convenção nº 107 “Sobre a Proteção e Integração das Populações Indígenas e outras Populações Tribais e Semitribais de Países Independentes”, que apenas foi ratificada pelo Brasil em 1966 (Decreto nº 58.824/66)22.

Desde então, embora a história do SPI tenha sido marcada pela influência de figuras proeminentes e comprometidas com o destino dos povos indígenas, sua atuação não era a regra. Permanentemente carente de recursos, o órgão acabou por envolver de militares a trabalhadores rurais que não possuíam qualquer preparação ou interesse pela proteção aos índios: “suas atuações à frente dos Postos Indígenas de todo o país acabaram por gerar

resultados diametralmente opostos a esta proposta. Casos de fome, doenças, depopulação e escravização eram permanentemente denunciados”.

No início da década de 1960, sob acusações de genocídio, corrupção e ineficiência, o SPI foi investigado por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). “O processo levou à

demissão ou suspensão de mais de cem funcionários de todos os escalões. Em 1967, em meio

22 Povos Indígenas no Brasil: http://pib.socioambiental.org/pt/c/politicas-indigenistas/orgao-indigenista-oficial/o-

à crise institucional e ao início da ditadura, o SPI e o CNPI foram extintos e substituídos pela Fundação Nacional do Índio (Funai)”23

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Portanto, no período em que vigorou a atuação do SPI frente à política indigenista, apresentada aos povos indígenas pelo governo brasileiro, o estado pautou-se numa visão integracionista, submetendo os indígenas a um processo de extermínio gradativo de suas culturas, suas línguas, seus territórios, seus saberes e processos próprios de aprendizagem. Essa prática também esteve presente nas experiências de educação escolar ofertada aos indígenas do MS.